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Em Santos, combate contra a transfobia não sai do papel

A situação delicada e constrangedora a qual foi submetida recentemente uma jovem transexual, moradora da Zona Noroeste, impedida de usar o banheiro feminino em uma lanchonete no Boqueirão, em Santos, poderia ser evitada

Carlos Ratton

Publicado em 14/02/2022 às 07:00

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As ativistas Thays Villar e Flávia Bianco traçam um panorama da situação em Santos e no País. Ainda há muita luta a ser travada / Divulgação

A situação delicada e constrangedora a qual foi submetida recentemente uma jovem transexual, moradora da Zona Noroeste, impedida de usar o banheiro feminino em uma lanchonete no Boqueirão, em Santos, poderia ser evitada. Há iniciativas governamentais contra a transfobia na Cidade, mas segundo ativistas, ainda não saíram totalmente do papel.

"Na questão cultural tivemos alguns avanços. Mas em relação a direitos, medicações, atendimentos na área da saúde e segurança pública é preciso um trabalho conjunto envolvendo várias secretarias. O preconceito é fruto da falta de cultura e informação. Tem pessoas LGBT em cargos chaves na gestão, mas não há prática, só teoria. Não há política pública efetivamente implantada", afirma o presidente do Conselho Municipal de Cultura, Júnior Brassalotti.

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Thays Villar é atriz, cineasta e também conselheira de Cultura (segmento diversidade), salienta que, pelo 13º ano consecutivo, o Brasil foi o país que mais matou pessoas trans no Mundo, sobretudo mulheres trans e travestis. "Esses assassinatos colocaram fim à árdua luta para viver em paz que esses seres humanos travam desde a infância. Isso porque, a ciência é pontual ao afirmar que a disforia de gênero (sentimento forte e persistente de que o sexo anatômico da pessoa não corresponde ao seu sentimento interno de ser do sexo masculino, feminino, misto, neutro ou algo mais) acontece quando, ainda no ventre materno, a formação do órgão sexual se dá antes da formação das características cerebrais que irão definir a identidade de gênero do indivíduo".

Thays lembra que a transfobia começa no ambiente familiar, quando são percebidos os primeiros comportamentos fora do padrão heteronormativo. Explica que a criança passa longos anos da vida impedida de expressar sua própria identidade. Na escola, o bullying vai fazendo o mesmo papel, em paralelo, criando dificuldades no aprendizado, mais danos psicológicos, culminando na evasão escolar. Com a chegada da adolescência e da maturação da personalidade, pessoas trans são expulsas de casa por não terem conseguido se comportar da maneira que a família tentou impor.

"Sem concluir os estudos e com um vasto histórico de traumas, essas pessoas encontrarão apenas na prostituição a possibilidade de sobrevivência. E encontrarão ainda mais violência, invisibilidade social e falta de perspectivas", alerta.

Ela lembra que ainda há pessoas que dizem que trans querem privilégios. "Por serem egoístas, desinformadas ou de caráter duvidoso, tratam nossas pautas como questões desnecessárias. Daí a importância de existirem políticas públicas que façam valer a proteção e o desenvolvimento social aos quais as pessoas trans não têm acesso. A existência de conselhos é fundamental para que se acompanhe a aplicação desses direitos".

Por fim, enfatiza que o respeito à dignidade das pessoas trans não é uma opção e, sim, obrigação legal sujeita a pena criminal caso descumprida. "E isso vale, também, para comentários feitos em redes sociais", afirma concluindo que, pela Constituição, qualquer pessoa trans que se sentir discriminada pode procurar seus direitos.

A palestrante e ativista independente, Flávia Bianco explica que Santos não está atrás da sociedade brasileira quando se fala em transfobia. Ela garante que existe um grande número de pessoas trans e frequentes casos de desrespeito a seus direitos e identidade. "Tivemos em pleno mês da visibilidade trans (janeiro), dois casos de transfobia envolvendo desrespeito a identidade de gênero e uso de banheiro", lembra.

Flávia revela que é comum também dificuldades no uso de prenome e identidade. "Embora, desde 2019, a transfobia tenha sido equiparada ao crime de racismo, a qualificação desses crimes ainda não está bem clara em nossa sociedade. Temos avanços nos canais de denúncia, mas os de ódio, praticados no anonimato das redes sociais, ainda precisam ser melhor identificados para que haja efetividade na punição".

Para Flávia Bianco, a criação do Conselho LGBT é uma reivindicação antiga do ativismo santista e ter uma representação da sociedade civil, juntamente com representantes de outros segmentos do poder público, confere maior legitimidade e força para cobrar as pautas e ações para a população LGBT. "Desde 2019 foi entregue pela Comissão Municipal de Diversidade Sexual de Santos o projeto para instalação do conselho. Entretanto ainda enfrenta entraves burocráticos que poderiam ser extintos com a criação da Coordenadoria da Diversidade em 2021", propõe.

CRIME E CASTIGO.
Flávia revela que uma das faces mais torpes e criminosas é a associação de pessoas trans com pedofilia. "Basta conhecer a luta das pessoas trans para sua transição e vencer as barreiras e dificuldades para perceber que ninguém passaria por tudo isso apenas para cometer um crime desse tipo. Reduzir a transição e histórias de vidas a esse lugar é, além de crime de transfobia, uma covardia e uma falta de humanidade e empatia com a vida do outro", dispara.

Flávia diz que o uso do banheiro deve ser de acordo com o gênero da pessoa, que não implica em sexo biológico. "É garantida na legislação a autodeclaração de pessoas trans com relação ao seu gênero. Respeito quanto ao uso do banheiro pelas pessoas de acordo com o seu gênero é um direito. Os que argumentam em contrário sempre caem na mesma acusação sobre estupros e pedofilia. Esses, na verdade, é que são os criminosos por transfobia".

Para mudar cenário e acabar com o preconceito, a Flávia acredita que é preciso educação inclusiva, ações para visibilidade, acesso a saúde integral e, principalmente, o combate e punição severa aos atos de transfobia". (

DIREITOS GARANTIDOS.
Em forte e recente reportagem do jornalista e advogado Eduardo Velozo Fuccia, do Portal Vade News (vadenews.com.br), ficou evidenciada que a restrição do uso do toalete feminino à mulher trans viola o direito ao respeito à identidade de gênero, manifestação da própria personalidade da pessoa humana. E ainda que não está vinculada ao sexo biológico de nascimento da pessoa, mas sim à identificação psíquica do ser humano. E esse foi o entendimento, de forma unânime, da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), baseada no princípio fundamental da República (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal).

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