Cultura

Livro 'Lugar De Fazer Morada' traz cartas trocadas na pandemia entre duas amigas

As jornalistas Carolina Delboni e Juliana Pinheiro Mota encontram uma forma peculiar de trocar mensagens durante o isolamento; leia alguns trechos

Da Reportagem

Publicado em 03/02/2022 às 08:39

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As jornalistas Carolina Delboni e Juliana Pinheiro Mota transformaram as mensagens que trocaram durante a pandemia em livro / Divulgação

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As jornalistas Carolina Delboni e Juliana Pinheiro Mota criaram um modo peculiar de trocar mensagens de otimismo, mesmo que na marra, que refletissem sobre o passado, presente e futuro ao longo dos impactos do isolamento da pandemia da COVID-19 em uma São Paulo que havia se transformado em silêncio. Um silêncio povoado de essência e expectativas acolhido pelo pensamento.

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A carta que dá início à troca de diálogos foi escrita em 17 de junho de 2020, momento em que o número de mortes pela pandemia batia a casa dos 59 mil e continuava a crescer e a assustar. Assinada por Juliana, o texto era uma resposta a uma postagem que Carolina havia feito dias antes. Juliana avisou ao enviar a carta em forma de post: “Carol, escrevi uma carta para você”.

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Começava assim uma série de 22 correspondências que aconteceu por meio virtual, por vezes de forma fragmentada, e que agora ganha edição impressa com algumas cartas inéditas e outras publicadas na íntegra. E como o papel ainda se faz lugar de morada de muitos jornalistas e dos veículos de imprensa que resistem ao mundo digital, surgiu a iniciativa de colocar as correspondências em um livro impresso editado pela mapalab com ilustrações bordadas por Juliana Suassuna e prefácio de Aurea Vieira, filósofa e gerente de Relações Internacionais do Sesc.

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Nesse exercício diário de aquietar a alma, as duas jornalistas escreviam inicialmente em seus perfis de Instagram e sem um destinatário específico até entenderem que estavam nesse bailado de duas, compartilhando palavras ora animadas, ora entristecidas, evocando a ternura de quando se correspondiam com seus avós, familiares e amigos por cartas escritas à mão e postadas nas agências dos Correios durante a infância e adolescência. “Esse tipo de sensação a gente não esquece — mesmo que, agora, a coisa toda tenha acontecido sem o encantamento do mundo analógico e sob a perspectiva de um exílio pandêmico. Algumas pessoas escolheram as plantas, a meditação... Cada um criou uma forma de abrigo. Nosso abrigo foi a palavra”, afirma Carolina.

Por sua vez, Juliana conta que a amizade com a colega surgiu dessa possibilidade atualizada pela digitalização do dia a dia. “Nós não éramos próximas, não. Era somente a profissão de jornalista em comum mesmo. De um ano para cá, encaixamos ideias e sentimentos em cartas publicadas dentro de telas iluminadas para justamente compartilhá-las com o mundo lá fora. As redes sociais foram o nosso ponto de encontro — ou, melhor, reencontro”, diz.

AS CARTAS COMO REGISTRO DE UM TEMPO

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“Saber que tem alguém do lado de lá para receber — e escutar — os barulhos e silêncios que a gente carrega é uma das funções poéticas que as cartas portam em sua forma. Nem sempre precisam de uma resposta imediata, mas tem de ter alguém que as receba. Endereçar o que a gente sente a alguém é de uma grandeza tamanha que só poderia mesmo caber na delicadeza do papel. Está aí uma das coisas que mais me capta nas cartas: elas só existem porque existe um destinatário. É o único gênero da literatura que revela quem está do lado de lá”, afirma Carolina.

Ao longo das cartas escritas entre junho de 2020 e maio de 2021 o leitor poderá acompanhar rotinas e pensamentos profundos, poéticos e outros mais banais, ordinários como a vida, e alguns até cômicos. Em uma passagem, por exemplo, enquanto uma narrava sobre a pia de sua família, sempre com trezentos copos para lavar e convidava os leitores a entrar e reparar a bagunça, a outra contava sobre como a dança andava salvando seus dias sozinha com uma criança pequena e sobre como incentivava a audiência com jogos de palavras como “Mudança” e a hashtag mote #danceatéopulmãoinflar.

Em seu prefácio, Aurea Vieira ressalta: “Carolina Delboni e Juliana Pinheiro Mota foram inundadas de esperança, uniram-se na escribomancia particular já tendo o desejo que a amizade epistolar fosse lida por mais gentes, assim, numa tentativa de aglomerar as mentes das pessoas pelo diálogo distante e fazer valer a linguagem da empatia. Essas verdades soltas em um abismo cibernético chegaram em boa hora em novos leitores atentos, amigos inesperados, olhos complacentes, videoconferências desgastadas, semanas esmaecidas, tardes animadas e arroubos de otimismo. Portanto, essas mensagens privadas que já nasceram abertas são um esteio à saúde mental, uma teimosia benéfica, são inquestionável resistência que procura o bem-estar comum, uma perseverança em não deixar esmorecer a convicção no mundo encorajando a amizade, a autoestima, o bem-querer. Essas linhas de vidas femininas não procuram esconder as viscerais e fatigantes consequências trazidas por um flagelo que assolou o mundo, elas são plenas de destemor e, agora publicadas, querem ecoar, sair por aí, ir além, se juntar com quem mais suspirar...”.

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Ao conceber este livro as autoras refletiram ainda mais sobre esse gênero literário e apuraram sobre essas facetas da escrita de cartas, sobre a importância histórica e literária das correspondências como registros de determinadas épocas, o que resultou em uma lista com 28 títulos de livros que mostram correspondências entre escritores e diários de pessoas célebres sugeridos na bibliografia.

O título ainda conta com texto de Ignácio de Loyola Brandão na quarta capa, que destaca: “Sem tirar o pé do chão, estas duas, escrevendo uma à outra, encontraram a maneira de resistir ao isolamento, às proibições, limitações e normas drásticas da pandemia. Com leveza, crueza e humor. Um dos belos livros deste ano”.

TRECHOS:

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“Existe um consciente imaginário de que é um gênero lírico, poético, mais sensível e capaz de encorajar uma conversa delicada, pausada e verdadeira. Fico pensando se as cartas nasceram desta vontade, do desejo de estabelecer um lugar onde tudo pudesse ser dito de maneira que os sentimentos incutidos nas palavras fossem preservados e assegurados. Onde mais a gente pode falar em segredo? Com privacidade. Cartas me soam confiáveis.” – Carolina Delboni

“Escrever uma carta é ter um rompante. Tantas vezes a escrita sai pelos nossos dedos, seja escrevendo à mão, seja clicando nos teclados e telas, sem muito elaborarmos. Deixamo-nos à deriva num fluxo de consciência, na maioria das vezes com as emoções gritando alto. Narramos m compêndio do universo que observamos ao nosso redor — e o deixamos ali exposto, em carne viva, ao olhar (e, sobretudo, à resposta) do outro, do destinatário. Ou no plural, dos outros, dos destinatários.” – Juliana Pinheiro Mota

Sobre as autoras

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Carolina Delboni. Jornalista e escritora. Colunista do Estadão, especialista em educação e comportamento de crianças e adolescentes, atua na construção de conhecimento. Pedagoga e pós-graduada em educação infantil, tem especialização em garantia de direitos da criança pequena por meio de práticas de leitura literária e foi redatora-chefe da revista Pais &Filho por 5 anos.Também escreve sobre os caminhos femininos e feministas na revista Tpm e como colunista do site She Talks. Atuou por 15 anos em moda, como editora da revista Vogue, do jornal Folha de S. Paulo, do site Chic e do SPFW entre outros. Hoje se dedica a escrita literária e está cursando a formação de escritores no Instituto Vera Cruz.

Juliana Pinheiro Mota é jornalista e há décadas colaboradora da revista Vogue e criadora de conteúdo estratégico talkability para marcas de luxo. Fundadora e curadora da página do Instagram Radar55, desde 2008. Como uma antena que mapeia o desejo coletivo, o Radar55, em sua nova visão, enfatiza movimentos para elevar o espírito com suas hashtags #danceatéopulmãoinflar e #olharemosmaisparaocéu. Juliana é mãe de Antonio, de 5 anos. Em sua trajetória profissional editou revistas, livros e sites e assinou colunas nas revistas Tpm e Domingo, do Jornal do Brasil. Segue em busca de um "final interessante". "Final feliz" é pouco.

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