Sindical e Previdência
Em 1964 chegava ao Porto de Santos o navio que serviria de cárcere flutuante para políticos, estudantes e sindicalistas. E também para deixar os direitos humanos à deriva
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Manhã de sexta-feira, dia 24 de abril de 1964. O navio Raul Soares, já sem forças para navegar, chega ao Porto de Santos, sendo trazido por um rebocador da Marinha do Brasil. Não trazia carga. Não tinha diário de bordo. Não precisou aguardar na Barra de Santos a autorização para atracar e nem revelou às autoridades portuárias e aduaneiras qual seria o tipo de operação a ser feito. Também não requisitou vaga no cais público e nem precisou acionar a praticagem do Porto para adentrar no Estuário rumo a Ilha Barnabé. Ele tinha prioridade e sua atracação era preferencial e imediata. A embarcação negra, com enormes chaminés, ficou atracada em um banco de areia, em local estratégico. Havia sido transformado em navio-prisão e ali permaneceu por longos seis meses, servindo de cárcere flutuante para sindicalistas, presos políticos e estudantes. Era o navio da Ditadura Militar, que há 50 anos descreveu uma história triste para o sindicalismo combativo de Santos e que deixou marcas que o tempo não consegue apagar. Um tempo em que os direitos humanos ficaram à deriva no maior porto da América Latina. A Comissão da Verdade está investigando as histórias de torturas ocorrida no interior daquela embarcação. O DL relembra fatos contados pelas poucas vozes que restam do navio-presidio e relatos de luta, coragem e resistência.
O navio Raul Soares permaneceu de 24 de abril a 23 de outubro de 1964, ancorado num banco de areia, próximo à Ilha Barnabé. Era o início da ditadura militar no Brasil e os sindicatos estavam sob intervenção. Sem diário de bordo e sem listas oficiais de presos, navio foi palco de torturas psicológicas e humilhações. Poucos dos personagens desta história estão vivos e alguns deles, testemunhas de um período triste para a história sindical e política do País, falam de tristeza, dor e superação. Médicos e professores da USP, que ficaram presos nos calabouços do navio: Thomas Maack e Luiz Hildebrando, hoje famosos internacionalmente, contam o drama de seus confinamentos no cárcere flutuante. Maack buscou exílio em Nova Iorque (USA); Hildebrando, buscou exílio em Paris(França). Já os portuários, Argeu Anacleto e Ademar dos Santos, Ademarzinho, eram sindicalistas e carregam a dor do sofrimento e humilhações, conforme relatam nesta reportagem especial. E, como ensina a cartilha do bom e saudável jornalismo, após localizar, no Rio de Janeiro, o almirante Júlio de Sá Bierrembach, que era capitão dos portos no Estado de São Paulo, em 1964, fomos à sua residência, em Ipanema, naquele Estado, para entrevista-lo. Aos 96 anos de idade, e ainda com voz firme, ele apresenta sua versão dos fatos. E, as entrevistas de todos esses personagens, fez surgir este trabalho jornalístico para perpetuar a memória sindical do País e a própria história política de Santos.