Segundo engenheiros ouvidos pelo Diário sob a condição de anonimato, há prédios em Santos com "recalque estrutural" de até 1,80 metros / Nair Bueno / Diário do Litoral
Continua depois da publicidade
Em 1977, o Edifício Excelsior, na esquina das avenidas Bartolomeu de Gusmão com Siqueira Campos, foi interditado. Naqueles dias, a inclinação do prédio chegou a 1,20 metro. O incidente escancarou para o mundo a fragilidade do solo santista, formado basicamente por areia e argila. E as técnicas construtivas adotadas na Cidade desde a década de 1940 foram colocadas em xeque. Vinte e dois anos depois, uma torre com linhas arrojadas foi entregue aos moradores, na Aparecida. O sonho da casa própria realizado! A alegria de sentir a brisa do mar. Nesse intervalo de tempo entre o incidente no Excelsior e o habite-se do novo edifício, legislações mais exigentes foram adotadas pelo Município. E as fundações passaram a ser mais profundas, chegando a 50 metros de profundidade em alguns casos. Mas, a torre de linhas arrojadas também entortou. Hoje, exatos 25 anos após a entrega das chaves aos moradores, o edifício com nome chique está na lista dos 65 que requerem mais atenção do poder público devido ao acentuado grau de inclinação.
Mas, o prédio com nome francês perto da Fonte do Sapo não é o único erguido perto da virada do século a entrar na lista dos 65 mais inclinados de Santos, segundo documento oficial da Prefeitura a que o Diário do Litoral teve acesso com exclusividade.
Continua depois da publicidade
Em outro ponto da Aparecida, também a meia quadra da praia, uma torre de alto padrão entregue aos moradores em 1993 também atingiu um nível de desaprumo “acentuado”. O edifício de linhas elegantes tem nome grego e fica perto do Sesc.
Essa condição de declividade “acentuada” está prevista na norma NBR: 6118-2003, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). E se dá quando a inclinação da estrutura é igual ou superior a 0,5% da altura total da construção.
Continua depois da publicidade
Ou seja, para a ABNT um edifício com dez andares, o chamado desaprumo “acentuado” já ocorre a partir de 15 centímetros. E essa declividade é medida comparando o desalinhamento entre as paredes do térreo e da última laje, no topo da edificação.
Parece pouco, mas, nesse nível, os encanamentos já podem apresentar problemas. Trincas podem surgir nas paredes. E pessoas com labirintite já sentem algum desconforto.
E, segundo engenheiros ouvidos pelo Diário sob a condição de anonimato, há prédios em Santos com “recalque estrutural” de até 1,80 metros. Nesses casos, a culpa é das chamadas “sapatas rasas”, ou seja, fundações pouco profundas.
Continua depois da publicidade
Essa técnica foi adotada pelas primeiras construtoras que passaram a erguer grandes torres na orla a partir do final da década de 1940 para atender o crescente fluxo de veranistas.
Naqueles dias, levas de turistas “descobriram” Santos, trazidos à praia pela então recém-inaugurada Via Anchieta. E os balneários e os hotéis já não supriam a demanda.
A primeira torre surgiu na esquina da Rua Ricardo Pinto com a praia, na Aparecida. Depois, veio o Edifício Santo Antônio, construído logo após a inauguração da Igreja do Embaré.
Continua depois da publicidade
Mas, as construtoras da época não tinham conhecimento técnico e capacidade tecnológica para construir estruturas tão altas em um solo tão frágil. E as sapatas eram rasas, impróprias para um solo com camada de areia com 3 a 4 metros em alguns pontos da Cidade, seguida por um novo “recorte” formado por argila marinha, ainda mais instável que a areia. Essa camada chega a ter até 60 metros de profundidade.
Segundo o professor Juarez Ramos da Silva, da Universidade Católica de Santos, naqueles dias “eram prédios quadradões, sem apelos e atributos arquitetônicos e não se conhecia a geologia local”. Mais: o professor explica que, na época da construção dos primeiros prédios da orla “a legislação era simples e não havia fiscalização efetiva”.
E essas características do subsolo santista, somadas às técnicas construtivas inadequadas, acabaram provocando cargas muito elevadas nos pilares dos edifícios erguidos entre as décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970. Os pilares são as colunas de sustentação dos prédios. E essas sobrecargas levaram aos recalques nas fundações.
Continua depois da publicidade
Em outras palavras, sob a pressão das toneladas de concreto e alvenaria, o solo frágil como uma esponja e flexível como uma massa de modelar das crianças cedeu. “O que aconteceu em Santos é uma excentricidade muito grande”, resume o engenheiro José Carlos Garcia, que há 42 anos faz cálculos estruturais e acompanha a situação dos prédios tortos de Santos.
Segundo a Prefeitura, há 319 prédios tortos em Santos atualmente.
Continua depois da publicidade