Santos

Jornalista e escritor Marcelo Godoy lança 'Cachorros' em Santos

A obra descreve a saga do agente Vinícius, que se tornou o mais importante espião cooptado pela inteligência militar

Carlos Ratton

Publicado em 17/08/2024 às 07:30

Atualizado em 17/08/2024 às 11:16

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Jornalista e escritor Marcelo Godoy é autor do livro 'Cachorros' / Emanuela Godoy/Divulgação

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Neste sábado (17), às 16 horas, na Livraria Realejo, à Rua Marechal Deodoro, 02, no Gonzaga, em Santos, o jornalista e escritor Marcelo Godoy lança o livro Cachorros, apoiado pelo Comitê Popular de Santos por Memória, Verdade e Justiça. 

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A obra, da Editora Alameda, descreve a saga do agente Vinícius, nome de guerra de Severino Deodoro de Mello, militante histórico do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que se tornou o mais importante espião cooptado pela inteligência militar nos anos de chumbo. Mello contribuiu para dezenas de sequestros, mortes, prisões e desaparecimentos que ajudaram a neutralizar o PCB nos anos 1970.

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Às vésperas do lançamento, o jornalista concedeu entrevista ao Diário do Litoral. Confira a seguir:

Diário do Litoral (DL) -  A Casa da Vovó, seu livro anterior, descortinou a uma espécie de ‘modis operandi’ dos equipamentos repressivos e seus agentes. Cachorros é uma continuação da obra sobre os olhos dos delatores? 

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Marcelo Godoy - Não exatamente. Cachorros nasce da pesquisa da A Casa da Vovó, mas, enquanto esta teve como ponto central a atuação do DOI-Codi, o Cachorros tem um outro ponto central: a atuação dos serviços secretos militares. E aí, surgem duas figuras centrais, por meio das quais eu conto sua história e de seu tempo: o dirigente comunista Severino Theodoro de Mello e seu tutor, o oficial da Aeronáutica Antônio Pinto.

DL - Pretende escrever um terceiro sobre com relatos dos torturados? 

Godoy - Esse é um tema dificílimo, abordar o universo de quem foi submetido ao tratamento desumano da tortura. Creio que seja um desafio ainda maior, pois trabalhar com essa memória é difícil até mesmo para quem passou por ela. Creio que seria um outro tipo de pesquisa, talvez uma história da tortura e dos castigos cruéis no país, algo que vai muito além do regime militar. Nunca havia pensado em enfrentá-lo. Até porque, depois de duas pesquisas que me tomaram 20 anos, pensava em descansar um ano antes de recomeçar a colocar a pedra montanha acima.

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DL - Você acredita que agentes e delatores deveriam perder os benefícios gerados pela anistia? Ou melhor, deveriam ser melhor responsabilizados pelo que fizeram, como ocorreu em outros países? 

Godoy - Eu acredito que todos devem ser responsabilizados por seus crimes. Sempre. Compreendo as circunstâncias históricas da anistia e sei que ela se refere às pessoas e não aos delitos. Transições negociadas, como a nossa e da África do Sul têm circunstâncias distintas daquelas feitas à quente, como na Argentina, após a Guerra das Malvinas. Aqui importa menos o meu sentimento pessoal e mais reconhecer as circunstâncias históricas que levaram à construção do nosso tipo de transição para a democracia.

DL - Você acredita que é preciso mais obras que busquem mostrar o que se esconde até hoje: os porões da ditadura brasileira? 

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Godoy - Eu acredito que são necessárias mais obras e pesquisas que ajudem a compreender a história. Cada geração irá depositar sobre os fatos as suas análises e interpretações. De toda forma, as sociedades precisam controlar e fiscalizar os governos e seus serviços secretos. É preciso iluminar os arcana imperial, colocar luz sobre o que é secreto a fim de que os governantes não estendam armadilhas contra os seus governados.

DL - Em sua opinião, por que ainda hoje existe uma cortina de fumaça em torno do período? 

Godoy - É que a memória e a história são terrenos de disputas dos grupos, classes e indivíduos. O passado se estende sobre o presente na medida em que muitos o enxergam como parte de um projeto de poder, de dominação e de disputa no qual a memória é ligado à legitimação de forças políticas do presente. São os guerreiros ideológicos do presente que procuram esconder, mentir e omitir os fatos.

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DL - Falta ainda muita coisa a ser revelada? 

Godoy - Sim. Não tenho pretensão nenhuma de pensar que todos os segredos estão ao alcance de nossas mãos. Muita coisa está irreparavelmente perdida, pois as poucas testemunhas já se foram e ninguém documentou ou se o fez, já se livrou de provas, de papéis e de testemunhas. Enfim, ainda acredito haver espaço para novas descobertas, mas elas se tornarão cada vez mais raras. É o momento agora da compreensão e da interpretação do período.

DL - O que precisa ser feito para que o Brasil, definitivamente, reconheça o que aconteceu e não permita que ocorra tudo outra vez?  

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Godoy - É preciso observar a Constituição. Ela foi feita por legisladores que viveram o período de arbítrio, onde a desigualdade perante à lei engendrava a injustiça social, onde o grande número - o povo - tinha sua soberania aviltada por uns poucos que diziam representá-lo nos odiosos colégios eleitorais. É preciso que todos compreendam a importância da defesa intransigente das liberdades, em que o aviltamento de uma representa uma ofensa a todas. É preciso, como dizia Enrico Berlinguer, que a democracia seja um valor universal, aquém e além do muro de Berlim. É preciso que ela seja um valor de todos e que aqueles que a traem e a atacam sejam considerados infames e nefastos.

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