Papo de Domingo

Conheça o bistrô que fornece comida para o corpo e cultura para a alma

Um bistrô que vende café, almoço e histórias.

Vanessa Pimentel

Publicado em 11/11/2018 às 14:13

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O clima diferente pode ser notado já na calçada que abriga o Saluca Bistrô e Café, no Canal 5, em Santos. / Nair Bueno/DL

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O clima diferente pode ser notado já na calçada que abriga o Saluca Bistrô e Café, no Canal 5, em Santos: muitas plantas na fachada; bicicleta com cesta de flor; uma lousa que, além do prato principal, traz diariamente uma frase de música ou um pensamento inspirado.

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Ao entrar, a sensação de que o local oferece mais do que comida se confirma, basta olhar a decoração para perceber que cada item tem uma história. Para matar a fome de conhecimento a opção do dia é adquirir qualquer um dos livros espalhados por todos os cantos. Já quem procura conselhos pode prestar atenção nas letras das músicas escolhidas a dedo pelo proprietário Júnior Landim.

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Assim, enquanto os clientes saboreiam o pão de queijo mineiro que “muda vidas”, segundo Júnior, se aprende com Lenine que é preciso ter ‘Paciência’, com o sempre atual Raul que é melhor “ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”, ou ainda ouvir o sábio Cartola lhe chamar de amor para dizer que ‘O Mundo é um Moinho’, vai triturar os sonhos mesquinhos e reduzir as ilusões a pó – ainda que dura, a lição é uma poesia.

Quem faz o desjejum ou almoça no Saluca, se ainda não sabe, vai compreender a importância de não desperdiçar comida, e isso vale principalmente para o biscoitinho açucarado servido junto ao café. “Isso aqui rodou 600 km para estar aqui. E o café? Tem noção de todo o processo que ele passou para chegar à sua xícara? Esse aqui veio lá da Serra da Mantiqueira. Quando você se dá conta dessas coisas nunca mais vai tomar o café do mesmo jeito”, analisa. 

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E é verdade. Ao pensar em toda a logística por quais os produtos passam o paladar aguça e o valor dado a cada ingrediente aumenta. Já o valor dos títulos de uma pessoa ou a posição social dela, não. Pelo menos não para o mineiro que, talvez pela vida que teve, talvez pela sabedoria da alma, não liga para esses detalhes. 

“Para mim o mais importante é saber seu nome e não sua profissão, seus títulos, se tem dinheiro ou não”, diz Júnior. 

A ideia de ambientar o restaurante como “casa de vó” e de nomear seus pratos de formas divertidas: feijoada do amor, frango assado à moda do matuto, hambúrguer de Anakin Skywalker, strogonoff de galáxias longínquas ou as panquecas do vale encantado, têm atraído pessoas de todas as idades e ganhado compartilhamentos nas redes sociais.
 
Aliás, Saluca é o apelido da avó de Júnior, uma das responsáveis por ensinar as receitas que ele sabe fazer e a maneira simples de levar a vida. Nesta edição de Papo de Domingo, confira um pouco mais da história desse mineiro que, ao lado da família, escolheu Santos para instalar o bistrô que fornece comida para o corpo e cultura para a alma.
  
DL – Como surgiu a ideia de promover cultura em seu restaurante?
Júnior - Entram muitas pessoas aqui, então eu penso que tenho na minha mão a possibilidade de mostrar para elas algo que talvez nunca tenham visto, por exemplo, o prazer de ler, de ouvir uma música com uma letra bacana, de comer com calma, proporcionar uma experiência muito mais profunda do que só saciar a fome. 

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DL – Com funciona a ‘campanha de vacinação contra a falta de leitura’?
Júnior - Na compra de um pacote de pão de queijo congelado, o cliente ganha desconto em um livro da editora Ateliê de Palavras.  

DL – Como tudo começou? 
Júnior - Começou em 2014 quando abri a Plic Ploc, uma bomboniere que tinha metade disso aqui (tamanho do estabelecimento). O pessoal entrava e com tanta música boa não queria mais sair. Aí tivemos que aumentar. Deixo os instrumentos aí para que os clientes possam tocar, discos, plantas. Até sarau já rolou sem ter combinado. 

DL – Você tem uma história de vida interessante que acabou sendo alvo de uma reportagem especial no jornal Tribuna de Minas. Pode contar essa história?
Júnior – Eu nasci 19 de novembro de 1979, em Volta Redonda, no Rio de Janeiro, mas minha família é mineira. Na época meu pai estava com câncer nos ossos e minha mãe com uma depressão severa. Então fui adotado com seis meses pelos meus tios, o irmão do meu pai. Minha irmã com um ano e meio e meu irmão de três anos também foram adotados, mas por outros parentes. Cada um foi para um lugar. Eu fui morar com meus tios num sítio em Vargem Grande Paulista. Meu pai acabou morrendo aos 42 anos e minha mãe biológica surtou de vez. Não tive vínculo com ela, até que em 2018, depois de 38 anos longe, eu reencontrei minha mãe. 

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DL – Por que depois de tanto tempo?
Júnior - Nunca quis ir atrás, tinha um bloqueio, mas depois do nascimento do meu filho, há seis anos, a vontade de conhecer minha própria história cresceu. E quem contribuiu muito para que eu fosse atrás dos meus antepassados foi minha esposa Renata. Ela me trouxe um lado mais espiritualizado. 

DL – Como foi o reencontro com sua mãe?
Júnior – Nós pesquisamos e vimos que minha mãe estava morando em uma casa terapêutica em Juiz de Fora. Aí no feriado da Páscoa eu fui até lá. Foi muito emocionante e eu fiquei impressionado como ela ainda tem a memória preservada mesmo tomando remédios a vida toda. Minha mãe chegou a ser moradora do maior manicômio de Minas Gerais, o antigo Colônia, conhecido como o holocausto brasileiro. Penso que depois de ter passado alguns anos ali, talvez hoje ela tenha muito mais problemas do que ela tinha antes. Aquele hospital era um lugar de higiene pessoal. Ali eram colocadas as pessoas que não se encaixavam nos padrões sociais, enfim. Como na primeira vez que fui visitá-la só pude ficar um dia, voltei no feriado de sete de setembro e levei a família toda. Almoçamos juntos pela primeira vez na vida. 

DL – Você criou um blog, o Gamela Contos e Causos para contar estas histórias?
Júnior – Eu escrevi como foi reencontrar minha mãe, mas quem publicava minhas histórias é meu amigo Marcão no blog que ele tem.  Os textos tiveram muita leitura e um tempo depois a jornalista Daniela Arbex, a autora do livro Holocausto Brasileiro, que conta os horrores do hospital que minha mãe morou, entrou em contato comigo para fazer uma reportagem sobre esse reencontro após 38 anos. Todas essas histórias hoje estão no meu blog também.

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DL – Você tem também um canal no Youtube? 
Júnior – Sim, é o Saluca Sound, onde abro espaço para músicos autorais se apresentarem e o Saluca Cult, onde faço pequenas entrevistas com pessoas que têm histórias interessantes. Meu próximo entrevistado é um coletor de lixo que seria um excelente coach (profissional de desenvolvimento pessoal).

DL – Às vezes, os pensamentos diários que coloca na lousa são politizados. Como tem acompanhado o momento político do país? 
Júnior - Para mim a política é algo desastroso. Eu não voto há 12 anos por não acreditar mais no que temos como político. Uma vez um conhecido me perguntou quem era o meu candidato e quando eu respondi que não votava, ele falou que eu estava ferrando meu país. Então eu perguntei quantas vezes ele tinha visto a imagem do cara furando a barriga do Bolsonaro. Ele disse que mais de 50 vezes, de todos os ângulos. Aí perguntei se ele também tinha visto a entrevista que eu fiz com um professor chamado Toninho que é um cara que vai além do que ele é pago para fazer, transforma a vida da moçada, vai vestido de Mário de Andrade dar aula, leva vinil para que os alunos estudem gramática com Elis Regina. 

Ele me respondeu que nem tinha aberto o link que enviei. Aí eu falei: quem tá ferrando o país é você que prefere ver um cara enfiar a faca no outro ao invés de assistir um cara fantástico, um exemplo, que ainda se mantém nesta profissão massacrada no Brasil. A maioria da nossa população é hipócrita. O que está acontecendo hoje no país é bom porque vai expor o que a sociedade brasileira é de fato, todo esse monte de gente preconceituosa, de visão classista, que vive às escuras virá à tona. E cabe a sociedade olhar e pensar o que iremos fazer com isso tudo. Não tem nada de povo simpático e a política é reflexo disso. Pela primeira vez seremos desmascarados. 

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DL – Seu bistrô tem ganhado admiradores pela originalidade da proposta. Qual o segredo?
Júnior – Eu amo fazer o que faço, não sei se tem um nome técnico para isso, mas para mim a ideia é que as pessoas se sintam acolhidas. Uma vez uma cliente cheia de títulos perguntou qual era a minha formação. Eu respondi: sou desinformado, não me encaixo em nenhuma forma. Este tipo de questionamento acontece porque as pessoas associam que se você faz uma coisa bem feita é porque é formado. As coisas são efêmeras, tudo vai passar, entendeu? 
Daqui há pouco isso aqui também não existe mais, eu já fui fazer outra coisa, então porque não estar aqui e fazer a coisa ser fantástica? Isso foi o que eu aprendi na vida com pessoas muitos simples. 

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