Além do viaduto, outro exemplo bastante comentado nas redes sociais foi o da nova Praça Benedito Calixto / Nair Bueno/DL
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A possibilidade de Santos, em breve, ter que se readaptar rapidamente e pôr fim à arquitetura hostil espalhada em todo o município assim que a Presidência da República tornar lei o projeto, aprovado na Câmara dos Deputados, publicada ontem (5) pelo Diário, vai ao encontro do pensamento de especialistas que, num passado não muito distante, já alertavam sobre o aumento, na Cidade, de técnicas construtivas em espaços livres de uso público que visem afastar pessoas em situação de rua, idosos, jovens e outros segmentos da população. As chamadas arquiteturas hostis.
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A Reportagem ouviu profissionais de arquitetura urbana para se certificar da situação já observada e reportada quando da inauguração do Viaduto Prefeito Paulo Gomes Barbosa, na entrada da Cidade, em que foram colocadas pedras sob o equipamento para também evitar a presença de pessoas sem moradia. Em São Paulo, a Prefeitura corrigiu o erro após ações do padre Júlio Lancelotti. Santos, ainda não.
Vale lembrar que a vereadora Débora Camilo (PSOL) apresentou um projeto de lei para proibir o emprego de 'arquitetura hostil' em espaços livres de uso público. A ideia e coibir a instalação de pequenas grades, arames e outros materiais que impedem, por exemplo, a ocupação e abrigo de pessoas em situação de rua e alta vulnerabilidade social.
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Além do viaduto, outro exemplo bastante comentado nas redes sociais foi o da nova Praça Benedito Calixto, em frente à Igreja da Pompeia, cujos bancos individuais prejudicam não só a interação social, como evitam que pessoas em situação de rua os usem como camas. Há casos de bancos em outros locais cujo assentos são irregulares, justamente para causar desconforto ao deitar.
O arquiteto e professor universitário Rafael Ambrósio, suplente de vereador em Santos, percebe com clareza o que vem ocorrendo. "Muitas cidades, que não conseguem resolver seus problemas de assistência social aos mais vulneráveis, promovem a gentrificação (o processo de expulsão de populações com menos renda de locais que passam por valorização econômica), empurrando famílias de baixa renda e excluídos para fora, para as periferias. O mesmo acontece quando espaços públicos são projetados e construídos para evitar a presença indesejada dessas pessoas. Isso traz a ilusão de uma cidade organizada e sem problemas sociais aos outros cidadãos, além de uma falsa sensação de segurança", explica.
Ambrósio lembra de inúmeros exemplos, como pontas de aço em degraus e beirais, chapas de aço em frente a comércios, bancos com design 'anti-mendigo', fachadas sem marquises, goteiras estratégicas, pisos desnivelados, guarda-corpos, grades e pedras, que servem como elementos "que infelizmente compõem a paisagem urbana visando tirar da vista as pessoas que não se quer ver. E essa hostilidade planejada pode estar representadas de forma sútil ou explícita", completa.
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LEMA.
Outro professor e arquiteto urbanista, José Marques Carriço, acredita ser uma vergonha para uma cidade cuja maior parte da população é cristã. "Urbanismo sem empatia, sem amor ao próximo. Atualmente, minha principal pesquisa tem sido a apropriação de espaços privados de uso público. Porém, tenho estudado experiências em vários países e no próprio Brasil de como alguns desses espaços acolhem ou repelem a população de rua. No Boqueirão uma série de intervenções desastrosas arruinaram um dos calçadões mais agradáveis da cidade, na quadra entre a Avenida Epitácio Pessoa e a praia. No BNH do bairro da Aparecida, alguns condomínios muraram seus espaços degradando bastante uma das mais generosas áreas privadas de uso público da cidade", exemplifica.
Outra arquiteta envolvida e preocupada com a situação é Jaqueline Fernandez. Ela lembra que essa característica já foi política pública na virada do século 19 para o 20, quando cortiços e moradias onde pobres e imigrantes moravam foram sendo paulatinamente destruídos para que a cidade moderna e higienizada pudesse aparecer. Ele revela que são sempre os desfavorecidos que sofrem com isso.
"Enquanto não houver um equilíbrio social neste País, isso só tende a piorar. Há a falta de empatia com o semelhante. É melhor tapar o sol com a peneira do que se incomodar com o seu semelhante. O problema é sempre o outro e não a parte de responsabilidade que me cabe também", opina.
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A arquiteta lembra o Outeiro de Santa Catarina que por duas vezes em dez anos recebeu obras de revitalização e restauro que se tornou um lugar público gradeado. A população que mora no entorno poderia levar os filhos no final de semana para brincar ao ar livre, mas é como se ninguém tivesse direito a esse espaço. Um urbanismo democrático se entende que os espaços da cidade são públicos e deveriam ser projetados para a coletividade. Mas o que se vê são áreas privadas sectárias", lamenta
Jaqueline dá outro exemplo recente: a Rodoviária de Santos. A reforma previu como prioridade que o espaço fosse fechado todo o seu perímetro com ênfase ao controle de entrada para retrair a ação de pessoas pedindo esmolas. Ao invés de se tratar com responsabilidade a falta de equilíbrio social, se prefere a ação imediata e reacionária", completa.