POLÊMICA
Inadimplência entre os terminais portuários supera em 40% a falta de pagamento do imposto por parte dos demais contribuintes do Município
Em 2024, a Sefin lançou carnês para 'apenas' 37 inscrições imobiliárias, mas pretende arrecadar R$ 34,8 milhões / NAIR BUENO / DIÁRIO DO LITORAL
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A Prefeitura de Santos pretende arrecadar 56,26% a mais com IPTU dos terminais portuários em 2024. E isso acontecerá mesmo com o lançamento de menos carnês aos arrendatários do Porto neste ano. Em 2023, a Secretaria Municipal de Finanças e Gestão (Sefin) lançou carnês de cobrança para 60 inscrições imobiliárias. O valor total projetado pelo Município somava R$ 22,5 milhões. Em 2024, a Sefin lançou carnês para 'apenas' 37 inscrições imobiliárias, mas pretende arrecadar R$ 34,8 milhões. Ou seja, a projeção é de um aumento de mais de R$ 12,3 milhões em arrecadação com os terminais portuários de um ano para o outro. Porém, essa previsão esbarra na inadimplência de 14% entre esses contribuintes.
E essa insolvência é superior à média geral dos contribuintes municipais. Segundo a Secretaria de Finanças e Gestão, a inadimplência do IPTU e da Taxa de Remoção de Lixo Domiciliar, cobrados conjuntamente, foi de 9,74%, em 2022. Já no ano passado, esse índice foi de 10,25%. Ou seja, a inadimplência entre os terminais portuários é 40% superior à dos demais contribuintes santistas.
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E ela é alimentada por batalhas judiciais acerca do direito do Município de cobrar ou não o imposto de prestadores de serviços que substituem o poder público e que ocupam imóveis e bens da União no exercício de suas atividades. É a chamada imunidade recíproca, prevista no Artigo 150, Inciso VI, da Constituição Federal. Municípios, estados e União não podem cobrar impostos entre si, uns dos outros.
"Há empresas se movimentando e já existem decisões monocráticas favoráveis a algumas empresas. Essa é uma discussão que está só começando. É um equívoco admitir que não cabe imunidade fiscal aos arrendatários (de áreas no Porto)", resume a advogada Marcela Carvalho Bocayuva, que é coordenadora da Escola Nacional da Magistratura, mestra em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília e especialista pela Fundação Escola Nacional do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
E o Artigo 21, Inciso XII, alínea F da Constituição Federal estabelece que é de titularidade da União a exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres.
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"A norma constitucional estabeleceu expressamente que a exploração de atividades relacionadas aos portos ostenta status de serviço público, independentemente de se concretizar de forma direta ou indireta", explica Marcela Bocayuva, que representa terminais portuários santistas em ações contra a cobrança do IPTU.
"E ao optar por não prestar o serviço, o Estado transfere apenas a execução, mas não a titularidade do serviço, o que pode ocasionar na sua retomada. Ainda que em se tratando de arrendamento portuário, é lícito à empresa arrendatária executar as funções típicas do serviço público que lhe foi delegado. E o objetivo último dos serviços públicos é garantir a fruição de direito fundamentais", completa a advogada, com bom trânsito em alguns dos gabinetes do Supremo Tribunal Federal (STF), também detém formação específica nas Universidades de Harvard e de Chicago, nos Estados Unidos.
Em release datado de 2018, a Prefeitura alegou que "foram aproximadamente 20 anos de discussões em várias esferas judiciais até que os ministros (do STF) decidissem a favor de Santos".
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A decisão a que se referia o Município na ocasião versava sobre o Recurso Extraordinário 594.015, que a Petrobras havia interposto contra a cobrança de IPTU em uma área ocupada pela empresa no Porto. "O STF consolidou o resultado de forma unânime", resumiu a Prefeitura.
A Procuradoria Geral do Município cobrava na Justiça desde 2000 o imposto dos 59 terminais (controlados por 32 empresas) situados no Município. O argumento é que, apesar de a Administração Pública contar com imunidade tributária recíproca, este benefício não deve valer quando um espaço público é explorado pela iniciativa privada, como ocorre nos terminais do Porto.
Essa visão contrasta com as relações imobiliárias convencionais, quando o IPTU é normalmente pago pelo proprietário do imóvel, não pelo inquilino. Comparando, grosso modo, a União segue sendo a legítima proprietária dos imóveis no cais, enquanto os terminais privados seriam meros locatários/arrendatários.
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Para justificar a redução no número de contribuintes passíveis de cobrança do IPTU na área portuária, a Secretaria Municipal de Finanças e Gestão esclareceu que "secretarias municipais diversas realizaram em conjunto um trabalho de reunião de vários lotes de mesmos arrendatários do Porto de Santos numa única inscrição imobiliária para cada contribuinte de igual razão ou denominação social".
E que o número total de carnês emitidos foi feito "com base nos contratos de arrendamento da União, diminuindo a quantidade desses registros cadastrais de 2023 a 2024 para a cobrança de IPTU".
Além disso, segundo a Sefin "os arrendatários do Porto de Santos apresentaram acréscimo de áreas construídas em seus respectivos lotes, aumentando consequentemente a receita tributária do IPTU de 2023 para 2024 nesse trabalho de revisão fiscal dos contratos de arrendamento da União".
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