Sindical e Previdência
Advogado Mauro Lúcio Alonso Carneiro, especialista em previdência, diz que existe clamor nacional pela desaposentação e fim do fator previdenciário. E afirma: aposentado é discriminado
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"Existe um clamor nacional para que o STF aprove a desaposentação e que o Congresso Nacional acabe com o fator previdenciário. Isto poderá amenizar o sofrimento do aposentado brasileiro que não merece ser punido deste jeito pelo Governo. Aliás, não merece ser punido de nenhuma maneira, pois ganham pouco e contribuiu por anos a fio para poder ter uma aposentadoria digna, o que não está acontecendo".
A informação é do advogado Mauro Lúcio Alonso Carneiro, especialista em Previdência Social, que defende, no judiciário, centenas de aposentados em processos dos mais variados, envolvendo desaposentação, fim do fator previdenciário, recuperação das perdas nos benefícios previdenciários, acidentes de trabalho, doenças profissionais e reparação de danos acidentários e por sequelas de doenças ocupacionais.
Ele diz que, por força da profissão, convive diariamente com esses conflitos e informa que é triste a realidade desses aposentados e pensionistas, pois as ações são morosas e se arrastam por longos anos até uma sentença definitiva incluindo a execução e liquidação dos valores a serem pagos aos segurados do INSS.
"Na semana passada, nosso escritório pagou uma ação considerada milionária para um metalúrgico, ex-cosipano, cuja demanda demorou mais de 20 anos. Mas, nesse caso, ele próprio recebeu os valores, só que, infelizmente, já está muito doente e debilitado fisicamente em sequelas da doença da qual foi vítima e pouco vai poder usufruir do dinheiro", revela o especialista previdenciário.
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Ele menciona que geralmente o pagamento das ações são feitas para herdeiros dos segurados do INSS. "Somos procurados constantemente por aposentados que buscam revisões em seus benefícios, porque o INSS efetuou cálculos errados ou por trabalhadores com sequelas de acidentes e doenças do trabalho. E, quando explicamos, quanto tempo vai demorar a ação, existe quase uma unanimidade no conformismo dessas pessoas que alegam que se eles não conseguirem receber, seus herdeiros um dia vão receber os valores pelos direitos que lhes foram subtraídos. Isto é triste".
Mas o clamor nacional envolve, segundo Mauro Lúcio, duas questões: desaposentação (troca de benefício) e fim do fator previdenciário.
O especialista em previdência menciona que a luta de trabalhadores e aposentados deve se concentrar no Congresso Nacional, que possui projetos sobre questões previdenciárias, entre eles a recomposição das perdas nas aposentadorias e o fim do fator previdenciário; e no STF, que possui dois processos sobre a desaposentação.
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DL - O senhor acredita que o processo da desaposentação será julgado neste ano?
Mauro Lúcio - Eu acho que deve haver mais pressão no Supremo Tribunal Federal (STF) para que isto ocorra. E a pressão tem que vir das entidades de aposentados e das centrais sindicais e federações de trabalhadores. Não basta apenas colocar o processo (381.367) na pauta de julgamento. Tem que haver o julgamento, pois meio milhão de pessoas aguardam pela palavra final do STF.
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DL - Quando surgiu esse termo desaposentação?
Mauro Lúcio - A desaposentação surgiu em 1995 quando o Governo Federal suspendeu o pecúlio previdenciário. Com o pecúlio (devolução do dinheiro das contribuições feitas ao INSS pelos segurados após a aposentadoria), os aposentados trabalhadores quando decidiam parar de vez, iam ao posto previdenciário e recebiam em parcela única os valores pagos ao INSS. Sem o pecúlio, e sem poder usar essas contribuições para obter outros benefícios, como auxílios doença e acidentário, e principalmente para somar e melhorar suas aposentadorias, eles passaram a entrar na justiça pleiteando que esse dinheiro seja usado para um novo cálculo em seus benefícios. Mas não existe uma lei específica sobre o assunto e o INSS nega o pedido dos segurados.
DL - O que o STF vai julgar neste processo. O que está ferindo a Constituição?
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Mauro Lúcio - Existe um conflito entre a lei previdenciária e o texto da Constituição. A Constituição Federal de 1988 criou os princípios da atual Previdência Social. A aplicação desses princípios foi regulamentada pela Lei Ordinária apenas em 1991 (Lei 8.213/91). E, por mais incrível que possa parecer, a lei ordinária (previdenciária) proíbe a troca de aposentadoria e a Constituição Federal, a lei maior , permite.
DL - Então está existindo um confronto entre as leis?
Mauro Lúcio - Parece que sim. A lei ordinária, no meu entender, confronta a Constituição Federal e, por isso, a questão está sendo decidida pelo Supremo Tribunal Federal, a quem cabe decidir sobre questões ligadas à validade e eficácia das normas da Constituição Federal. Os textos são divergentes e um terá que prevalecer. Mas pela lei ordinária, o aposentado que trabalha deve contribuir obrigatoriamente, e essas contribuições servirão tão somente para lhe assegurar salário-família, em valores irrisórios, e reabilitação profissional, que nem é um benefício, mas sim um serviço prestado pelo INSS.
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DL - O senhor acha que o aposentado que trabalha contribuindo para o INSS está sendo discriminado?
Mauro Lúcio - A discriminação ocorre no momento em que ele não tem direito aos auxílios doença e acidentário, mas continua contribuindo igual aos demais trabalhadores que possuem esses direitos. Aposentados que trabalham deveriam ter uma contraprestação por parte do INSS, pois continuam sendo segurados e contribuintes do sistema.
DL - Em relação ao pecúlio do INSS, hoje extinto, ele pode ser uma alternativa à desaposentação?
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Mauro Lúcio - Eu entendo que o pecúlio nunca deveria ter sido extinto. O aposentado que continuava trabalhando, fazia uma espécie de pé-de-meia e quando resolvesse parar de contribuir ao INSS pegava as contribuições feitas ao instituto de uma só vez. Até acredito, que o pecúlio deva voltar, pois existe projeto nesse sentido no Congresso Nacional. Mas, isso só vai ocorrer se a desaposentação for regulamentada pelo STF.
DL - Qual a diferença entre desaposentação e pecúlio em termos de impacto aos cofres previdenciários?
Mauro Lúcio - O pecúlio só sai dos cofres da Previdência Social quando o aposentado deixa definitivamente o mercado de trabalho. Ele não causa impacto imediato, pois isto vai ocorrer aos poucos. Já a desaposentadoria prevê a correção dos benefícios de imediato e gera pagamentos para toda a vida do segurado, sem contar que os valores são transferidos também para a viúva e herdeiros nos casos especificados em lei.
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DL - O processo da desaposentação está no STF desde quando?
Mauro Lúcio - A desaposentação deu entrada naquela Corte Maior em 15.04.2003, sendo distribuído ao falecido ministro Maurício Corrêa, em processo oriundo do Rio Grande do Sul. Ali ficou em compasso de espera até que, anos depois, foi pautado, nomeado relator o ministro Marco Aurélio de Melo, e iniciado o julgamento pelo Tribunal Pleno com o voto favorável do ministro ao direito de aposentados à renunciarem ao "benefício" da aposentadoria, e voltarem a trabalhar, para melhoria de suas aposentadorias (desaposentação e posterior nova aposentadoria). No voto, não se abordou a devolução ou não de importâncias recebidas enquanto aposentados.
DL - E por que o julgamento foi interrompido?
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Mauro Lúcio - Ocorreu que no mesmo dia 16.09.2010 — isto mesmo, no ano de 2010 — naquele processo iniciado em 2003 — o ministro relator Dias Tófolli pediu vista para apresentar seu voto. E o processo lá se encontra. E já estamos em 2014. Paralisado o julgamento. E, aí, já se passaram quase 12 anos!
DL - O tema já foi declarado de repercussão geral. O que isso significa e por que tanta morosidade em seu julgamento?
Mauro Lúcio - Por motivos inexplicáveis essa ação que é de repercussão geral, ou seja, de interesse de todos os aposentados do país, ficou retida na mão do ministro relator Dias Tófolli, para dar seu voto, desde 2010 até a presente data. Será por determinações políticas, o que seria absolutamente inaceitável, ou qual seria o motivo?
DL - Entidades de aposentados também participam do processo?
Mauro Lúcio - Neste processo já entrou como terceira interessada a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (COBAP). E por ser órgão sindical máximo de representatividade dos aposentados brasileiros, eu acho que ela deveria pressionar mais o STF. Ou haveria a necessidade de um abaixo-assinado nacional, em atitude menos técnica, mas para demonstrar a insatisfação contra esta incrível demora.
DL - E como surgiu o fator previdenciário?
Mauro Lúcio - Fator Previdenciário teve seu início pela Lei 9.876, de 26.11.1999. E, no entanto, está no Poder Legislativo de 1999 até a data de hoje, 2014, 15 anos. Por quê? Um fato é inquestionável: o Fator Previdenciário, em princípio, reduz as minguadas aposentadorias e obriga o aposentado a trabalhar até morrer. Não fosse assim, não haveria desaposentação.
DL - Por que o senhor diz que existe clamor nacional pela desaposentação e fim do fator previdenciário?
Mauro Lúcio - Temos que levar em conta que as ações pedindo o cancelamento de aposentadoria ocorrem em todo o país. Isto porque todos os aposentados, salvo pequenas exceções (juízes, políticos, etc.), recebem importâncias tão pequenas que não permitem viver com dignidade ao final de sua vida. Isto é uma realidade noticiada há mais de uma década por toda imprensa nacional. A responsabilidade, no caso, é do Judiciário. Vamos sintetizar: são dois Poderes, o Judiciário (que tem que dar solução a desaposentação) e Legislativo (que tem que dar solução ao fator previdenciário), com perfeito conhecimento do Executivo. Quem paga e sofre por tudo isto? O aposentado brasileiro. Será que ele merece tal punição? Esta morosidade, um câncer aparentemente sem cura no Brasil? Que não silenciem os brasileiros, mesmo os na ativa, que um dia se aposentarão, ou devem trabalhar até morrer em condições econômicas indignas? Os brasileiros merecem isto?
Ele está na advocacia previdenciária há mais de 50 anos
Mauro Lúcio Alonso Carneiro é um dos decanos da advocacia previdenciária na Baixada Santista. Goiano, de Pires do Rio, possui dupla nacionalidade, brasileira e espanhola. Exerce a profissão desde 1964 com especializações no Brasil e exterior. É titular do escritório Alonso Carneiro, Oliveira Neto, Sanino- Advogados Associados, que possui 30 funcionários, a maior parte advogados e estagiários.Se especializou em previdência e reparação de danos materiais e morais em acidentes de trabalho e doenças profissionais. Possui inúmeros títulos honoríficos, tendo sido Conselheiro Estadual e também Federal da OAB/SP. Foi advogado do Sindicato e Federação Nacional dos Estivadores. É casado com Francisca Maria Braga Carneiro.