Variedades

Mesmo com poucas salas, cinemas de rua ainda resistem e seguem fortes

Segmento ainda se recupera dos fechamentos causados pela pandemia, mas vem caminhando a passos largos no Brasil, mesmo com várias dificuldades

Gabriel Fernandes

Publicado em 11/03/2024 às 07:30

Atualizado em 11/03/2024 às 08:30

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Empresário Toninho Campos, proprietário do Cine Roxy / Gabriel Fernandes/DL

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Em um cenário pós-pandemia, o setor cinematográfico vem caminhando a passos largos no Brasil, mesmo com várias dificuldades. Segundo dados registrados pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), o país possui cerca de 3.266 salas de cinema, sendo que muitas estão localizadas em shoppings. Mas, ainda há espaço para os tradicionais cinemas de rua, cujo legado vem sendo mantido há décadas.

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Até meados dos anos 1960, quando a televisão não havia se popularizado e as únicas fontes de informações e entretenimento eram o teatro, rádios e jornais impressos, as salas de cinema se transformavam em um refúgio não apenas para os amantes da sétima arte, mas para o público que queria saber sobre notícias (por intermédio dos cinejornais) e até mesmo ver uma animação como "Tom & Jerry".

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Prestes a completar 90 anos no dia 15 de março, o Cine Roxy 5, localizado no bairro do Gonzaga, em Santos, foi o primeiro grande cinema de rua da Baixada Santista e vem seguindo um legado familiar desde sua inauguração. Atual proprietário do espaço (que também possui uma unidade no Shopping Brisamar, em São Vicente, e no Parque Anilinas, em Cubatão), o empresário Toninho Campos vem carregando o projeto do seu avô com carinho até hoje.

"O cinema foi construído do zero em um terreno que pertencia ao meu avô, Antonio Campos. Ele foi inaugurado em 1934, e fomos o primeiro cinema do Gonzaga. Antes disso eles ficavam apenas no Centro de Santos", declarou. "A primeira reforma aconteceu por volta de 1956, quando ele incorporou o prédio que há hoje. Na época, havia 1440 lugares. Só perdíamos para o Caiçara com 1700".

Neste cenário, várias outras salas de cinema começaram a aparecer no bairro, que ficou conhecido como a "Cinelândia Santista", pois em cada quadra não havia apenas uma sala de cinema, mas sim duas ou até três. Mas muitos deles pertenciam ao mesmo grupo. "O Roxy era da Cinema de Santos, junto do Indaiá. Depois fizemos um negócio com o Atlântico e o Caiçara. Enquanto a Freixo cuidava do Iporanga", declarou Toninho, afirmando que, por conta desta junção, a demanda e títulos conseguiram ser supridos.

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"Naquela época, cada cinema exibia apenas os títulos de uma distribuidora que lhe era imposta. Por exemplo, o Roxy tinha a Paramount, o Iporanga a Warner e assim sucessivamente. Quando brigávamos, pulavam para outras salas. A maior parte do tempo passamos unidos, mas sempre existiram estes conflitos", comentou o empresário, sobre como funcionava a dinâmica das salas no tempo da Cinelândia do Gonzaga.

Com a chegada dos cinemas de shoppings, em meados dos anos 1990, o Cine Roxy se viu em um cenário que o obrigou a fazer concorrência direta com eles. Então, uma nova reforma foi feita entre fevereiro e junho de 2003, quando aquela única sala foi dividida em cinco.

Na inauguração, além de exibir o icônico "Hulk" (estrelado por Eric Bana), Toninho executou uma ideia inusitada: criou sua própria calçada da fama, com os nomes mais importantes do cenário cultural de Santos, na entrada do cinema. O primeiro a ter seu nome gravado no local foi justamente o Rei Pelé, no lançamento de "Pelé Eterno". "Tínhamos que começar em alto estilo e até o último segundo era uma incerteza se o Pelé viria ou não. Felizmente ele apareceu e adorou". Mas não foi com ele que o Roxy chegou perto de um lançamento de Hollywood.

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"Até hoje o nosso maior lançamento foi com o filme do Chorão, 'O Magnata'. Foram as cinco salas lotadas, instalamos uma pista de skate aqui na frente", comentou Toninho que diz que até hoje se sentiu surpreso com a repercussão. "Do nada estávamos fazendo credenciamento para a ESPN e quando olhei para o lado vi um cara parecido com o Bob Burnquist. Depois me dei conta de que era ele mesmo", completou aos risos. Obviamente que neste cenário, Chorão também ganhou sua marca na calçada.

Neste meio tempo, o Roxy também já recebeu várias pré-estreias com a presença de vários nomes de peso como Flávia Alessandra, Cleo Pires, Danilo Gentili, Leandro Hassum e Alessandra Negrini.

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Mesmo após as várias dificuldades sofridas em um cenário pós-pandemia, que quase resultou em seu fechamento, o empresário alega que o Cine Roxy 5 passará por uma reforma geral nos próximos meses, mas com o cinema em funcionamento normal. "Fiz um projeto de reforma para o Roxy 5, enquanto na unidade do Brisamar o foco será na troca dos equipamentos, cuja projeção passará a ser de laser e não mais de lâmpada", declarou.

A Cinelândia Santista segue na memória.

O assistente administrativo Marcelo Reis, 44, até hoje se recorda dos momentos que passou nas ruas da Cinelândia Santista. "Às vezes nem planejava ir a uma sessão. Passava pela rua, via um cartaz que chamava a atenção e era transportado para outro mundo por uma hora e meia ou duas horas", comentou. Ele ainda lembra que viveu uma situação inusitada na exibição de "Titanic", no próprio Cine Roxy (que até hoje é a maior bilheteria do local).

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"Lembro que ia na primeira sessão, na faixa das 15h e os ingressos estavam esgotados. Tive de fazer hora por quase 3h30, e o ingresso tinha um valor especial por conta da metragem. Inclusive, havia um intervalo entre 10 ou 15 minutos, na metade da exibição, para esticar as pernas e ir ao banheiro", declarou Marcelo, que ainda frequentou bastante outras salas da Cinelândia. "O cinema de rua que eu mais ia era o Alhambra. Assisti alguns filmes do Woody Allen lá como 'Tiros na Broadway' e 'Poderosa Afrodite'".

Já o auxiliar de biblioteca Oscar Junior, 55, ainda se recorda do encanto que as antigas salas apresentavam. "O cinema de rua possuía um charme único, pode ser que os atuais possuam ótimas imagens e sons, mas tenho saudades do Studio Atlântico, Cine Caiçara - onde vi 'Caçadores da Arca Perdida' -, as promoções de férias do Iporanga e sessões duplas do Indaiá".

Cinelândia também marca presença na Capital.

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Cine Belas Artes em seus primeiros anosDivulgação

Sendo um dos principais pontos de referência cultural na Capital Paulista, o Belas Artes é uma das principais salas de cinema do Estado. Inaugurado em 1943, com o nome de Cine Ritz, em 1948 passou a se chamar Cine Trianon, até que em 1967 o local ganhou a nomeação de Cine Belas Artes. Recentemente fechando um novo patrocínio com a REAG Investimentos (o que fez ser rotulado como REAG Belas Artes), o estabelecimento ainda carrega um grande legado.

"Uma das artistas mais ilustres que pisaram no Belas foi a Catherine Deneuve, que veio divulgar um filme em que atuava durante uma edição da Mostra de São Paulo, quando Leon Cakof ainda era vivo", comentou Juliana Brito, diretora executiva do Belas Artes Grupo.

"O Belas Artes já foi palco de pré-estreias, festivais de filmes, mostras, sessões debates, palestras, exibições de jogos como Copa do Mundo, jogos de trívia de cinema, noitões (maratona de longas durante a madrugada), show de música, exibição de filmes com música ao vivo (Sonoriza), lançamentos de séries, teatro, dança e a lista segue longa", comentou.

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Mas de todas estas atrações, nada se igualou ao sucesso de "Medos Privados em Lugares Públicos", que chegou a ficar três anos em exibição. "Ele só saiu de cartaz por conta de uma desavença com o proprietário da época. Além dele, outros longas que ficaram um bom tempo foram 'Relatos Selvagens' (dois anos e meio) e 'A Felicidade das Pequenas Coisas' (um ano e meio)".

Porém, nem sempre viveram de glórias as salas do Belas Artes. Em 1982, o local sofreu um grande incêndio que destruiu boa parte das instalações. Até hoje o inquérito não foi concluído. Um ano depois, o local foi reaberto com apoio da distribuidora francesa Gaumont Belas Artes, mas não foi suficiente por muito tempo.

Em meio a várias crises, o cinema entrou em decadência nos anos 1990, sendo reerguido em 2004 por intermédio dos cineastas Fernando Meirelles (com sua produtora O2), André Sturm (ex-secretário da Cultura da cidade de São Paulo) e do banco HSBC.

Sala 2 do REAG Belas ArtesDivulgação

Em 2010, o banco decidiu romper o patrocínio e as salas acabaram sendo fechadas em 2011. Mesmo com sua fachada sendo tombada como patrimônio histórico estadual em 2013, após vários protestos da população (cujo abaixo assinado reuniu mais de 90 mil assinaturas, e até hoje é uma das maiores ações pró-culturais do país), o estabelecimento passou por uma reforma geral no começo de 2014, reabrindo em maio, agora com apoio da Prefeitura de São Paulo e da Caixa Econômica Federal. Em 2019, o Grupo Petrópolis veio a assumir até janeiro deste ano, quando foi repassado para o REAG Investimentos.

Feiras temáticas no Hall.

Um dos mais populares eventos que vem ocorrendo no hall do cinema é o Bazar da Mídia Física (que consta com a comercialização de edições em Blu-Ray, DVD, VHS e etc), criado pelo professor de história William de Lima Busanello, 36, cuja primeira edição ocorreu em janeiro de 2023 e vem sendo um enorme sucesso até então.

"A ideia do Bazar da Sétima Arte (@b7arte), surgiu da necessidade de ter um evento que reunisse os colecionadores e as empresas num espaço de confraternização, debate e comércio direto. Com a crise das grandes lojas como Saraiva e Americanas, e de não comercializarem mais esse produto, muitas pessoas ficaram órfãs da mídia física, sem esses espaços, só sobra a Internet como opção de compra", comentou o professor.

"O Belas Artes já estava fazendo feiras temáticas e tive a ideia de fazer uma no mesmo estilo, mas com mídia física de filmes. Entrei em contato com os responsáveis por elas e consegui uma oportunidade de fazer o primeiro evento em Janeiro de 2023, e foi um sucesso", declarou William, que já realizou a segunda edição do evento, neste mês de março.

Conjunto Nacional também possui o seu espaço cinematográfico.

Entrada do Cine MarquiseYago Moreira/Divulgação

Outra sala que vive uma história semelhante ao Belas Artes é o Cine Marquise, localizado no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. O espaço foi fundado em 1962, com o nome de Cine Rio e continha apenas uma sala com 500 lugares, ficando aberto até 1978, com sua última sessão sendo o clássico "Chuvas de Verão".

Reaberto em 1982, agora sob o rótulo de Cine Arte Um, a direção foi assumida pelo programador Dante Ancona Lopez (pioneiro da exibição do cinema de arte, em São Paulo). Mas apenas em 1995 que o espaço ganhou sua segunda sala.

Porém, em 2002, o cinema passou por uma nova reestruturação com outro nome pesado envolvido: o cineasta Leon Cakoff (que na época era responsável pelo Festival de Cinema de São Paulo), que batizou o local como Cinearte. Infelizmente, três anos depois, uma nova crise afetou o espaço e em 2005 foi iniciada uma campanha chamada "SOS Cinearte".

Para manter o espaço aberto, desde 2005 várias marcas também assumiram o patrocínio do complexo, resultando sempre na alteração do nome principal como Bombril (Cine Bombril), Livraria Cultura (Cine Livraria Cultura), Petrobras (Cinearte Petrobras). Após ter sido fechado por conta da desistência da Petrobras, em fevereiro de 2020, o grupo Tonks assumiu o local e passou a chamá-lo com seu atual nome, Cine Marquise.

Reinaugurado em outubro de 2021, o complexo continuou a ter suas duas salas, agora com 370 e 96 lugares, respectivamente, com a terceira sendo inaugurada em março de 2023, com 27 poltronas.

Também exibindo sucessos de bilheteria como "Barbie" e "Oppenheimer", o local está se popularizando por conta das exibições de clássicos e sessões seguidas de debates. "Para além das exibições regulares na programação, temos dois projetos dos quais temos muito carinho. São eles o selo Clássicos no Marquise, em que todo mês exibimos durante uma semana um clássico do cinema de fora do circuito, e o Corujão, em que fazemos uma maratona de filmes durante uma madrugada. Promovemos também sessões educativas de debate com o coletivo de professores Janela Aberta e outras atividades do tipo", comenta Marcelo J. L. Lima, empresário - CEO do Grupo Tonks, enfatizando que o espaço ainda recebe anualmente o Expocine, maior convenção do mercado de cinema da América Latina.

Profissionais ainda preservam a importância.

"Quando vim para São Paulo, em 1996, o cinema para mim ainda era o de rua e cheguei a pegar algumas salas grandes na Paulista e no Centro. Todas as grandes experiências cinematográficas que tenho, desde criança, são em salas deste formato", comenta o crítico de cinema Roberto Sadovski. "Depende muito de como cada sala é administrada, pois elas precisam de um patrocínio bacana amarrando ela, que já é algo difícil. O cinema de rua sempre terá o seu lugar e a cidade de São Paulo preserva muito essa memória. Sempre será preocupante, mas não apocalíptico", completa.

"Sempre que dei algumas palestras e promovia algumas pré-estreias, optava pelos cinemas de rua, pois acho mais bacana por conta do ambiente. O público está indo direto para uma sala de cinema", declarou Sadovski.

Pandemia ainda vem deixando suas marcas.

Mesmo após quase quatro anos do cenário de pandemia, as salas ainda estão enfrentando as consequências do período em que ficaram fechadas ao público.

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"O público ainda não é o mesmo como antes da pandemia. Durante o período em que ficamos fechados, fizemos um pouco de tudo. Crowdfunding, leilão com itens doados por artistas, aluguel de sala para pequenos grupos assistirem filmes ou jogar videogame. Mas, nossa principal ação foi o Belas Artes Drive-In que montamos no Memorial da América Latina e que se tornou o número um do país durante grande parte de 2020", comentou Juliana, sobre a situação do Belas Artes e que facilmente pode se assemelhar ao caso do Cine Roxy 5.

"Após a reabertura, o público foi lentamente voltando e apenas agora em 2024 é que estamos vendo números mais próximos aos de 2019. Mas ainda temos um longo caminho de recuperação", completa.

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