Santos

Aluna quebra protocolo e apresenta TCC e filme em favela santista

Filme "Mulheres da Maré: qual cor das palafitas?" - uma homenagem a oito mulheres moradoras de palafitas da Cidade

Carlos Ratton

Publicado em 28/09/2022 às 07:00

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Thais Helena fez uma apresentação emocionante para dezenas de pessoas presentes / Divulgação

A aluna Thaís Helena Modesto Villar de Carvalho, agora formada em Serviço Social pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), "quebrou o protocolo" e conseguiu apresentar seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) "Eu não tinha condições de pagar um aluguel decente: a política habitacional e urbana segundo a perspectiva da(s) mulher (es) negra(s)" no Dique da Vila Gilda - a maior favela em palafitas da América Latina, localizada em Santos.

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Sob orientação da professora doutora Tania Maria Ramos de Godoi Diniz e tendo a renomada escritora Djamila Ribeiro como parte da banca, além assistentes sociais que trabalham na Secretaria de habitação de Osasco: Mariana da Costa Barros; Fernanda Galhardo Carpanelli, Talita Luzia Tecedor e Lucas Lopes de Almeida, Thaís inovou ainda com a apresentação do filme "Mulheres da Maré: qual cor das palafitas?" - uma homenagem a oito mulheres moradoras de palafitas da Cidade.

Apesar de ser de praxe apresentar esse tipo de trabalho dentro da universidade, o evento aconteceu na favela, priorizando o lugar de pertencimento de Thaís e dos sujeitos e sujeitas retratados no trabalho e no filme. Primeiro as crianças do Arte no Dique fizeram uma apresentação de percussão com músicas de matriz africana, depois Thaís defendeu seu trabalho mostrando dados, o quadro, e os instrumentos da política habitacional e urbana.

Depois, foi discutida a importância da primeira banca fora da universidade e exibido o filme. Por fim, as mulheres entrevistas no documentário foram homenageadas com girassóis placas de ruas. Os CEPs das placas substituem ruas de Santos com nome de escravocratas.

RACISMO

"O trabalho teve o objetivo identificar como o racismo se manifesta na política habitacional de Santos por meio dos processos burocráticos, planos e diretrizes habitacionais, que resultam em formas desumanas de vivência para população negra no Dique da Vila Gilda e seus moradores que vivem em condições precárias e insalubres há décadas, com estigmas territoriais e forte presença de violência, tendo dificuldades de acesso a bens e serviços essenciais, sem que haja indicação do poder público de solução definitiva que realmente contemple as demandas e necessidades dessa população", revela Thaís.

Segundo a jovem assistente social, a ocupação de palafitas em Santos contrasta com a região considerada nobre que possui condomínios de luxo, com o metro quadrado mais caro da Região Metropolitana da Baixada Santista, que tem oportunidades, investimentos, pressões imobiliárias, sendo um território urbano planejado que segue princípios de uma cidade moderna, histórica e metrópole das cidades vizinhas

"O estudo apoia-se do ponto de vista histórico conceitual, na forma como se desenvolveu historicamente a ocupação do solo no Brasil, nos 336 anos de escravidão em Santos, na Lei de Terras em 18 de setembro de 1850 e a Lei Áurea em 1888, tendo como principal interlocutor o Estado. Também em alguns aspectos históricos da ocupação da cidade de Santos, a presença negra e sua desqualificação no pós-abolição percorrendo até os dias atuais e em como o Dique da Vila Gilda surge enquanto uma alternativa de moradia quando as políticas habitacionais existentes não contemplam a população negra", conta Thaís.

O TCC explica ainda que as consequências de processos escravocratas, de processos do pós abolição, e as políticas de imigração e migração, ecoam de forma desumana nas periferias do país e nas palafitas em Santos que, somado ao excessivo e não planejado fracionamento urbano em que a cidade vive, produzem situações caóticas na ocupação de palafitas estabelecida há mais de 40 anos na cidade, com mães chefes de família, que convivem cotidianamente com a presença e o poder do tráfico de drogas e repressões policiais.

O trabalho busca por meio de alguns aspectos históricos da ocupação da cidade e Dique da Vila Gilda, além de entrevistas de mulheres habitantes das palafitas, construir explicações a partir do debate étnico-racial e do significado que essas mulheres dão a essa situação de insalubridade e formas de enfrentamento, não apenas descrevendo a atual situação da população negra que habita nas palafitas, mas sim, como os mecanismos desse estado capitalista os impede de ter acesso à igualdade material e imaterial.

"Estudando o plano municipal de habitação, iremos encontrar diversos mecanismos e instrumentos urbanísticos que descriminam essa população, os principais deles são despejos, remoções forçadas e um plano de reassentamento involuntário que diz que nós não temos educação sanitária, sujamos a orla de praia e por isso é necessário a nossa saída do local, indicando as cidades vizinhas", conta

Conforme explica, a ausência de educação sanitária e de assepsia no uso do espaço coletivo pelos habitantes gera hábitos como o lançamento direto de dejetos para fora da unidade habitacional, ou seja, na rua, no rio ou no mar, provocando acúmulo de detritos e aumento dos vetores de insalubridade. Tais fatores seriam responsáveis - dentre outros - pelos altos níveis de insatisfação e desconforto da população, pelos conflitos sociais, pelo aumento da marginalidade e da violência local, e também pela, não menos importante, contaminação e poluição crescente das praias e das águas dos estuários. "Não é atoa que famílias que sofreram incêndio nas palafitas de Santos nos últimos anos foram atendidos em conjuntos habitacionais no Tancredo Neves, em São Vicente", comenta.

NA ORLA

Segunda a autora, não há número expressivo de pessoas pretas que morem na orla da praia e nas zonas intermediarias da cidade. E foi com base nesse quadro que ela estudou quais mecanismos da política habitacional e urbana mantém e reforçam essa situação

"Além do plano municipal de habitação e o plano de reassentamento involuntário, observamos que todos os projetos e programas habitacionais são vinculados a renda formal ou salários. Você necessariamente precisa comprovar que não tem renda suficiente para financiar casa pelo mercado privado, e ao mesmo tempo comprovar que tem renda suficiente para pagar luz, água, e as prestações desses conjuntos habitacionais", finaliza, enfatizando que a população negra é a que menos consegue acessar o trabalho formal, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

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