Sindical e Previdência
Médico se emociona e chora no discurso de agradecimento durante homenagem na Câmara de Santos, onde reencontrou sindicalista Argeu Anacleto, também preso no navio Raul Soares
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O médico Thomas Maack, personagem do navio-prisão Raul Soares, se reencontrou, após quase cinco décadas, com o sindicalista portuário Argeu Anacleto, também preso e confinado no navio Raul Soares, em 1964. O reencontro, bastante emocionante, ocorreu em 8 de novembro de 2012, nos corredores da Câmara de Santos, durante homenagem recebida pelo médico, que veio à Cidade a convite do Diário do Litoral.
Trajando terno cinza chumbo, camisa social azul e gravata listrada, o médico Thomas Maack inicia seu discurso de agradecimento pela homenagem recebida do legislativo por iniciativa do vereador Marcus De Rosis (PMDB). Ele está de volta à Cidade onde ficou preso por mais de quatro meses no interior de um navio-prisão.
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Nas galerias estão alguns sindicalistas, entre eles Argeu Anacleto da Silva, outro preso do navio, outra vítima da ditadura militar no Brasil.
O médico chegou dos Estados Unidos, visitou a redação do jornal santista Diário do Litoral, responsável por sua vinda à Cidade, e depois se encaminhou para a Câmara.
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Em seu discurso demonstrou a mesma convicção dos tempos da ditadura, ou seja: lutar pela justiça e verdade. E reforçou o pedido para que os vereadores lutem para esclarecer os fatos através do Governo Federal e da recente Comissão Nacional da Verdade. E confirmou as cenas de torturas e humilhações a que os presos eram submetidos no interior do navio Raul Soares.
Dividiu a homenagem do legislativo santista com os presos do navio-presídio.
Quando falou de sua prisão clandestina, sem que sua família soubesse onde estava, chorou emocionado e foi aplaudido de pé por vereadores e pelo plenário. “O destino me levou a reconstruir a vida longe do País que eu amo e da cidade de São Paulo, que eu adoro. Mas, para mim, que pensava estar com a vida destruída para sempre, houve mais possibilidades de refazer a vida por ser médico, professor e especialista em pesquisas médicas, diferente dos sindicalistas portuários, que permaneceram no Brasil e ficaram estigmatizados pela prisão no navio Raul Soares”, disse o médico.
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"O papel da Comissão da Verdade não é para querer aprisionar nossos carcereiros, ou torturar nossos torturadores, só queremos saber a verdade, quem foram os mandatários. Qual foi a cadeia de comando que mandou o navio Raul Soares para Santos para humilhar tanta gente", indagou o ex- prisioneiro político.
Autor da homenagem relembra do triste capítulo para o sindicalismo
"Esta noite é uma daquelas que podemos qualificar como histórica. Não é apenas uma noite de uma merecida homenagem. Mas, uma noite que resgata parte da história de nossa cidade, relembra um período difícil dessa mesma história para o sindicalismo. Trata-se de uma noite de homenagens a um personagem bastante querido desta mesma história. Mas, também é uma noite em que teremos que mexer em ferimentos já cicatrizados e isto pode doer na alma daqueles que sofreram as torturas nos cárceres da ditadura militar", disse o vereador De Rosis, em seu discurso em homenagem ao médico.
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E prosseguiu: "Neste plenário, em nossa frente, para receber aplausos de todos os senhores e senhoras, está o médico, professor, cientista e pesquisador Thomas Maack. Um personagem e também vítima dessa história escrita com torturas dentro do Navio-Prisão Raul Soares, de triste memória para todos nós. Um homem sério e honrado e hoje um profissional famoso internacionalmente, mas que, como tantos outros inocentes, foi perseguido e preso pela ditadura militar sem ter cometido crime algum. E foi trancafiado no navio Raul Soares, ancorado aqui em nosso porto, no ano de 1964. E o pior: teve que fugir do País e se exilar nos Estados Unidos, deixando para trás sonhos e uma vida destruída.
Preso pela Ditadura Militar, foi confinado no navio-prisão Raul Soares por quatro meses, de junho a outubro de 1964. Entretanto, o presídio flutuante não tinha médico e coube a ele, mesmo na condição de preso político, fazer atendimentos aos presos. E nessa condição, ajudou a salvar vidas de sindicalistas e de outros prisioneiros, que doentes eram socorridos pelo médico, retirados dos calabouços do navio-prisão e encaminhados aos hospitais da região.
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“Durante muitos anos ele foi considerado um mito ou uma lenda nos fatos narrados por presos do navio Raul Soares. A figura do jovem médico de cabelos de "fogo", que também era um dos presos, foi sempre relatada e lembrada com gratidão por presos políticos e sindicalistas que ficaram confinados no presídio flutuante. Mas, ninguém sabia seu paradeiro, qual teria sido seu destino após a desativação do navio ou mesmo se estava vivo”.
“Pois bem, este personagem e também uma das vítimas desse triste capítulo do sindicalismo de Santos está de volta a Santos. Está aqui neste plenário. Veio de Nova Iorque, nos Estados Unidos, País para onde a vida o levou em busca de exílio político. Hoje, ele é cidadão americano, médico, professor universitário e um dos maiores especialistas em pesquisas médicas do mundo. Tinha 29 anos de idade quando teve que fugir do Brasil e hoje está com 77 anos. Formou-se médico no Brasil, na USP, é casado com a brasileira Isa, que o acompanha neste plenário”.
E concluiu: “as asas do destino que o levaram para tão longe do Brasil, são as mesmas que o trazem esta noite de volta a esta cidade, a terra da caridade e da liberdade, para que possamos agradecer-lhe e render-lhe esta homenagem. Vemos nas galerias os sindicalistas que também vieram para abraçá-lo e agradecê-lo. É com grande orgulho podermos, após quase cinco décadas, resgatar uma parte dessa dívida de nossa cidade com o Dr. Thomas Maack. Em nome de todos os vereadores desta Câmara e do presidente Manoel Constantino, saudamos e cumprimentamos o nosso homenageado e num só coro dizemos: muito obrigado".
Abraço, lágrimas e muita emoção num reencontro após quase cinco décadas
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"Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante" (Declaração Universal dos Direitos Humanos)
Santos, 8 de novembro de 2012. Plenário da Câmara Municipal. Eram 18h49, quando o médico Thomas Maack, de 77 anos de idade, alemão naturalizado americano, que acabara de receber uma homenagem, caminha em passos rápidos ao encontro de um senhor de 83 anos de idade que estava também ansioso pelo iminente reencontro, no corredor de acesso ao plenário. O abraço é emocionado e longo. Foram 48 anos, ou seja: quase cinco décadas, sem que um soubesse notícia do outro. O senhor, de 83 anos, é Argeu Anacleto, ex-dirigente sindical portuário, preso juntamente com o médico, no início da ditadura militar no Brasil, em 1964. Ambos foram trancafiados nos calabouços do navio-prisão Raul Soares.
Thomas Maack, o jovem médico de cabelos de "fogo", tinha 29 anos de idade e Argeu, 35 anos. Maack teve que fugir do País pouco antes de sua expulsão ser decretada e as asas do destino o levaram para o exílio em Nova Iorque, onde refez sua vida e reiniciou a carreira médica e hoje, é um dos maiores especialistas em pesquisas e um cientista bastante respeitável mundialmente.
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Argeu, por sua vez, viveu por muitos anos a triste sina dos presos políticos: não obter um novo emprego digno, pois estava marcado por ter uma ficha policial de preso político no navio Raul Soares. Ele diz: "Sou um etecetera da sociedade, não tenho faculdade, mas sim dificuldade num País que teve não uma democracia nos tempos sombrios da ditadura, mas sim uma demoníocracia".
Qual o crime dos dois? Nenhum. Maack era médico e professor na USP e Argeu diretor do Sindicato dos Operários Portuários. Duas vitimas da ditadura que tiveram suas almas esculpidas pela tortura e humilhação dentro de um navio-prisão, sem lei e sem respeito à dignidade humana. Um navio que afrontou não só aos humanos, mas também uma afronta à sociedade santista e ao sindicalismo combativo de Santos. Um presídio flutuante ancorado em pleno porto santista, na margem direita do estuário, próximo à Ilha Barnabé, local do trabalho e ganha-pão dos portuários, que em vez de serviço nos ternos e nas lingadas, estavam presos e sofriam todo tipo de humilhação no navio.
Poucos minutos antes de ir ao plenário da Câmara para fazer o discurso de agradecimento pela homenagem, Thomas Maack demonstrava ansiedade e perguntava a este jornalista que promoveu este encontro, se Argeu já havia chegado às galerias. Pouco antes de iniciar o discurso é avisado que o Sr Argeu e sua esposa já estavam no local. Durante o discurso, Maack faz saudação especial ao antigo sindicalista portuário e companheiro de prisão no "Raul Soares". Os olhares se cruzam e segue-se um aceno de mãos emocionado entre os dois.
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Mas, o ponto alto dessa emoção iria ocorrer alguns minutos depois no encontro no corredor de acesso entre galeria e plenário. Conduzido por este jornalista até o Sr. Argeu, que concedia entrevista a uma emissora de TV local, os dois se abraçam emocionados. Um demorado abraço seguido de lágrimas, num reencontro depois de 48 anos, ou seja: quase cinco décadas sem que um soubesse notícias do outro.
E, naquele horário, o destino faz o reencontro do médico Thomas Maack com o ex sindicalista portuário Argeu Anacleto da Silva. O jovem médico de cabelos de "fogo", de 1964, e o sindicalista portuário, ou um etecetera da sociedade, como ele mesmo diz, estão bem próximos um do outro. Ambos com sorrisos e braços abertos. Se abraçam ... se emocionam. E choram...
Até parece que os ponteiros do relógio pararam, como que querendo voltar no tempo. Um tempo de dor, torturas e humilhações dentro de um navio-presídio. Ainda abraçados, os dois prometem, como num pacto selado naquele instante mágico, de eternizar em suas memórias esse momento feliz, como um antídoto ou simplesmente um bálsamo contra o sofrimento e a dor do passado...
De volta ao cais do porto, onde permaneceu preso no navio
Dia 9 de novembro de 2012. Embaixo de uma chuva fina, impertinente e fria, o médico, cientista e professor da Universidade de Medicina Cornell, de Nova Iorque, acompanhado deste jornalista, se dirigiu ao Cais do Porto de Santos, bem próximo à travessia de barcas para o distrito de Vicente de Carvalho, no município do Guarujá, atrás da Alfândega, no Centro Histórico da cidade.
Antes, passamos pela Bolsa Oficial de Café, para saborear o tradicional café brasileiro, do qual ele diz sentir muita falta, "pois não há igual em todo o mundo". Thomas Maack caminhava com alegria, parecia ter deixado um fardo muito pesado, na noite anterior na Câmara de Santos.
Durante todo o trajeto, no qual fomos acompanhados do repórter fotográfico Matheus Tagé, do jornal Diário do Litoral, ele falou amenidades de sua vida nos Estados Unidos. Disse que suas filhas não entendem o amor que sente pelo time de futebol do Corinthians, e que a camisa do clube de Parque São Jorge, que ganhou dos sindicalistas portuários, junto com a placa com o título de cidadão portuário, iria dar a seu neto, que não entende de futebol, mas sim de beisebol.
E explicou que não estava mais emocionado, mas sim, feliz pela caminhada pelo Centro Histórico de Santos, onde apreciou prédios de arquitetura colonial, bastante antigos, e que são tombados pelo patrimônio histórico. Entre eles o prédio da Bolsa Oficial de Café, um dos símbolos históricos da cidade de Santos.
Protegidos pelos guarda chuvas, pois a chuva começou a engrossar, subimos os degraus das escadas da enorme passarela de acesso ao outro lado da Avenida do Cais, já dentro do complexo portuário. Agora, estávamos acompanhados dos sindicalistas portuários Robson Apolinário, presidente do Sintraport e de Everandy Cirino, presidente do Sindaport, este último um corintiano fanático, e de quem Thomas Maack foi presenteado com a camisa 10 corintiana. "No meu tempo de Brasil, o número 10 corintiano era Luizinho", relembrou o médico que teve que elevar a voz, pois nesse instante passava uma locomotiva na linha férrea do Porto e o maquinista acionava insistentemente o apito do trem de carga.
Ficamos conversando, bem próximo ao canal do estuário, por onde as barcas iam e vinham com seus apitos estridentes, trazendo e levando passageiros, em sua maioria trabalhadores em horário de almoço, pois o ponteiro do relógio marcava 11h59. Ao meio-dia uma sirene de centenária empresa jornalística de Santos soou intermitente por alguns segundos, como faz tradicionalmente há muitos anos, confirmando para todos os santistas e frequentadores do Centro, que já era meio-dia.
"Cheguei aqui à noite, fiquei preso em cela que não dava para ver essa paisagem, só via água o tempo todo, mas sei que aqui onde estamos, próximo a essa estação das barcas, as mulheres de portuários e estivadores ficavam em vigília e pressionavam a Marinha, Exército e Polícia, para que não cometessem coisas erradas com os presos ", disse.
E concluiu: "Quando o navio-presídio foi desativado, saí dele também à noite, por isso esse lugar não me traz nenhuma emoção. E não podemos ligar a cidade de Santos e seu porto com minha prisão, pois uma coisa não depende da outra”.
Um dia de homenagens e emoções
Thomas Maack, em sua visita a Santos, se reuniu com dirigentes sindicais portuários e avulsos, na sede do Sindaport, onde foi recepcionado com muito carinho, entre outros, por Everandy Cirino, Robson Apolinário, Adilson de Souza, Orlando José e Douglas Gonçalves. Recebeu uma placa com o título de Cidadão Portuário, numa homenagem conjunta do Sindaport, Sintraport, Guindasteiros, Rodoviários, Estivadores, Consertadores, Conferentes, Vigias Portuários, e Trabalhadores de Bloco.
Depois, se reuniu num restaurante no tradicional bairro do Gonzaga com sindicalistas do Sinprafarmas, Sintrasaúde e Sindest, para um almoço-homenagem. Neste local, hpuve uma conversa bastante descontraída sobre os mais variados assuntos, envolvendo desde a tradicional caipirinha brasileira, até futebol, beisebol e a previdência social do Brasil e Estados Unidos.