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Bruno Gutierrez
Ele começou a trabalhar na adolescência. Participou da fundação da CUT, fato que causou sua demissão. Aos 18 anos,decidiu que não iria mais trabalhar para ninguém, trocou Santos por São Paulo e, desde então, passou a dedicar sua vida a música e, especialmente,aos discos.
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Wagner Parra trabalha como DJ e sonoplasta. Após trabalhar durante quase uma década na capital paulista, retornou para a Baixada Santista. Junto com ele, trouxe um acervo de 30 mil discos, que ocuparam grande espaço de sua casa. Decidiu abrir a “Disqueria”, hoje na Avenida Conselheiro Nébias, com o intuito de “aliviar” a carga. A loja, com quase 30 anos, segue como ele mesmo define, com um comércio de resistência.
Aos 51 anos, ele divide a vida entre o prazer dos vinis, cd’s e livros em seu estabelecimento, e ser DJ no projeto Vitrolada, realizado às terçasfeiras, no Bar do Torto, em Santos. No papo de domingo, Parra fala sobre os discos, a Disqueria e faz críticas a indústria fonográfica. Confira:
Diário do Litoral - Como surgiu a paixão pelo vinil?
Wagner Parra - Surgiu quando eu era criança. Eu já tinha discos de vinil, escutava muito a MPB, ao contrário da maioria da molecada, eu comecei pela MPB, não pelo rock. Sempre gostei de música, de ouvir disco. Com uns 17 ou 18 anos, eu trabalhava em uma empresa na entrada da cidade. Fui delegado na formação da CUT, e quando voltei acabei sendo mandado embora. Eu jurei que nunca mais iria trabalhar para ninguém, e nunca mais trabalhei. Comecei a mexer com produção de teatro, shows. Fui para São Paulo, trabalhei muito como DJ e sonoplasta por lá. No final dos anos 80, eu voltei para Santos e resolvi montar a loja. Eu tinha muito disco, cerca de 30 mil. Eu abri a loja com a metade, na intenção de dar uma limpada. Comecei na garagem da casa da minha ex-sócia, depois fui para a Rua Sampaio Moreira, daí passei para a Rua Goiás, onde fiquei por quase 20 anos, e há três anos estou aqui.
DL - Então, a Disqueria nasceu do intuito em diminuir a quantidade de discos?
Parra - Eu passava a maior parte dos meus dias em lojas de discos. Eu sou aquela pessoa que vou para Paris, e ao invés de visitar a Torre Eiffel, eu vou a lojas de discos. Chegou uma hora que eu pensei: “Vou viver disso, ou eu morro disso”. Esse tipo de loja não é um comércio comum, daqueles que o cara faz o cálculo, vê quanto dá de lucro. Não é uma temakeria ou pet shop. É um comércio de resistência. Trabalho com coisas que 95% da população do mundo não querem mais saber.
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DL - Hoje você tem quantos discos?
Parra - Eu já nem conto mais. Minha casa está cheia.
DL - Esse tipo de loja é rara na Baixada Santista?
Parra - Além daqui, tem a Blaster, tem o Fera, mas são como a minha. Um comércio administrado pelo dono, uma coisa de quem gosta mesmo. Os comerciantes saíram do negócio. A última que tinha era a Ferrs, e que vai fechar. Não terá mais loja de discos em Santos naquele formato tradicional. Em geral, o que se tem em loja de discos por aí é com esse perfil, que trabalha com usado também. Normalmente é um prazer do dono, que mantém a coisa. Hoje, se for comprar um disco, você compra pela internet ou nesses magazines. Mas loja de disco já deixou de existir. É só nesse formato que tem.
DL - Existe diferença entre vinil e cd?
Parra - Eu gosto de música física. Os dois têm vantagens e desvantagens. Não acredito nessa lenda que fala que um é melhor do que o outro. Não é verdade. Depende do aparelho que vai reproduzir e qual disco você está falando. Em muitos casos, o cd é melhor do que o vinil, em outros o vinil é melhor. Não adianta você pegar esses vinis novos, de 180 gramas, e comprar uma vitrolinha, com cara retrô, que custa 700 reais. Você está comprando um vinil para ter um som melhor, mas aquele aparelho não tem som. Som é igual do celular. É uma esquizofrenia. As pessoas falam que estão comprando vinil para ter um som melhor e ouvem numa porcaria dessa. Não tem qualidade nenhuma.
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DL - Que conselho você daria para quem quer ouvir boa música?
Parra - Eu sugiro música física. Um setup de som legal, com amplificador, cd-player ou toca-discos de vinil, duas caixas. É legal essa coisa de ser o dono da obra do LP e conhecer. Quando você ouve tendo o disco na mão é um prazer diferente. Tem gente que nunca soube o que é isso. Tem essa coisa da modinha retrô e vintage. Comprar uma geladeira com cara de velha. Acho tudo isso uma bobagem. Isso é um estilo de vida, uma filosofia. Não basta você comprar uma coisa com cara antiga. Você está se enganando. Um tocadiscos fabricado em 2014 com cara de anos 30. Se você gosta tanto disso, compra um de verdade, que é muito melhor do que vende por aí. A capsula é de verdade, a agulha também. Esses novos não prestam. Vão durar seis meses. Tenho aparelho que funciona há mais de 30 anos, ligado todo o dia.
DL - Como é a relação com o público?
Parra - É engraçada. Aparece todo tipo de gente. Não existe uma tribo. Mas são pessoas mais desencanadas. Tem gente que tem medo, que acha que comprar uma coisa usada é menos. Eu penso exatamente o contrário. Você tem que reaproveitar. Eu falei da filosofia retrô porque eu vivo isso. Não é uma modinha. Vai passar a modinha e o vinil vai continuar porque nunca deixou de existir. Muitos DJ’s preferem o vinil, mas o mercado que ficou pequeno. A indústria saiu e o mercado fonográfico está na mão de quem produz. Fazem tiragens de 500 cópias. É bem restrito e demora um tempo para vender tudo. No tempo que a indústria controlava um “Leandro & Leonardo” vendia dois milhões de cópias num LP. Roberto Carlos também, Sandy & Júnior, Xuxa. Cada um desses vendia muito e rápido. Isso não existe mais.
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DL - Por que a indústria saiu?
Parra - Ela deu vários tiros no pé. Um deles foi ter sacaneado com as lojas. As gravadoras tinham um preço de venda para lojas, e para os magazines era a metade do valor. Chegou uma época que as lojas iam comprar um cd novo do Caetano Veloso, por exemplo, e custava para o estabelecimento R$ 18, para revender a R$ 25. Mas nas Lojas Americanas aparecia por R$ 9,90. Por que eles faziam isso? Porque esses magazines são financiadores. A gravadora pegava dinheiro com esses financiadores, e mandava toneladas de cd’s para os magazines, com o preço de R$ 9,50. Elas tinham prazo de um mês para devolver. Então, começavam com venda a R$ 20, e depois baixavam o preço até que, na última semana, eles colocavam a R$ 9,90 para lucrar 40 centavos e o que sobrava eles devolviam para a gravadora. Do que venderam, eles descontavam do empréstimo feito. Então, a gravadora pagava o empréstimo com cd’s. Isso acabou com a loja de discos.
DL - Qual foi o outro tiro?
Parra - O outro foi ter decidido um formato exclusivo. Eles decidiram que seria só cd e pararam de prensar o vinil no Brasil. Com a coisa do cd, que é gravável, a pirataria ficou muito fácil. A pirataria do vinil era uma coisa charmosa. Os artistas nem ligavam muito porque era como um troféu. Existem discos piratas do Beatles, Frank Zappa, Led Zeppelin, Pink Floyd. LP’s de tiragem pequena e que não eram uma falsificação. O cd passou a ser uma falsificação. O cara pega o produto original, faz um encarte com aquele papel higiênico, escreve o nome do cd a caneta, em uma gravação péssima, que em um ano você já não consegue mais ouvir nada. Isso é falsificação. Com o vinil não tinha. Antes havia o mini-disc, o laser-disc, e cada gravadora estava indo para um caminho. Eles unificaram e decidiram o cd. Esse foi o outro tiro.
DL - Qual é a diferença daquela época para hoje?
Parra - Os artistas não precisam mais deles. Isso que mudou muito. Antigamente precisavam porque o disco independente era difícil. As fábricas estavam sempre atoladas de prensar Roberto Carlos. Você chegava lá com seu disco querendo prensar mil cópias e os caras davam risada de você. Te botavam para correr ou diziam que lhe entregariam em um ano e meio porque eles precisavam prensar o Roberto, depois Chitãozinho, Daniela Mercury e por aí vai. Hoje, se você quiser, grava o disco, envia para a fábrica no Rio de Janeiro e em um mês eles te enviam. Você gasta R$ 15 mil e prensa 500 cópias com capa e tudo. Uma coisa que não é tão cara porque você vai vender os discos e recuperar o dinheiro e até lucrar.
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DL - Qual o segredo para manter uma loja dessas por tanto tempo?
Parra - É amar aquilo que faz. Talvez eu ganhasse mais dinheiro se tivesse um açougue ou um pet shop, mas eu trabalharia muito mais insatisfeito. Aqui eu trabalho feliz, como se fosse minha casa.
DL - Você vai mais atrás de discos ou discos vem até você?
Parra - Ultimamente eles vêm atrás de mim. Depois de tanto tempo nisso. Mas às vezes vou atrás, importo. As pessoas trazem tudo o que elas querem, ou melhor, não querem mais. Quando eu vou atrás, eu direciono mais o que eu quero. Algo que me interessa mais. Busco artistas novos, quem está fora do óbvio. Vou ter que usar duas palavras que eu odeio que é “alternativo” e “diferenciado”. Mas é o que elas significam. Tem artista daqui da região que eu vendi 300 cópias e não deve ter tido nenhuma loja que vendeu tantas cópias.
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DL - Como você se define?
Parra - Sou um caçador de discos. Tem disco meu que tem uma mancha amarela que eu lembro que foi um copo de uísque que eu acabei colocando em cima. Tem uma história com o disco. Tem cara que compra um vinil e deixa lacrado. Põe na prateleira, não deixa ninguém mexer. Para que isso? É que nem uma obra de arte. Está lá o Picasso no museu para todos verem. Mas o cara rouba e coloca num quarto escondido na casa dele, que ele vai lá e vê de vez em quando. Não pode mostrar nem para os amigos. Isso é uma doença. O disco me serve, não é um objeto de coleção. Não tenho coleção de nada. Tem gente que fica doente, paralisa num disco, passa a vida atrás dele e não quer mais saber de nada. A vida vira uma infelicidade. Só quer ter aquele disco. Há muitos anos eu descobri que quero ter todos. Aí fica mais fácil. É mais fácil querer ter todos do que só aquele. Então eu vou pegando um disco hoje, outro amanhã. Não vou conseguir ter todos, mas vou tentando.
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