Saúde

Papo de Domingo: ‘Ser mulher é o maior fator de risco’

A frase é da presidente do Instituto Neo Mama de Prevenção e Combate ao Câncer de Mama, Gilze Francisco

Publicado em 12/10/2014 às 10:10

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Enfermeira, casada, mãe, avó, mas acima de tudo, uma mulher de coragem que venceu um câncer para contar a sua história e ajudar outras mulheres na mesma situação. O ‘Papo de Domingo’ é com Gilze Maria Costa Francisco, presidente do Instituto Neo Mama de Prevenção e Combate ao Câncer de Mama e presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer do Estado de São Paulo. O Diário do Litoral entra na campanha Outubro Rosa.

DL – Por que você decidiu criar o Instituto Neo Mama?
Gilze Francisco -
O instituto surgiu a partir da minha história com o câncer de mama. Fui acometida em 1999 aos 38 anos. Fui mastectomizada. Passei pela quimioterapia com direito a todos os efeitos possíveis e imagináveis, numa época em que a medicina era menos avançada, quando os recursos eram menores em todos os aspectos, havia menos drogas quimioterápicas que propusessem mais qualidade para a mulher. E eu era considerada, na época, uma mulher muito jovem. Não era comum casos em mulheres com menos de 40 anos. Inclusive entrei para uma pesquisa nacional. Eu era tratada como menina pelos médicos. Embora não seja fácil. É uma realidade muito difícil, estranha. Um inimigo tremendamente íntimo, traiçoeiro, silencioso, que se manifesta na maioria dos casos através de um nódulo. Muitas vezes esse nódulo passa anos despercebido dentro da gente. Eu descobri através do autoexame.

DL – Quantas mulheres o Instituto já atendeu?
Gilze –
Cadastradas, contando com as que infelizmente a gente já perdeu são 3.200 mulheres desde que o instituto abriu (2002) e isso se estende às famílias, aos cuidadores. Hoje eu recebo uma média de três a quatro mulheres por dia para cadastramento. É muita coisa. A gente conta que dessas três ou quatro, duas não comparecem, porque acham que o ambiente é baixo astral. Mas, não é. É uma chance para a gente celebrar a vida. Temos limites, mas a gente consegue através da convivência com o câncer a alegria de viver, a vontade de viver e a esperança de dias melhores. A gente está à beira de um precipício e tem a opção de pular ou voar e descobre que voar é muito bom.

DL – Por que você sentiu a necessidade de criar um Instituto voltado a atender mulheres com câncer? Quando você enfrentou a doença sentiu falta de uma estrutura que oferecesse esse tipo de atenção, considerando desde a assistência à saúde até a psicológica?
Gilze -
Os hospitais não têm estrutura para que uma equipe multidisciplinar e interdisciplinar ofereça suporte aos pacientes com câncer. Aos poucos estão se estruturando. Quando o paciente oncológico não tem mais condições de tratamento necessita de cuidados paliativos. Todo o trabalho que existe no instituto não existe em lugar nenhum. Existe um atendimento multidisciplinar e interdisciplinar.

>Gilze - explica que a mulher não pode ter medo de fazer os exames, quando mais cedo for o diagnóstico do câncer de mama, as chances de cura aumentam até 99% (Foto: DL)

DL – No que consiste o atendimento multidisciplinar e interdisciplinar?
Gilze –
Os profissionais se conversam a respeito do paciente, opinam qual seria o melhor caminho, o reflexo dela no atendimento que está sendo prestado. A gente nota um cuidado muito grande em relação à paciente e isso é muito importante. Ela se sente cuidada e tira muitas dúvidas no instituto. Aquelas dúvidas que muitas vezes ela tem vergonha de perguntar para o médico.

DL – Você foi a pioneira em difundir o Outubro Rosa no País. Quando e como você iniciou a divulgação dessa campanha internacional?
Gilze -
A primeira iluminação no Brasil do Outubro foi a da Fortaleza da Barra em maio de 2008, com ampla cobertura da mídia. Eu fazia um curso do Albert Einstein (Hospital), e eu contei o que tinha acontecido e todo mundo se encantou e abraçou a causa a partir daquele ano.

DL - A Lei 12.732/12 garante o início do tratamento em até 60 dias a pacientes com diagnóstico de câncer pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Isso vale para cirurgias e sessões de quimioterapia e radioterapia. Na prática, a lei está sendo cumprida?
Gilze –
Há 15 dias eu participei do I Congresso Todos Juntos contra o Câncer. Tinha pessoas de todo o Brasil e a gente viu que isso é uma realidade muito distante ainda. A lei mudou. Na suspeita de câncer, você já entrava para o SISCAN, que é o Sistema de Informações do Câncer. Só que nem todas as cidades têm acesso ainda. Aliás, a minoria. Entraria (paciente) para o Siscam e aí contaria 60 dias para iniciar tratamento cirúrgico, quimioterápico e radioterápico. Só que, agora, o caminho ficou mais longo porque essa pessoa precisa ter o anátomo patológico (exame) comprovando que ela tem câncer. Não adianta suspeita, não se agiliza biópsias em função de uma suspeita.

DL – Então, a lei prejudica o doente em vez de ajudar?
Gilze –
A lei, na verdade, garante o Governo. O Governo está pagando tratamento oncológico para quem comprovadamente está com diagnóstico de câncer na mão. Mas, a pessoa que está na suspeita, que tem um câncer, mas que ainda não tem um anátomo patológico positivo, ela vai continuar na busca, e a gente não sabe quanto tempo isso vai demorar. A gente corre contra o relógio.


(Foto: DL)

DL – Então, o tempo de espera para o início do tratamento é crucial para salvar a vida de um paciente com câncer?
Gilze -
Obviamente, a emergência em relação ao câncer, muitas vezes, é mais psicológica do que pontual da doença. Mas, isso a gente fala num prazo de 15 a 20 dias, e dependendo do tipo de câncer. Agora, quando já existe uma suspeita e aquela pessoa vai atrás de exames, médicos, é um paciente que sabe que é uma bomba ambulante. Eu tenho relatos em São Paulo de mulheres com 1 anos e dois meses para conseguir uma mamografia. Em São Paulo, que é a cidade no Estado com o maior número de mamógrafos. Santos é a segunda. Então, nós não deveríamos ter o diagnóstico tardio. Parte também da consciência das mulheres? Sim. A mulher tem medo de investigar. Esse ano, neste Outubro Rosa, a Prefeitura de Santos, assim como no ano passado, está disponibilizando 2.500 mamografias. No ano passado foram solicitadas 1.180 mamografias e foram realizadas pouco mais de 900. Faltaram quase 200 mulheres. Então, a gente começa a temer à postura dessa mulher. Porque acaba comprometendo a qualidade de vida, a chance de sobreviver ao câncer e de mudar a sua vida em função do diagnóstico precoce.

DL – O diagnóstico precoce aumenta a chance de cura?
Gilze –
É fundamental. Não existe prevenção para o câncer de mama. Fazer mamografia não é prevenção, autoexame não é prevenção, ir ao médico, comer de maneira correta, praticar exercícios físicos, nada. Você só consegue, através dessas atitudes, postergar o aparecimento do câncer de mama. Mas o fato é que o estilo de vida está tremendamente ligado ao desenvolvimento precoce do câncer de mama. A maioria dos cânceres de mama leva de oito a dez anos para crescer um centímetro. É muito tempo para fazer detecção precoce, para essa mulher poder ter 95% a 99% de chance de se curar.

DL – Qual a incidência de câncer por fator hereditário?
Gilze –
O histórico familiar é responsável somente por 10% a 15% dos casos. De 85% a 90% são por causas inespecíficas como aconteceu comigo. Eu não tenho nenhum caso de câncer na família. A mulher tem que estar atenta porque ser mulher é o maior fator de risco.

DL – Então, qualquer mulher tem risco de desenvolver um câncer de mama?
Gilze –
Toda mulher está exposta ao câncer de mama. Até porque as nossas mamas são duas bombas hormonais que mensalmente incham e desincham. A maioria dos tipos de câncer de mama acontece por estimulação hormonal. O hormônio alimenta essas células, tanto o estrogênio quanto a progesterona, acaba havendo essa multiplicação celular muito acelerada, desenvolvendo o nódulo (câncer).

DL – Alguma paciente da Baixada está cadastrada no Sistema de Informações do Câncer, o SIS CAN?
Gilze –
Não que eu conheça. Nem mesmo em São Paulo. A partir do momento que ela entra para o SISCAN, tem 60 dias para ser operada ou iniciar a quimio, a radio é um pouco mais tardia. Nós temos que lembrar o seguinte: não temos salas cirúrgicas suficientes para essa demanda tão grande. Nós temos outros tipos de câncer e existe um déficit de oncologistas na região.

DL – Na Região, quanto tempo leva para marcar uma consulta e fazer exames, pelo SUS (Sistema Único de Saúde)?
Gilze –
Em Santos, não existe demanda reprimida. Atualmente, a espera está sendo de quatro a cinco dias entre fazer a consulta, marcar o exame e fazer.

(Foto: DL)

DL - Qual a incidência de câncer de mama em Santos
Gilze –
O que eu posso te garantir é que até junho 31 mulheres morreram em função do câncer de mama em Santos. Santos é a cidade, no Estado, com o maior número de diagnósticos de câncer de mama e o maior índice de mortalidade. Ninguém sabe porquê. Você pode consultar o site da Fosp, que é a Fundação Oncocentro de São Paulo, responsável pelos números oncológicos do Estado, e Santos sempre está na frente.

DL – Você disse que quanto mais jovem a mulher, mais agressivo é o câncer. Por que?
Gilze –
Quanto mais jovem a mulher, mais agressivo é o câncer, porém mais ela responde ao tratamento. A mulher abaixo de 30 anos está com os hormônios à toda, sua multiplicação celular está acentuada, mas em compensação, hoje em dia, existem opções de tratamento que façam com que essa mulher sinta-se segura, se trate, e sobreviva ao câncer. É uma fase muito ruim, mas é possível ser ultrapassada e olhar com outros olhos. O organismo jovem responde muito bem à quimioterapia, e acaba matando as células cancerígenas com muita facilidade. O que já não acontece no idoso, que tem um metabolismo mais lento. No idoso a progressão do câncer é mais lenta, então a quimio pode ser adequada, e às vezes, uma mulher com muita idade, que tem um tumor agressivo, pode ficar extremamente comprometida com a quimio muito mais do que com o câncer.

DL - A atriz Angelina Jolie fez dupla mastectomia preventiva. Você concorda com isso?
Gilze –
Para ela deu 50% de chance para câncer de ovário e 87% para câncer de mama. E ela não zerou a possibilidade de ter câncer de mama porque quando é feito um esvaziamento ganglionar, o médico deixa uma margem do próprio parênquima mamário (tecido). Não dá para retirar todo o parênquima mamário e fazer um o preenchimento com prótese de silicone. Se essa célula do câncer ficou nesse pedacinho de parênquima mamário, ela continua com 87% de chance. Ela reduziu drasticamente a chance, mas não zerou. No caso dela é válido, mas ela não vai poder deixar de ter vigilância sobre a saúde mamária dela. Ela continua sendo uma paciente de risco. Ela agora vai tirar os ovários. Mas, a gente vai tirar tudo que existe chance? Não dá. Então, eu acho, que se você tiver uma frequência ao consultório médico, aos exames, tem como detectar precocemente qualquer tipo de câncer. É que o medo não vem da cirurgia, vem da quimioterapia, da radioterapia, de se sentir portadora de um câncer. Ainda existe muito estigma. As mamas são o símbolo máximo da nossa feminilidade. A gente consegue nutrir, se embelezar e seduzir com as mamas é aí que o câncer pega. É injusto. Deixa a mulher com insatisfação física, ela se perde de quem foi um dia. Esse reconstruir-se é muito importante.

Serviço:
 

Instituto Neo Mama
www.neomama.com.br/
Avenida Coronel Joaquim Montenegro, 345,
Horário de atendimento: das 9 às 12h e da 14 às 18h
Telefone: 3223-5588
 

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