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Mudança radical na economia do País e reforma política são duas das bandeiras da presidenciável Luciana Genro (PSOL). A ex-deputada federal do Rio Grande do Sul cumpriu agenda ontem em Santos e se mostrou crítica ácida da relação mantida do Governo Federal com o Congresso. Na visita ao Diário do Litoral, onde foi recebida pela editora-chefe, Tatyane Casemiro, não faltaram críticas a Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB) e também ao atual modelo de campanha eleitoral. Confira, a seguir, a entrevista:
Diário do Litoral – A Baixada Santista vive momentos de expectativa de viabilização de projetos de mobilidade urbana, como túneis e VL. Caso eleita, como a senhora vai se posicionar com relação a esses projetos?
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Luciana Genro – Sei que há controvérsias em alguns projetos sobre qual seria o mais adequado. Nesses casos em que há controvérsia, devemos fazer debate com a comunidade. Uma das propostas que temos em relação à mudança do sistema político é valorizar mais o processo de democracia direta, com plebiscitos e referendos. Quando há uma controvérsia sobre um projeto, a melhor forma de decidir é pela democracia direta. Eu faria plebiscitos em parceria com Prefeitura e Governo do Estado.
DL - Que outros assuntos do País precisam de plebiscito?
Luciana - Hoje estamos participando de um movimento de um plebiscito pela reforma política. É um plebiscito para manifestar a vontade de uma Constituinte para a reforma política. Não é um plebiscito oficial, mas organizado por movimentos para que o povo possa expressar sua opinião. Há muitos temas relevantes cujas decisões implicam em consequências muito drásticas.
DL - Cite um exemplo.
Luciana - Há uma grande controvérsia sobre a dívida pública. Dizem que o PSOL defende o calote. O que somos contra é que se continue fazendo superávit primário, economizando os impostos pagos pelo povo para destinar para o pagamento da dívida pública. Isso só beneficia os investidores, os especuladores, assim como famílias mais ricas do Brasil que são as donas dos títulos, principalmente os bancos. Uma decisão a ser tomada de forma plebiscitária é essa: o Brasil deve continuar destinando 40% de seu orçamento para pagar juros da dívida? Ou devemos fazer uma auditoria nessa dívida e suspender esse pagamento para os bancos e averiguar todas essas irregularidades que desde a época que foi contraída essa dívida se suspeita que existam até juros sobre juros?
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DL – A proposta de um modelo tão diferente do atual não pode afastar investimentos de fora?
Luciana - Afasta investimentos especulativos, fundamentalmente. O que acontece hoje: os bancos pegam dinheiro emprestado lá fora, nos EUA na Europa, a juros praticamente zero. Pegam empréstimo, trazem para cá e compram títulos da dívida pública a juros de 13%, 14%, 16% ao ano. É um grande negócio. Esse tipo de investimento é puramente especulativo, não entra na produção. É meramente transferência de renda para esse setor financeiro. Precisamos rever esse modelo. É o que estamos questionando. É o que digo: a Dilma, o Aécio e a Marina são três irmãos siameses, que embora tenham diferenças entre si, defendem o mesmo modelo econômico de controle da inflação na base das altas de juros, de atrair capital especulativo e não romper essa lógica, como fez o Equador.
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DL – Como foi a experiência do Equador?
Luciana - O Equador fez uma auditoria de sua dívida e conseguiu anular 75% do valor. No Brasil, os bancos e investidores estrangeiros representam quase 50% desse valor que vai para dívida pública. Teríamos que preservar os fundos de pensão, e os pequenos e médios investidores. Toda parte que vai para os bancos, suspende, e vai para auditoria. Já faz 20 anos que o Brasil faz superávit primário.
DL - Para fazer muitas das reformas, a senhora vai precisar tratar com o Congresso. Como é possível fazer a maioria dos deputados aprovarem as reformas que a senhora quer, em uma casa acostumada a fazer barganhas?
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Luciana - Eles tem que fazer essas barganhas, o Governo faz essas barganhas porque em geral as medidas que tem de ser aprovadas são totalmente contrárias à vontade popular. Um exemplo: a reforma da Previdência Social, que foi que gerou o mensalão, tinha na época uma greve dos servidores públicos, e toda a sociedade sabia que era uma injustiça se cobrar contribuição de aposentados. Então não tinha apelo popular. Para votar uma matéria impopular, os deputados exigem essa contrapartida. Seja o balcão de negócios ilegal, o mensalão, ou a compra de fotos que o Fernando Henrique fez para a reeleição, ou a indicação de cargos, a liberação de emendas, que é a compra de votos legalizada.
DL - A senhora acha que consegue emplacar reformas no convencimento, no diálogo?
Luciana - No convencimento, no diálogo, principalmente a partir da pressão popular porque faz muita diferença. Em julho de 2013, com o povo na rua, se conseguiu aprovar matérias na Câmara que estavam dormindo nas gavetas há séculos, como o fim do voto secreto e o projeto classificando a corrupção como crime hediondo. Por outro lado, depois que refluem as mobilizações, volta tudo ao normal.
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DL - A senhora já foi deputada e sabe que é difícil manter parcela significativa da poplulação mobilizada. Como faria, então?
Luciana - Por isso que eu digo que não é “junho” (mês em que se intensificaram as manifestações em 2013) o tempo inteiro, mas levar o povo à participação popular mais forte no processo d votação, de se manifestar nas redes sociais, isso faz uma diferença grande. E, obviamente, que se eu for eu eleita presidente é porque nós teremos um nível de mobilização muito superior a que tem hoje. Eu não serei eleita em um passe de mágica, mas como resultado de um processo. Então teríamos correlação de forças mais propícia a esse tipo de intervenção mais direta do povo no Congreesso.
DL - Qual sua opinião sobre divulgação de pesquisas eleitorais. A crítica mais usual é feita porque há quem enxergue pessoas mudando o voto para candidatos mais bem colocados do que outros só para tentar derrotar um terceiro. O que a senhora pensa disso?
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Luciana – Acho que tem modelos em países bem interessantes que proíbem divulgação de pesquisas 15 dias antes da eleição. Eu seria a favor de um modelo como esse. Não de banir totalmente, mas de interrompê-las a tempo de fazer as pessoas tenham tempo a uma decisão mais consciente e menos pragmática, principalmente porque temos a opção do segundo turno. Tu sempre tem a opção de escolher no segundo turno escolher o menos pior, e no primeiro turno o melhor candidato. Muitos pensam “vou votar no fulano para não jogar o voto fora porque ele vai ganhar”, mas jogar voto fora é votar em alguém que pode ganhar e te decepcionar. Esse é o verdadeiro voto fora. Tem de ter uma mudança na cultura política para as pessoas compreenderem que elas precisam escolher o melhor independentemente da chance, porque a pesquisa induz a essa conclusão de que aquele candidato não tem chance e ele pode ter. Por exemplo, eu tenho certeza que tem muito mais gente que apoia as ideias do PSOL do que aparece nas pesquisas. Então, o pessoal pensa “não vou votar na Luciana porque ela não vai ganhar. Vou votar na Marina, ela não é tão boa, mas ela tem chances”, então acaba fazendo voto útil já no primeiro turno. A outra questão é que a campanha eleitoral precisa ser mais democrática.
DL - A senhora tem só 52 segundos no horário eleitoral na TV. Como fica isso?
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Luciana - Tenho 52 segundos, e a Dilma tem 12 minutos. A rede social ajuda, mas não substitui principalmente esse abismo na TV e a cobertura da mídia, principalmente na TV. Quem se informa só pelo Jornal Nacional (da Rede Globo) pensa que só tem três candidatos.
DL – A senhora não participou das entrevistas na bancada do JN.
Luciana - Não fui na bancada. Tive só 40 segundos, os outros têm 15 minutos. Não dá para dizer nada em 40 segundos. É muito injusto isso. E aí aparecem esses fenômenos eleitorais que não têm consistência nenhuma.
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DL – A senhora se refere a Marina?
Luciana – Também. E nesse momento a Marina é um fenômeno eleitoral cuja simbologia que ela carrega é completamente diferente da essência dela. A política econômica que ela defende vai tudo contra o que as ruas pediam. A proposta da Marina é aumentar o superávit primário, aumentar a gasolina, aumentar a luz, mas elas não diz isso claramente.
DL – Sua proposta de reforma tributária prevê mudança no imposto de renda (IR). Como será feita?
Luciana – A primeira medida é a atualização da tabela do IR porque desde o Fernando Henrique que a tabela não é devidamente atualizada pela inflação e está defasada em 60%. A faixa de isenção de imposto hoje é de R$ 1.700,00, se tivesse atualizada pela inflação estaria em R$ 2.700,00. Depois precisaria reduzir a carga tributária sobre o consumo que é muito injusta. Quem ganha R$ 1.500,00 paga mesmo tributo do leite que o milionário, que tem R$ 50 milhões. Ai entra o projeto da regulamentação sobre as grandes fortunas. Fortunas acima de R$ 50 milhões pagam alíquota de 5% ao ano.
DL - Essa experiência mostrou fugade certas famílias em alguns países?
Luciana - O (ator francês) Gérard Depardieu se mudou pra Suíça. Isso pode acontecer. Os principais países do mundo adotam esse tipo de imposto, e também sobre a renda quando o salário é mais elevado. Eu nem estou propondo isso agora. Quero aumentar (o imposto) sobre a riqueza acumulada, de quem tem dezenas de apartamentos. Há de se calcular e cobrar um tributo a mais. A gente tem uma concentração de renda quase pornográfica no Brasil de tão absurda. Temos 15 famílias que concentram a riqueza equivalente de R$ 240 bilhões. Isso é dez vezes o que o Brasil gasta com o Bolsa Família em um ano.
DL - O atual Governo tem alardeado os resultados do Bolsa Família. Qual sua visão sobre esse programa?
Luciana – Com esse modelo econômico defendido Governo, pelo Aécio e pela Marina, esse modelo nunca vai propiciar uma situação que possa acabar com o Bolsa Família. Eu não acabaria com ele de imediato. Ao contrário: eu ampliaria os valores. Dar R$ 70,00 de renda per capita para dizer que saiu da miséria seria uma piada se não fosse uma tragédia. Inclusive, esse valor de R$ 70,00 não é atualizado desde o Lula. A primeira coisa é estabelecer um valor para pessoa sair da miséria, senão isso só sustentando ela na miséria, e depois mudança do modelo para gerar emprego e gerar distribuição de renda para propiciar uma porta de saída.
DL – Esta é a primeira vez que três mulheres estão em posição de destaque em uma eleição presidencial, e a senhora também tem falado da importância das creches em seu plano de governo.
Luciana - O fato de ter três mulheres é um avanço civilizatório, mas é um avanço muito limitado. Se a gente analisar a composição do Congresso Nacional, ainda é muito pequena a participação das mulheres. Provavelmente nessa eleição não vai ser muito diferente. Está melhorando. Há muito o que avançar. Ai entra esse tema das creches: aos 17 anos eu vivi isso. Fui mãe, era militante, e tinha de trabalhar. Como conciliar tudo isso, principalmente com uma atividade política? Eu tinha família, e o pai do meu filho apoiou, tinha condição financeira para pagar uma creche, mas a maioria das mulheres não tem. Tem de criar uma estrutura para que a mulher possa estar na política. Não adianta só dar a cota. Os partidos também têm que ajudar nisso. Tem de mudar todo um processo cultural. Claro que ter uma presidente mulher pode ser um fator, mas a Dilma não teve esse “plus”. Ela prometeu 7 mil creches na eleição de 2010 e entregou menos de 10%. Ela não se preocupou com esse dado. Eu tenho um projeto na Câmara que é para fiscalizar o dispositivo constitucional que garante a igualdade salarial entre homens e mulheres.
DL - Ainda falando de questões relacionadas à família, dá para implantar no Brasil, pela força católica no País, a descriminalização do aborto?
Luciana - Eu fui uma defensora ferrenha dessa proposta porque eu vejo que, na prática, o aborto no Brasil não é ilegal. Qualquer mulher que tenha condição financeira consegue fazer um aborto em uma clinica clandestina. O problema que é as pobres não têm essas condições e vão para o SUS. Como formalmente é ilegal, o SUS não pode fazer. Eu seguiria o exemplo do Uruguai, que descriminalizou e passou a oferecer na rede pública uma rede de proteção para que ela possa desistir do aborto com apoio do Estado. Se ela sentir que tem apoio do Estado pode desistir da ideia. E o resultado foi uma redução drástica do número de abortos, e nenhuma mulher morreu. No Brasil, o aborto clandestino é a quarta causa da morte materna. As mortes acabaram no Uruguai porque o aborto, feito de forma segura, é um procedimento simples.
DL - Em quatro anos, dá pra implantar isso no Brasil, pela força católica?
Luciana - O aborto legal depende de legislação. Não pode ser implementado na caneta (por decisão de um presidente). Na caneta, dá pra implantar a garantia de aborto legal. A mulher tem que fazer um périplo para conseguir o aborto legal. Isso posso garantir para as mulheres vítimas de estupro e perigo de vida tenham atendimento imediato sem vacilações por parte do SUS. Agora, para descriminalizar, precisa mudar a legislação. Ai entra todo um processo que precisa de maioria parlamentar e esclarecimento das pessoas. A pessoa que é católica, ou que é evangélica, que tem suas convicções religiosas contrárias ao aborto, ela tem todo o direito de ser contra e de nunca fazer o aborto - embora os números mostrem que as católicas e evangélicas também fazem o aborto. O discurso contra o aborto vai até o momento que tua filha de 16 anos engravida. A questão é: se eu não tenho essa convicção religiosa que o aborto é pecado, de que a vida começa na concepção, porque filho não é brincadeira, é pra vida toda, essa mulher tem de ser opção. Respeitar as religiões, respeitar o caráter laico do Estado, significa garantir que nenhuma religião determine as políticas públicas. É uma garantia para os evangélicos que a Religião Católica não imponha seu pensamento para o estado brasileiro. E para quem não tenha sua religião também tenha seu direito preservado.
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