Complemento de viaduto não leva em consideração a existência de comunidade no local, formada boa parte por idosos e crianças. / NAIR BUENO/DIÁRIO DO LITORAL
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Era por volta das 10 horas e a Reportagem se deparou com três crianças, duas meninas e um menino, de cerca de sete anos, brincando em frente ás suas casas, no final da Rua Etelvina de Paula Freire, a cerca de 30 metros do Viaduto Piratininga e a nova passarela de pedestres no bairro da Alemoa. Os equipamentos fazem parte do pacote de obras da Nova Entrada de Santos, realizadas pela Ecovias - concessionária que administra o Sistema Anchieta-Imigrantes (SAI).
A inocência delas ainda não permite que sintam a angustia de seus pais e de mais 72 famílias que serão despejadas em até 30 dias por força de uma liminar (decisão judicial antecipada) de uma ação de reintegração de posse de área pública, expedida pelo juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública de Santos, Márcio Kammer de Lima.
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A ação foi movida pela Ecovias e pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER), que pretendem remover as casas do local para liberar a continuidade à alça do novo sistema viário de acesso à Rodovia Anchieta, dentro da faixa de domínio do SAI - KM 62 mais 200, pista Norte.
Por enquanto, não há jeito. Crianças, jovens e idosos, muitos moradores há mais de 40 anos no local, terão que sair sob ameaça de uso de força policial. As pessoas alegam que receberam a notificação e não têm para onde ir.
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"Eu moro aqui há 32 anos, junto com minha companheira e três filhos adotivos. Não possuo renda para pagar aluguel. Eu e minha família vamos ter que morar debaixo do viaduto. Não vai ter outra alternativa", afirma Ausemir Joswiack.
Jhonatas dos Santos tem 33 anos, sendo 27 deles morando no local. "Eu praticamente nasci aqui. Trabalho na área de segurança e minha renda é R$ 1.500,00 mensais. Como vou pagar um aluguel e sustentar minha família. Recebi a ordem de despejo no sábado e mal consigo dormir. Trinta dias para retirar tudo e sair das casas que serão demolidas", afirma.
Valquíria Aparecida Veiga nasceu no local. Ela afirma que os moradores vão tentar recorrer à decisão, pois é uma questão de sobrevivência. "Eu sou manicure e tenho um filho de 12 anos. Não temos condições de sair. Eu sequer recebi a notificação e a única coisa que sei é que tenho que sair para o trator passar por cima de minha casa", lamenta.
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Cícero Mandu Cardoso afirma que não tem condições de sair. Junto com outro morador, ele lembra que pagam dezenas de impostos e inclusive conta de luz e água. "Se o Estado nos reconhece para pagar impostos e contas de serviços, tem que reconhecer nosso direito de moradia de muitos anos", afirma.
A advogada Sonia Regina dos Santos Mateus, moradora do Piratininga, está preparando a defesa dos vizinhos. "Essas pessoas que moram no fundo do Jardim Piratininga estão há décadas no local. Essa questão vai causar um caos social muito grande. A Prefeitura alega que é uma questão particular e que o Município não pode fazer nada para ajudá-los. O DER deveria rever a questão até encontrar uma forma de ajudar as famílias a terem uma nova moradia. A Prefeitura deveria incluí-las no projetos de moradia da COHAB-Santista", afirma.
O Viaduto Piratininga interligará as marginais norte e sul da Rodovia Anchieta, com retorno pelo bairro Piratininga. A nova estrutura integra a parte do Governo do Estado na Nova Entrada de Santos e está sendo erguida pela Ecovias. A previsão é de que o viaduto seja entregue ainda em 2020.
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Respondendo aos questionamentos de uma moradora desesperada pelo WhatsApp, o prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) tentou explicou a questão: "a ação de reintegração de posse está sob domínio do Governo do Estado. Foi movida pela Ecovias. O trecho é necessário para fazer o acesso ao alargamento da ponte sobre o Rio Casqueiro, em projeto que prevê a saída do binário em direção à São Paulo. A desapropriação não tem relação com o viaduto e as obras da Nova Entrada de Santos".
A LEI
O artigo 565 do Código de Processo Civil estabelece a necessidade de uma audiência de mediação previamente ao despejo com a participação obrigatória do Ministério Público e da Defensoria (se existirem pessoas de baixa renda) no caso de litígios pela posse coletiva de terra. Apesar disso, o juízo da 2ª Vara Pública de Santos/SP deferiu liminarmente o despejo dos moradores carentes por não considerar posse, mas mera detenção em razão da área se tratar de bem público, não passível de usucapião.
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A Reportagem, em uma breve pesquisa, encontrou decisão recente da 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), publicada em 08 de maio último, na qual foi ressaltada a necessária realização de referida audiência de mediação, nos termos do artigo 565, ainda que se trate de mera detenção de bem público, notadamente em razão de se tratarem de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Tal entendimento surgiu por recurso da Defensoria Pública.
ECOVIAS E DER
Procurados, informaram que ingressaram com um pedido de reintegração de posse de sete ocupações irregulares por se tratarem de construções irregulares. "Importante lembrar que zelar e proteger a faixa de domínio das rodovias está entre as obrigações contratuais da empresa com o Governo do Estado. Foi realizada reunião com os representantes, os quais fizeram algumas solicitações que estão sendo analisadas", finaliza a concessionária.
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