Thais Helena fez uma apresentação emocionante para dezenas de pessoas presentes / Divulgação
Continua depois da publicidade
A aluna Thaís Helena Modesto Villar de Carvalho, agora formada em Serviço Social pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), "quebrou o protocolo" e conseguiu apresentar seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) "Eu não tinha condições de pagar um aluguel decente: a política habitacional e urbana segundo a perspectiva da(s) mulher (es) negra(s)" no Dique da Vila Gilda - a maior favela em palafitas da América Latina, localizada em Santos.
Faça parte do grupo do Diário no WhatsApp e Telegram.
Mantenha-se bem informado.
Continua depois da publicidade
Sob orientação da professora doutora Tania Maria Ramos de Godoi Diniz e tendo a renomada escritora Djamila Ribeiro como parte da banca, além assistentes sociais que trabalham na Secretaria de habitação de Osasco: Mariana da Costa Barros; Fernanda Galhardo Carpanelli, Talita Luzia Tecedor e Lucas Lopes de Almeida, Thaís inovou ainda com a apresentação do filme "Mulheres da Maré: qual cor das palafitas?" - uma homenagem a oito mulheres moradoras de palafitas da Cidade.
Apesar de ser de praxe apresentar esse tipo de trabalho dentro da universidade, o evento aconteceu na favela, priorizando o lugar de pertencimento de Thaís e dos sujeitos e sujeitas retratados no trabalho e no filme. Primeiro as crianças do Arte no Dique fizeram uma apresentação de percussão com músicas de matriz africana, depois Thaís defendeu seu trabalho mostrando dados, o quadro, e os instrumentos da política habitacional e urbana.
Continua depois da publicidade
Depois, foi discutida a importância da primeira banca fora da universidade e exibido o filme. Por fim, as mulheres entrevistas no documentário foram homenageadas com girassóis placas de ruas. Os CEPs das placas substituem ruas de Santos com nome de escravocratas.
RACISMO
"O trabalho teve o objetivo identificar como o racismo se manifesta na política habitacional de Santos por meio dos processos burocráticos, planos e diretrizes habitacionais, que resultam em formas desumanas de vivência para população negra no Dique da Vila Gilda e seus moradores que vivem em condições precárias e insalubres há décadas, com estigmas territoriais e forte presença de violência, tendo dificuldades de acesso a bens e serviços essenciais, sem que haja indicação do poder público de solução definitiva que realmente contemple as demandas e necessidades dessa população", revela Thaís.
Continua depois da publicidade
Segundo a jovem assistente social, a ocupação de palafitas em Santos contrasta com a região considerada nobre que possui condomínios de luxo, com o metro quadrado mais caro da Região Metropolitana da Baixada Santista, que tem oportunidades, investimentos, pressões imobiliárias, sendo um território urbano planejado que segue princípios de uma cidade moderna, histórica e metrópole das cidades vizinhas
"O estudo apoia-se do ponto de vista histórico conceitual, na forma como se desenvolveu historicamente a ocupação do solo no Brasil, nos 336 anos de escravidão em Santos, na Lei de Terras em 18 de setembro de 1850 e a Lei Áurea em 1888, tendo como principal interlocutor o Estado. Também em alguns aspectos históricos da ocupação da cidade de Santos, a presença negra e sua desqualificação no pós-abolição percorrendo até os dias atuais e em como o Dique da Vila Gilda surge enquanto uma alternativa de moradia quando as políticas habitacionais existentes não contemplam a população negra", conta Thaís.
O TCC explica ainda que as consequências de processos escravocratas, de processos do pós abolição, e as políticas de imigração e migração, ecoam de forma desumana nas periferias do país e nas palafitas em Santos que, somado ao excessivo e não planejado fracionamento urbano em que a cidade vive, produzem situações caóticas na ocupação de palafitas estabelecida há mais de 40 anos na cidade, com mães chefes de família, que convivem cotidianamente com a presença e o poder do tráfico de drogas e repressões policiais.
Continua depois da publicidade
O trabalho busca por meio de alguns aspectos históricos da ocupação da cidade e Dique da Vila Gilda, além de entrevistas de mulheres habitantes das palafitas, construir explicações a partir do debate étnico-racial e do significado que essas mulheres dão a essa situação de insalubridade e formas de enfrentamento, não apenas descrevendo a atual situação da população negra que habita nas palafitas, mas sim, como os mecanismos desse estado capitalista os impede de ter acesso à igualdade material e imaterial.
"Estudando o plano municipal de habitação, iremos encontrar diversos mecanismos e instrumentos urbanísticos que descriminam essa população, os principais deles são despejos, remoções forçadas e um plano de reassentamento involuntário que diz que nós não temos educação sanitária, sujamos a orla de praia e por isso é necessário a nossa saída do local, indicando as cidades vizinhas", conta
Conforme explica, a ausência de educação sanitária e de assepsia no uso do espaço coletivo pelos habitantes gera hábitos como o lançamento direto de dejetos para fora da unidade habitacional, ou seja, na rua, no rio ou no mar, provocando acúmulo de detritos e aumento dos vetores de insalubridade. Tais fatores seriam responsáveis - dentre outros - pelos altos níveis de insatisfação e desconforto da população, pelos conflitos sociais, pelo aumento da marginalidade e da violência local, e também pela, não menos importante, contaminação e poluição crescente das praias e das águas dos estuários. "Não é atoa que famílias que sofreram incêndio nas palafitas de Santos nos últimos anos foram atendidos em conjuntos habitacionais no Tancredo Neves, em São Vicente", comenta.
Continua depois da publicidade
NA ORLA
Segunda a autora, não há número expressivo de pessoas pretas que morem na orla da praia e nas zonas intermediarias da cidade. E foi com base nesse quadro que ela estudou quais mecanismos da política habitacional e urbana mantém e reforçam essa situação
"Além do plano municipal de habitação e o plano de reassentamento involuntário, observamos que todos os projetos e programas habitacionais são vinculados a renda formal ou salários. Você necessariamente precisa comprovar que não tem renda suficiente para financiar casa pelo mercado privado, e ao mesmo tempo comprovar que tem renda suficiente para pagar luz, água, e as prestações desses conjuntos habitacionais", finaliza, enfatizando que a população negra é a que menos consegue acessar o trabalho formal, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
Continua depois da publicidade