Saúde

Motivos de mortes por lipoaspiração não são informados corretamente em certidões

A falta de informações completas nas certidões de óbito gera dificuldade em detectar possíveis erros médicos e a devida punição, além de prejudicar a busca por novas formas de evitar que mais casos aconteçam.

Vanessa Pimentel

Publicado em 22/04/2018 às 14:02

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O médico Érico Pampado Di Santis. / Divulgação/DL

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Uma pesquisa de doutorado acendeu um debate que não é novo, mas andava esquecido nas discussões populares atuais: o número de mortes decorrentes de lipoaspiração e a falta de informações claras nas certidões de óbitos das pacientes – isso porque 98,04% das pessoas que morrem durante a cirurgia são do sexo feminino, jovens e com boas condições de saúde.

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Para realizar a tese o médico Érico Pampado Di Santis traçou o perfil das mortes relacionadas à lipoaspiração no Brasil que foram noticiadas pela imprensa entre janeiro de 1987 e setembro de 2015. Ele conseguiu localizar 102 casos, dos quais 86 com certidão de óbito identificada pelo pesquisador. Destas, 55 tinham a causa mortis com descrição imprecisa, 25 descritas como indeterminadas e apenas 6 preenchidas de maneira clara.

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A falta de informações completas nas certidões de óbito gera dificuldade em detectar possíveis erros médicos e a devida punição, além de prejudicar a busca por novas formas de evitar que mais casos aconteçam. 

Por isso, a tese defende que seja tornada compulsória - através de um Projeto de Lei - a notificação de óbitos causados por lipoaspiração, visando reduzir o número de mortes ligadas ao procedimento. Em dezembro do ano passado o trabalho foi debatido em audiência pública na Câmara Federal, convocada pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e pela Comissão de Seguridade Social e Família para exigir a obrigatoriedade de necropsia em casos de morte relacionados à cirurgia. 

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“O Projeto de Lei visa reduzir o número de mortes ligadas a esse procedimento. Acredito que a obrigação de informar o ocorrido ao Ministério da Saúde pode intimidar os profissionais que não tenham real capacidade de realizar uma cirurgia como esta e melhorar a qualidade dos procedimentos”, analisa Érico. 

Óbitos

Os dados reunidos no trabalho mostram que 45% dos óbitos ocorreram no mesmo dia da cirurgia e 82,82% na primeira semana. 53,6% dessas cirurgias que resultaram em mortes foram realizadas em hospitais (72,7% dos óbitos foram registrados em unidades hospitalares, tendo em vista a entrada de pacientes que foram transferidas de clínicas para UTIs). 

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A causa da morte em muitas certidões foi descrita como fatalidade. “Fatalidade significa imperícia, imprudência e negligência e isso é crime previsto em lei”, diz a médica patologista Helena Muller, de 92 anos, uma das profissionais renomadas a defender a importância da tese. 

DL - Como surgiu a ideia de produzir a sua tese em cima deste assunto?
Dr Érico - Todo pesquisador é instigado por uma dúvida, uma pergunta sobre um assunto. A minha pergunta era: por que morrem pessoas geralmente jovens e obrigatoriamente saudáveis em uma cirurgia estética? A primeira conduta a ser tomada é pesquisar os trabalhos que já existem sobre o assunto. Quando a resposta não satisfaz sua dúvida, a busca deve se iniciar.
 
DL - Você identificou 102 casos de mortes por lipoaspiração entre 1987 e 2015. O dado é considerado o maior da literatura médica. O que isso representa para o Brasil? 
Dr Érico - Os estudos que nos antecederam conseguiram no máximo 95 relatos de morte e se basearam em praticamente dois métodos: questionários enviados aos membros de sociedade de especialidade, geralmente sociedades de cirurgia plástica; e levantamento em institutos necroscópicos isolados. Os dois métodos tiveram problemas porque as respostas de médicos que estão envolvidos com os casos carregam um viés incontestável e o levantamento em IML pode ter casos ignorados simplesmente por não haver referência ao ato cirúrgico.

O método que utilizamos foi inédito: o levantamento de casos noticiados pela imprensa escrita (impressa ou digital). Claro que nem todos os casos de morte em lipoaspiração foram noticiados e trata-se, portanto de uma subnotificação. Isso mostra a necessidade de haver notificação desses casos. O Brasil é o segundo país do mundo que mais realiza lipoaspirações. Precisamos identificar com clareza os problemas que ­existem. 

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DL - 82,82% das mortes ocorreram na primeira semana após a cirurgia. O que causou essas mortes e o que diferem das mortes no mesmo dia da cirurgia? 
Dr Érico - Essa pergunta é interessante e poderia ser a resposta uma grande fonte de prevenção. No entanto, os dados oficiais que temos são das certidões de óbito e grande parte delas não esclarece essa dúvida. Novamente este problema será sanado com a notificação compulsória dos casos e ­estudo necroscópico dos ­casos. Os resultados da ­pesquisa tiveram a certidão de óbito como fonte e mostram que no primeiro dia a principal causa relatada foi indeterminada, seguida por choque cardiogênico e hemorragia. Na primeira semana as causas por ordem de frequência, com a mesma fonte de dados, foram: indeterminada, tromboembolia pulmonar e hemorragia. Da segunda semana até o terceiro mês a infecção foi a principal causa.
 
DL - Em relação às certidões de óbito destes casos, só 7% são preenchidas corretamente? 
Dr Érico - 6,97% foram consideradas de preenchimentos claros sem necessidade de nenhuma consideração pelo pesquisador independente, professor doutor Marcos Roberto Martins, professor de patologia da Universidade de Taubaté e mestre pela Universidade Federal de São Paulo o qual tem mais de 20 anos de experiência em exames necroscópicos. 29,06% foram preenchidas como indeterminadas, que é uma maneira correta de preenchimento e indica que está aguardando exames complementares e 63,97% tiveram o preenchimento considerado impreciso.

DL - Um dos dados mostra que entre as causas da morte conhecidas que constam nas certidões, 13,95% está descrito como perfuração. Isso é considerado erro médico? E o que acontece com o médico nesses casos? 
Dr Érico - É um erro. A cânula ultrapassou o limite do sítio cirúrgico. Temos exemplos reais de condenações de médicos pela justiça em casos de perfuração. Existe toda investigação da justiça e dos conselhos médicos. 
 
DL - A sua tese defende que seja tornada compulsória a notificação de óbitos ligados a esse tipo de cirurgia cosmética no país. Como está o andamento do PL? O que você espera que mude com a aprovação do projeto? 
Dr Érico - Sim foi protocolado o Projeto de Lei de autoria da deputada federal Pollyana Gama, de SP, e após inúmeras consultas, prevê a notificação não só para os casos de mortes, mas também para complicações e para todos os procedimentos estéticos sejam cirúrgicos ou não cirúrgicos. Complicações como necrose de asa nasal ocorrida após um preenchimento facial terão de ser notificadas. Internações inesperadas decorrentes de uma complicação durante uma cirurgia de lipoaspiração mesmo sem a fatalidade terá de ser notificada.

Espero que haja uma maior transparência nas complicações que ocorrem nesses procedimentos. A população merece conhecer as complicações antes de se submeter a qualquer procedimento. Para classe médica, será a oportunidade de compilação de dados, conhecer os problemas que levaram a complicação e até mesmo ao acidente e com esses dados estabelecer maneiras de preveni-los.

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Enfim a maior segurança para população. Nos Estados Unidos, dois estado fizeram ação semelhante. Tornaram obrigatória a notificação de complicações ocorridas apenas em ambiente fora de hospitais para todos os procedimentos, inclusive aqueles realizados para diagnóstico como endoscopias e colonoscopias. Houve uma diminuição das complicações nos anos que seguiram a lei além de aumentar o conhecimento da medicina em relação as complicações.

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