Santos

Negócio milionário é suspenso em Santos por supostas irregularidades

Juíza sustou a possível transformação de dois terrenos destinados à habitação popular em condomínios de alto padrão

Nilson Regalado e Carlos Ratton

Publicado em 17/12/2023 às 07:30

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Um dos terrenos da Macuco já vem sendo ocupado pela Prefeitura de Santos como estacionamento de veículos da frota municipal / Nair Bueno/DL

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A juíza Fernanda Menna Pinto Peres, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Santos, concedeu "tutela de urgência" sustando imediatamente a possível transformação de dois terrenos destinados, por força de lei, à habitação popular em condomínios de alto padrão.

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Os dois imóveis ficam na Avenida Ana Costa, números 80 e 89, na Vila Mathias, e pertenciam à União, mas foram vendidos à Construtora e Incorporadora Macuco no final do Governo Bolsonaro.

A transação pode ter provocado um prejuízo milionário à União e teria o potencial de também prejudicar os cofres municipais. A liminar foi concedida em mandado de segurança impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE).

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A decisão foi tomada na última segunda-feira (11). Em seu despacho, a magistrada cita possível violação aos "padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé" por parte de agentes públicos. Procurada, a Prefeitura informou, na última sexta-feira (15), que cumpriu a decisão judicial.

Transparência

Segundo a juíza, essa conduta do secretário de Desenvolvimento Urbano e presidente do CMDU fere o princípio constitucional da transparência nos atos da Administração Pública. E também prejudica o amplo acesso à Justiça por parte dos grupos sociais vulneráveis.

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Desde 29 de agosto, a Defensoria vem solicitando detalhes do Procedimento Administrativo, que foi aberto pela Administração Municipal em março.

Na prática, o processo aberto após solicitação formal da Construtora e Incorporadora Macuco avalia a possível alteração de uso dos dois terrenos localizados na Avenida Ana Costa. Atualmente, os dois imóveis estão gravados no Plano Diretor do Município como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS II).

E o Plano Diretor do Município (LC 1.181/22) define as ZEIS II como "glebas ou terrenos não edificados, subutilizados ou não utilizados, que, por sua localização e características, sejam destinadas à implantação de programas de Habitação de Interesse Social (HIS) e de Habitação de Mercado Popular (HMP)".

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Ou seja, depois de adquirir os imóveis da União através de leilão online por preços abaixo do valor de mercado, a Construtora Macuco procurou a Prefeitura a fim de liberar as áreas gravadas, por força de lei, para construção de moradias populares. Assim, a eventual alteração no uso do solo sob análise no CMDU permitiria à Macuco construir, por exemplo, torres com imóveis de luxo nos dois terrenos.

Pautada

A decisão sobre a alteração na classificação dos dois terrenos, que ampliaria os lucros da empresa, estava na pauta da reunião ordinária agendada inicialmente para o próximo dia 27.

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Porém, o CMDU resolveu antecipar a "deliberação" sobre o pedido da Macuco para a última quarta-feira (13), sem permitir o acesso da Defensoria Pública do Estado aos documentos protocolados pela construtora.

Até as atas das reuniões anteriores que trataram do assunto deixaram de ser publicadas desde julho, ampliando o ar nebuloso acerca da transação.

O problema é que, segundo a juíza, tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o Estatuto das Cidades, bem como acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário reconhecem a Defensoria como parte legítima na defesa dos interesses difusos da sociedade e nas discussões da alteração do meio ambiente urbano.

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O STF chega a considerar a DPE como autêntico mecanismo de preservação do "mínimo equilíbrio entre a Administração Pública e os cidadãos".

"O direito de requisição (dos documentos e atas), legalmente e constitucionalmente reconhecido à Defensoria Pública, faz presumir a necessidade da consulta pela DPE para fins de defesa dos interesses coletivos, em se tratando de processo administrativo que versa sobre ordenamento territorial da cidade", resumiu a magistrada.

Porém, a DPE foi ignorada e até agora não teve sua prerrogativa legal respeitada pela Sedurb nem pela CMDU.

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Tudo prejudicaria eventual assistência jurídica "para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos", como como é o caso dos sem-teto e dos moradores de sub habitações, conforme previsto na Política Urbana Nacional (Lei nº 10.257/01).

Macuco

A Incorporado Macuco informa que ainda não foi notificada da decisão judicial e que a iniciativa está ainda no âmbito interno da CMDU. No entanto, acredita que a Prefeitura está atendendo todos os ritos previstos na lei aprovada.

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Amanhã, o Diário revela o tamanho do prejuízo aos cofres da União e do Município. 
 

Cronologia mostra que tramitação começou no Governo Temer

Julho de 2017 - Governo Temer sanciona Lei 13.465/17, que "aprimora a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União". A nova legislação ficou conhecida como 'Lei da Grilagem'

Junho de 2020 - Governo Bolsonaro sanciona a Lei 14.011/20, que altera e facilita a venda de imóveis da União com desconto de 25%. Secretaria do Patrimônio da União mapeou 3.800 imóveis "vagos ou sem uso" aptos à venda. Nova lei permitia que os próprios interessados contratassem um avaliador e definissem o valor do imóvel

Julho de 2020 - Governo Bolsonaro coloca à venda, via internet, 907 imóveis da União

Outubro de 2021 - Governo Bolsonaro coloca à venda mais 1.030 imóveis da União localizados no Estado de São Paulo, entre eles os dois terrenos na Avenida Ana Costa, 80 e 89, na Vila Mathias

Novembro de 2022 - Prefeito Rogério Santos sanciona Lei 1.181/22, de sua autoria, que permite a alteração no uso das chamadas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), glebas destinadas exclusivamente à habitação popular

Dezembro de 2022 - Prefeito Rogério Santos sanciona Lei Complementar 1.187/22, que prevê a alteração das áreas de ZEIS "mediante autorização legislativa desde que comprovado o interesse público" a partir de parecer a ser elaborado por comissão interna da própria Prefeitura

Março de 2023 - Construtora Macuco protocola na Secretaria de Desenvolvimento Urbano pedido de "desgravação" dos dois terrenos na Avenida Ana Costa, da ZEIS Vila Mathias, e consequente liberação para construção de imóveis de alto padrão

Março de 2023 - Secretaria de Desenvolvimento Urbano instaura o Processo Administrativo nº 011617/2023-39 e remete pedido da Macuco para análise do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU)

Julho de 2023 - CMDU e Conselho Municipal de Habitação (CMH) param de publicar atas das reuniões ordinárias mensais

Agosto de 2023 - Conferência Municipal de Habitação aprova, com o voto de 49 dos 61 delegados, revogação imediata do artigo 152 da Lei de Uso e Ocupação do Solo e do artigo 76 do Plano Diretor que passaram a permitir alteração das ZEIS mediante pagamento em dinheiro

Agosto de 2023 - Defensoria Pública do Estado requisita à Secretaria de Desenvolvimento Urbano cópia integral do Procedimento Administrativo nº 011617/2023-39

Outubro de 2023 - Secretaria e CMDU promovem audiência pública para tratar da demanda da Construtora Macuco, mas não dão publicidade à ata

Novembro de 2023 - Requisição de informações não é atendida e Defensoria Pública protocola mandado de segurança alegando que omissão viola garantias constitucionais de "defesa dos direitos individuais e coletivos" aos "grupos socialmente vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado"

Dezembro de 2023 - CMDU antecipa reunião ordinária para deliberar sobre o pedido da Construtora Macuco

Dezembro de 2023 - Juíza Fernanda Menna Pinto Peres, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Santos, suspende qualquer deliberação acerca da transação envolvendo os dois terrenos e determina a imediata remessa dos documentos à Defensoria Pública do Estado.

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