CULTURA

'Ferida do povo Yanomami tem cinco séculos', afirma Eva Potiguara ao Diário

Comissão da Amazônia e dos Povos Originários analisa Projeto de Lei para denominar "Dia da Resistência dos Povos Indígenas"

Carlos Ratton

Publicado em 19/04/2023 às 07:30

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Eva Potiguara é da escritora e professora de Artes da Faculdade de Pedagogia, do Instituto Superior de Formação de Professores do RN / Divulgação

"Os crimes cometidos contra o povo Yanomami e demais indígenas ocorrem há séculos e se agravaram muito nos últimos quatro anos. Desde que o homem branco pisou nessa país Pindorama chamado Brasil, nossa terra está ferida. Aqui, encontraram riquezas para interesses próprios, que passaram de geração para geração. São séculos de garimpagem ilegal".

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A explicação é da escritora indígena e professora de Artes da Faculdade de Pedagogia, do Instituto Superior de Formação de Professores do Rio Grande do Norte, Eva Potiguara, que concedeu entrevista exclusiva ao Diário do Litoral.

Eva explica que o garimpo está avançando em terras indígenas em outros pontos do País porque os que existiam em Minas Gerais foram esgotados. "Foram massacrando e extinguindo nossos povos por ganância e ferindo a terra. O que está acontecendo no Norte, aconteceu com o Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste há quatro séculos. A ferida do povo Yanomami é muito maior. Tem cinco séculos. O garimpo é um braço do sistema colonial capitalista totalmente predatório, criminoso e contrário aos Direitos Humanos".

A escritora lembra que os povos originários (indígenas) não usam ouro, prata e madeira para enriquecer. Isso porque acreditam que a terra é um lugar sagrado para se viver. "A visão colonial eurocêntrica dos metais, de transformar a natureza em coisas, objetos, é do homem branco. O povo indígena jamais destruiria o que lhe serve de sustento. Ao ferir a terra para retirar o ouro, se fere as irmãs árvores, nossos irmãos rios, as montanhas, enfim, que são vivos. A natureza é um organismo sistêmico, fundamental à sobrevivência e sagrada. O povo indígena tem uma sabedoria ancestral sobre a natureza".

ECOCÍDIO.

Eva Potiguara acredita que o genocídio ocorrido nos últimos quatro anos contra o povo Yanomami está diretamente ligado ao ecocídio - destruição sistemática e intensa de um ecossistema, podendo causar o extermínio da comunidade (animal ou vegetal) que nele está presente.

"Essa é a grande ferida para obter ouro, poluindo o ar, a água, a floresta. Os rios foram poluídos com mercúrio atingindo o povo Yanomami. Somente contra esse povo, são mais de 30 anos o garimpo e madeireiros matando crianças que hoje seriam pais e mães de família, estudantes, professores (as), enfim. As terras Yanomamis fazem parte da grande Amazônia. Há ainda tráfico de madeira e animais. Está se criando um grande cemitério. O veneno está matando crianças que não tem socorro hospitalar. As crianças yanomamis têm direito como qualquer criança que mora na cidade. Estão ferindo diariamente os estatutos da Criança e Adolescente, do Idoso, a própria Constituição e os Direitos Humanos".

CICLO DA VIDA.

A professora lembra que o indígena caça para se alimentar, nunca por esporte. Quando precisa cortar uma árvore, por exemplo, pede-se licença à natureza, que é alimentada posteriormente pelo corpo do indígena quando ele morre, numa relação sistêmica pelo ciclo da vida de alimentação da flora e fauna.

Lembra que os povos indígenas nunca tiveram fronteiras. Os povos ficavam no máximo cinco anos em um lugar para permitir que a natureza se recuperasse. As casas eram feitas com material orgânico e com durabilidade restrita, para permitir o movimento cíclico de vida.

"Isso se chama comunhão com a terra. Os homens não são melhores que os animais em relação à terra. Até as plantações eram feitas entre a mata original e na quantidade necessária para suprir temporariamente a aldeia", explica.

GUERRA.

Eva Potiguara lembra que desde o século 17 os indígenas lutam pela vida, enquanto o homem branco, o colonizador capitalista, luta pela morte da mãe terra, do rio, da fauna e da flora. Segundo ela, há sangue indígena nas mãos do agronegócio e os meios de comunicação não divulgam e nem dão voz aos indígenas.

"Matam um indígena porque ele foi pegar madeira para se livrar do frio. A televisão aberta somente agora está mostrando uma desgraça que existe há décadas. Omite o que ocorre porque, de alguma maneira, ganha. O ouro é um mercado que possui uma grande teia internacional. E onde ele está, está o estupro de crianças e mulheres indígenas. A morte da dignidade humana. Há jovens guaranis kaiowas se suicidando por falta de expectativa".

ÚLTIMOS NÚMEROS.

Quinhentas e setenta crianças foram mortas pela contaminação por mercúrio, desnutrição e fome, devido ao avanço do garimpo ilegal, segundo o Ministério dos Povos Indígenas. Pelo menos 30 meninas e adolescentes yanomami estariam grávidas, vítimas de abusos cometidos por garimpeiros em Roraima.

Eva alerta que tudo está sendo feito pela ordem e o progresso, que deveria cuidar das minorias, dos indígenas, dos negros, dos pobres. "Progresso é só para a burguesia. É preciso expulsar, definitivamente, garimpeiros e madeireiros da Amazônia, que têm aliados em todas as esferas de poder - municipal, estadual e federal. É preciso manter a segurança contínua da Amazônia e outras áreas de preservação", finaliza. 

Garimpo aumentou mais de oito vezes nos governos Temer e Bolsonaro

O garimpo ilegal em terras indígenas na região Norte aumentou mais de oito vezes entre 2016 e 2022, apontam dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

As atividades foram detectadas nas Terras Indígenas Yanomami, em Roraima, e em seis reservas do Pará: Sai-Cinza, Munduruku, Baú, Kayapó, Apyterewa e Trincheira/Bacajá.

A atividade de garimpo em terras indígenas ganhou projeção nacional em razão da crise sanitária na Terra Indígena Yanomami, a maior do país.

Em 2016, durante o governo de Michel Temer (MDB), a área de mineração ilegal em terras indígenas estava em 12,87 km², o equivalente a quase metade do arquipélago de Fernando de Noronha.

Em 2021, na gestão de Jair Bolsonaro (PL), o número registrado aumentou 787%, cerca de 114,26 km². Houve queda em 2022, também sob Bolsonaro, quando 62,1 km² foram detectados como área de mineração ilegal. 

Dia da Resistência Indígena é estudado  

Já se encontra na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários, da Câmara Federal o Projeto de Lei 1186/22 altera o Decreto-Lei 5.540/43 para denominar o dia 19 de abril como "Dia da Resistência dos Povos Indígenas". A data hoje é conhecida como "Dia do Índio", devido ao Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, ocorrido no México, em 1940.

A proposta de mudança é do deputado Célio Moura (PT-TO). "O dito Dia do Índio não representa a real condição dos povos indígenas, pois transmite errônea impressão de que vivem isolados, não valoriza a contribuição na formação da nação e não rememora a luta e resistência contra o extermínio", afirma o autor da proposta.

Para o deputado, o os povos originários são os autores de sua própria história, e não faz mais sentido a manutenção de um termo ultrapassado e equivocado como 'índio' na data em que supostamente se homenageia a existência deles.

No ano passado, o então presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente projeto que muda o nome do "Dia do Índio" para "Dia dos Povos Indígenas". O veto ainda precisa ser analisado pelo Congresso Nacional.

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