Cultura
Em entrevista ao DL, o escritor de Itanhaém comenta sobre a escolha de Santos como cenário principal de uma história cheia de suspense e temas atuais
Museu do Café de Santos está entre os cenários escolhidos pelo escritor para contar o romance policial / Isabella Carrari/PMS
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Um romance policial cheio de suspense e ambientado nas ruas de Santos. Este é o livro “Sol Negro”, de Everton Ilkiu, publicado pela Editora Dialética de São Paulo. Passando por locais como a Praça Mauá, o Museu do Café, a Igreja do Valongo, a Estação do Valongo, o Porto de Santos, a orla da praia e o bairro da Vila Belmiro, a trama traz a temática neonazista e dos desdobramentos da Segunda Guerra Mundial para os tempos atuais.
Em entrevista ao Diário do Litoral, o escritor falou mais sobre suas inspirações, que levaram a transformar Santos como cenário perfeito para o livro, e a sua relação de infância com a cidade do litoral paulista. Ilkiu tem 36 anos, é paulista, formado em geografia pela Universidade Federal de Viçosa (MG) e atua há onze anos como professor na rede pública de ensino. Atualmente, ele leciona em Itanhaém, onde reside com a esposa e sua filha.
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Esta não é sua estreia como escritor. Em 2020, Ilkiu publicou a aventura infanto-juvenil “O Tesouro de Algarve”, que em duas oportunidades figurou entre os dez mais baixados da Amazon Brasil na sua categoria. Além disso, o livro foi adotado pela Secretaria de Educação de Itanhaém, em 2021, para o desenvolvimento de um projeto literário com os alunos da rede municipal. “Sol Negro” é seu primeiro romance voltado para o público adulto e está disponível na loja virtual da editora e nos principais marketplaces do país. Confira a seguir as curiosidades sobre o escritor e o desenvolvimento deste trabalho:
DL - Sobre o que trata o livro “Sol Negro”?
Everton - “Sol Negro” traz em sua narrativa um misto de suspense e romance policial ambientado na fascinante cidade de Santos, onde os aspectos históricos, culturais e artísticos do município são amplamente explorados. A trama, ainda, se desenrola em torno da temática neonazista e dos desdobramentos da Segunda Guerra Mundial para os tempos atuais.
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Na história, o filho de um rico empresário de Santos é sequestrado e, para o resgate, é exigida a entrega de um misterioso medalhão de ouro, pertencente ao Partido Nazista na Segunda Guerra Mundial — entretanto, ninguém na família da vítima sabe seu paradeiro.
Por conta disso, o jovem estudante de jornalismo, Edu, e a bela Sara, irmã do rapaz sequestrado, se lançam em uma emocionante caçada pela multifacetada cidade de Santos, em busca do antigo medalhão, que teria sido trazido para o Brasil, como despojo de guerra, após o conflito de Monte Castello entre as tropas brasileiras e o exército alemão.
Em posse de uma enigmática carta de um ex-combatente, os jovens seguem pistas que os levam por locais emblemáticos da cidade. Porém, quanto mais perto eles chegam da cobiçada relíquia, mais perigosa fica a trama. O pai de Sara realmente não sabe o paradeiro do medalhão? Por que o investigador responsável parece não dar a devida atenção ao caso? Quem é o misterioso homem que os persegue?
Nesse envolvente suspense, repleto de simbolismos e mistérios, os jovens protagonistas mergulham na história, na cultura e nas artes da cidade e do país. Em meio à caçada, a dupla precisa desvendar antigos enigmas ao passo que se percebe envolvida no fanático universo dos grupos neonazistas, tendo que correr contra o tempo para salvar o irmão de Sara — além de suas próprias vidas.
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Portanto, se trata de um livro de ficção, porém, seu enredo é costurado com uma série de questões que envolvem a história, a geografia, as artes e a cultura da cidade, e que ainda explora problemáticas atuais como o racismo, a desigualdade social, o fanatismo e a intolerância – em uma interessante combinação que visa levar entretenimento e conhecimento para o leitor.
DL - Por que escolher pontos turísticos de Santos para ambientar a sua história?
Everton - Santos é uma cidade fascinante e, por isso, bastante generosa com o escritor. Estamos falando de um dos primeiros municípios do país, fundado em 1546, e que, portanto, tem sua história estreitamente ligada a história do Brasil. E não paramos na história, pensemos a geografia de Santos: detentora de inúmeras belezas naturais, do maior jardim de praia do mundo, do maior porto marítimo da América Latina, de uma harmoniosa combinação arquitetônica entre o novo e o antigo e, claro, do clube de futebol que projetou o Rei Pelé, e que assim viu o seu nome romper fronteiras inimagináveis até mesmo para a própria geografia. Então, falamos de história, economia, geografia, arquitetura, artes – a cidade é um museu multidisciplinar a céu aberto!
Claro, que como acontece em cada canto deste país, ela também apresenta abismos sociais, que têm espaço de destaque no livro. O protagonista, por exemplo, é um jovem negro e pobre morador do bairro Rádio Clube na zona noroeste da cidade, que trás para trama, além de muito carisma, as questões atreladas ao racismo e as desigualdades sociais. Pois, a cidade é feita, em primeiro lugar, não pelo espaço geográfico que ela ocupa, mas sim pelas pessoas que a compõem, e claro que os santistas (da periferia e da elite), não poderiam faltar nesta trama.
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Dessa forma, essa característica multifacetada de Santos, aliada ao tema do enredo, me fizeram eleger a cidade como o cenário deste meu novo livro. Um cenário que puxa ganchos históricos, dando sustentação a uma trama nazista em terras tupiniquins. Assim, a obra retrata não apenas os lugares badalados de Santos, como a costa e seu entorno, mas ela vai fundo na cidade (geograficamente e historicamente falando), pois explora entusiasmadamente o centro histórico.
Desse modo, o leitor será brindado com locações como a Praça Mauá, o Museu do Café, a Igreja e a Estação do Valongo, o porto, a orla da praia, o Museu de Pesca e o bairro da Vila Belmiro. Todos eles historicamente e geograficamente bem contextualizados, e com funções relevantes na trama.
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DL - Você mora na região? Conhece os locais que mencionou?
Everton - Eu sou de Jundiaí, no interior do Estado, mas moro em Itanhaém há dez anos, desde quando assumi um cargo de professor na rede municipal da cidade, mas a minha história com a Baixada é de longa data. Nascido em uma família de torcedores do Santos, desde a adolescência, descia a serra para acompanhar as partidas do time do coração, e após me tornar morador da região, minha relação com a cidade se estreitou ainda mais.
Por residir em um município de menor porte, boa parte do lazer, bem como de diversas necessidades do dia-dia, são contempladas em Santos, inclusive minha filha é santista de nascimento. Entretanto, antes de me “tornar caiçara”, conhecia apenas os lugares famosos da cidade e ao ter a oportunidade de explorar o, digamos, “lado B” de Santos, fiquei encantado – e este encantamento levou as páginas de “Sol Negro”. E hoje, sou um conhecedor e admirador das locações santistas que explorei no meu livro.
DL - Como você iniciou sua carreira como escritor?
Everton - Desde a infância sempre gostei de ler. Minha iniciação na literatura se deu com os fantásticos livros da coleção vaga-lume, da Editora Ática. Títulos como “Um Cadáver Ouve Rádio”, “O Mistério do Cinco Estrelas”, “O Rapto do Garoto de Ouro”, entre outros, do saudoso Marcos Rey, sempre estiveram entre meus favoritos. Como acontece com muitos adolescentes, conforme fui crescendo, fui também me distanciando um pouco dos livros, mas ao ingressar na universidade aos 20 anos, a antiga paixão foi retomada, tanto por uma questão de necessidade, com a enorme carga de leitura exigida pelo curso de Geografia, como por satisfação, para relaxar com agradáveis histórias de ficção.
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Durante o curso, escrever também se tornou prazeroso, com os muitos trabalhos acadêmicos produzidos ao longo da graduação. E, após uma década atuando como professor, mergulhado em meio a livros e mais livros e, trabalhando com adolescentes; vivenciando seu dia-dia, seus sonhos, suas angústias, seu modo de ser; pensei: por que não escrever um livro para eles? E assim, surgiu a minha primeira obra, “O Tesouro de Algarve”, voltada para o público infantojuvenil e ambientada na cidade que moro: Itanhaém.
Diante da repercussão positiva do meu primeiro trabalho literário, na qual o e-book (versão digital do livro) figurou por duas oportunidades entre os dez mais baixados da Amazon Brasil, nas três categorias em que está elencado na plataforma; tendo sido, também, alvo de uma reportagem exibida por uma importante emissora de televisão da região; ter sido adotado pela Secretaria de Educação de Itanhaém para o desenvolvimento de um projeto literário com os alunos da rede municipal e, principalmente, na devolutiva positiva do jovem leitor, com quem tive a oportunidade de conversar nas minhas visitas as escolas da cidade (municipais, estaduais e particulares), eu obtive a motivação necessária para continuar.
Assim, diante do meu desejo de escrever, e de extrapolar os limites geográficos e de público do meu primeiro livro, surgiu “Sol Negro”, meu romance de estreia para jovens e adultos – publicado por uma das maiores editoras do país, a Editora Dialética de São Paulo.
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DL - Além de Santos, quais foram suas inspirações para escrever “Sol Negro”?
Everton - Além de Santos, que acredito já tenha ficado bem claro o quanto me inspirou, a minha outra grande inspiração foi justamente o tema da trama, o nazismo. Pois é uma temática que me interessa muito, justamente por toda sua crueldade, insanidade e relevância histórica, e é exatamente por essas e outras que devemos conhecer bem a história, para que esse tipo de situação nunca mais se repita.
Tendo experimentado seu auge na Alemanha da década de 1930, o nazismo pode parecer algo distante de nós brasileiros, nos tempos atuais. Ledo engano, infelizmente! A onda extremista que vem crescendo no mundo nos últimos anos, tem encontrado terreno fértil em terras tupiniquins. A antropóloga Adriana Magalhães, da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, referência no estudo desta corrente ideológica no país, monitorou em seu último estudo, 349 células neonazistas no Brasil. Ao passo que, em reportagem recente, a maior emissora do país, exibiu uma matéria na qual especialistas mapearam mais de 500 organizações dessa natureza em território nacional.
E os exemplos da adesão a esse extremismo ideológico no Brasil não param por aí. Esta semana, o famoso influencer conhecido por Monark, defendeu abertamente em seu podcast, a criação de um partido nazista no país. Assim, como já vimos recentemente, outras declarações de pessoas públicas e anônimas simpatizantes a esse movimento, bem como “manifestações populares” que ostentavam símbolos associados a essa variante do fascismo. Portanto, observa-se cada vez mais o crescimento deste viés ideológico na nossa sociedade, seja em instituições, movimentos civis ou indivíduos – defendendo e agindo sob o prisma desta corrente político-ideológica, que não se resumiu a tragédia do holocausto, mas na verdade, se sustenta em um conjunto de atitudes e ideais torpes, mesmo que não admito pelos seus entusiastas. Tudo isso, ainda, sem entrar na polêmica questão da política de Estado.
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E a parte todas essas situações bem atuais, temos ainda o fato do nazismo liderado por Adolf Hitler ter sido, talvez, o principal acontecimento do século XX e, atrelado a isso, o interessante e pouco conhecido fato de o exército brasileiro ter enfrentado diretamente o exército nazista, no norte da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial. Onde, na ocasião, os brasileiros auxiliaram os Estados Unidos a derrotar as tropas alemãs e ainda apreenderam uma série de pertences dos rivais. Fato esse, que tem posição de destaque na trama de “Sol Negro”.
Portanto, tudo que fiz foi unir um cenário fascinante, com uma temática intrigante, para dar vida ao meu novo livro.
DL - Quanto tempo de trabalho e pesquisa para concluir esta obra?
Everton - Minhas pesquisas se dividiram em duas etapas: primeiro a pesquisa teórica, depois a pesquisa de campo.
A pesquisa teórica foi pautada na leitura e busca de informações em livros, plataformas acadêmicas na internet e artigos científicos – a respeito da Segunda Guerra Mundial e do nazismo, bem como sobre os lugares retratados no livro. Pelo fato de a obra ser ambientada em locais reais, e tratar de acontecimentos verossímeis, minha responsabilidade com relação às informações apresentadas pelo livro aumentou consideravelmente.
Já a pesquisa de campo discorreu de acordo com sua essência natural, que se trata de ir aos locais: observá-los, senti-los, vivenciá-los; para retratá-los com maior fidelidade e, assim, transportar o leitor para os cenários nos quais a trama se desenvolve. Como geógrafo, compreendo bem a importância de uma boa pesquisa de campo para captar a essência dos lugares, não só do ponto de vista da descrição, como também na percepção dos elementos culturais, sociais e afetivos arraigados em cada paisagem.
Com relação ao tempo de trabalho, entre as pesquisas, escrita e revisões; foram aproximadamente seis meses.
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