LITERATURA

Na contramão do 'movimento coach', escritor vicentino lança livro que traz fracassos

'Notas de um Restaurante' relata, em 11 ensaios, como um empreendimento virou a vida dos sócios de ponta-cabeça

LG Rodrigues

Publicado em 09/07/2022 às 08:45

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Lançado de forma independente, 'Notas de um Restaurante' não é o primeiro livro de Leandro Marçal / Nair Bueno / Diário do Litoral

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Quantas publicações você consegue encontrar em uma livraria com ‘receitas’ para o sucesso ou trajetórias de triunfos? Provavelmente mais do que é possível contar nos dedos das mãos e o mesmo pode ser dito de obras camufladas de relatos de derrotas, mas que servem como guias ou autoajuda feitos em tempos de crise para fisgar quem está desesperado por soluções para seus problemas. ‘Notas de um Restaurante’ vem na faixa contrária deste trânsito literário mundial e foca seu objetivo em apenas um único destino: mostrar o quão trágico pode ser uma empreitada empreendedora no Brasil recente.

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Assinada por Leandro Marçal, escritor atualmente morando em São Vicente, o mais recente livro, lançado de forma independente, já mostra em sua capa o que o leitor pode esperar. Com direito a hashis e pedaços humanos servidos em um prato tradicional da gastronomia nipônica, a obra relata como uma sociedade feita entre amigos para abrir um restaurante japonês se tornou rapidamente em uma tragédia econômica.

“Eu acho, particularmente, que a gente vive uma era meio de coach. Tem uma expressão que eu uso chamada de ‘coachismo’ e a gente vive não só esse coachismo, mas a gente vive uma instagramização da vida onde todo mundo quer mostrar sempre o lado bom, tem uma positividade tóxica onde tudo é lindo, tudo é maravilhoso e se você não conseguiu aquilo que você quer, a culpa é sua e não das circunstâncias e de coisas maiores que a gente”, explica.

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Essa indignação com o momento atual do planeta, unida à habilidade com escrita e a experiência traumática de abrir um negócio que falhou foram a fórmula perfeita para que ‘Notas de um Restaurante’ deixasse a mente do autor para se materializar no papel.

“Isso [coachismo] é uma coisa que sempre incomodou porque exige respostas rápidas pra tudo e eu acho que a literatura ela é justamente o contrário. A literatura ela é o contrário disso porque ela tem outro tempo, ela tem outra lógica e ela tem outra dinâmica”.

Marçal explica que o restaurante que ele abriu com a ajuda de alguns amigos encerrou as atividades ainda em 2019, antes da pandemia atingir o Brasil, e deixou para ele, e seus sócios, um verdadeiro rastro de dívidas, dores de cabeça e desilusão.

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“Eu passei 2019, 2020, 2021 e o começo de 2022 tentando me reconstruir porque eu não sabia onde eu estava para onde eu tinha que ir, em termos de trabalho o que eu tinha que fazer e essa história sempre me ‘martelou’ muito e teve um determinado momento que eu tinha colocado no papel que eu tinha que fazer uma auto ficção, eu tinha que criar, a partir daquilo, uma história de ficção e eu nunca conseguia avançar nessa história. Aí no fim do ano passado eu saí de um antigo emprego e fui fazer um exame demissional e estava lendo um livro um livro chamado ‘Vista Chinesa‘ que fala sobre uma forma de luto e em um momento que eu estava lendo aquilo pareceu que ‘baixou o santo’ em mim e eu falei, ‘não, eu não tenho que escrever uma auto ficção, a minha história dá um livro, tudo o que me aconteceu dá um livro.

“A partir dali eu comecei a pensar que não criaria nada em cima e ia simplesmente relatar o que rolou. Eu sentia que ‘eu voltava’ pro restaurante muitas vezes e não conseguia seguir adiante porque eu estava visitando muitas vezes aquela história, remoendo algumas coisas. Eu me senti andando em círculo”, relata.
A história de crise e perdas foi separada em 11 ensaios autobiográficos, que relatam, de forma tão crua quanto os pratos preparados tradicionalmente na cozinha de um restaurante que serve sushis e sashimis, os antecedentes e as consequências do episódio que mudou a vida de Leandro para sempre.

“A princípio o livro ia se chamar ‘História de um Restaurante’ e ia ser um jogo, porque eu acho que quem comprasse o livro ia achar que eu ia contar uma história completa e eu não ia contar a história completa. A estrutura do livro se dá como se você tivesse bebido muita vodca e você está de ressaca e aí você começa a relembrar o que aconteceu na noite anterior por flashes. Quando eu comecei a montar o livro eu estava mais interessado em temas do que na ordem cronológica e aí percebi que existiam temas que iam e vinham. Por exemplo, tem um capítulo onde eu volto para a minha infância para explicar porque eu agi de determinada forma depois”. 

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“E eu acredito que hoje nós estamos vivendo uma época em que tudo é fragmentado. A gente tem várias versões de nós mesmos. E eu acho que a fragmentação desse livro era o jeito certo de contar uma história que ela na verdade nunca acabou, ela continuou. Todo mundo fala que ‘você tem que superar tal coisa’ ou ‘tem que seguir em frente’, como se fosse uma escolha e não é, a gente vai revivendo porque a gente não escolhe seguir em frente ‘porque sim’, a gente a gente vai vivendo, vai reelaborando e começa a enxergar o passado de uma outra forma. Quando a gente olha pro passado a gente escreve um novo futuro”, finaliza.

Com previsão de lançamento para agosto, o terceiro livro de Marçal pode ser adquirido no site do autor, o https://tireidagaveta.com.br/ por R$ 40,00 e um Pix pode ser feito por intermédio da chave [email protected]

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