Política
Pazuello, que é ex-ministro da Saúde e hoje tem cargo de assessor especial da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, subiu ao palanque de Bolsonaro após um passeio de moto com apoiadores no Rio de Janeiro
O comando do Exército foi o primeiro a negar, por duas vezes, o pedido de acesso aos documentos relativos ao processo / ADRIANO MACHADO/REUTERS
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Uma comissão formada por servidores de alto escalão de sete ministérios do governo negou pedido do jornal Folha de S.Paulo e manteve sigilo de cem anos ao processo interno do Exército que decidiu não aplicar nenhuma punição ao general Eduardo Pazuello pela participação em um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro, em maio de 2021.
O argumento principal da negativa é que a divulgação dos documentos representa risco aos princípios da hierarquia e da disciplina no Exército.
Pazuello, que é ex-ministro da Saúde e hoje tem cargo de assessor especial da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, subiu ao palanque de Bolsonaro após um passeio de moto com apoiadores no Rio de Janeiro. Na ocasião, o presidente atacou as medidas de prevenção à Covid e, ao lado do general, afirmou: "Meu Exército jamais irá às ruas para manter vocês dentro de casa".
Pazuello conseguiu se livrar de qualquer punição, apesar das evidências de transgressão disciplinar. A vedação de participação em atos políticos, existente para militares da ativa, está prevista no regulamento disciplinar do Exército, vigente por decreto desde 2002, e no Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980.
A decisão de livrar Pazuello foi do comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que cedeu à pressão de Bolsonaro para que o aliado não fosse punido.
No texto de resposta ao pedido da Folha de S.Paulo, a CMRI (Comissão Mista de Reavaliação de Informações) diz que "o fato de não haver punição não pode ser compreendido como ausência de risco aos pilares da hierarquia e disciplina, expressos no art. 142 da Constituição Federal."
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O documento é assinado por servidores do alto escalão da Casa Civil, Advocacia-Geral da União, Economia, Defesa, Relações Exteriores, Justiça e Controladoria-Geral da União e contra ele não cabe recurso na esfera do governo. A CMRI é a última instância administrativa para pedidos de Lei de Acesso à Informação.
O comando do Exército foi o primeiro a negar, por duas vezes, o pedido de acesso aos documentos relativos ao processo. A Folha de S.Paulo recorreu e a CGU atendeu parcialmente ao pedido, liberando apenas o extrato resumido do procedimento administrativo.
A Folha recorreu da decisão da CGU, que resultou na atual decisão da CMRI.
Relatório da CGU que foi usado como base para a decisão do grupo interministerial afirma que o Exército argumentou, entre outros pontos, que a publicidade dos documentos irá afetar a imagem do comandante da Força.
"[O comando do Exército] defendeu que (...) a questão em tela [o sigilo de 100 anos] objetiva preservar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do oficial [Pazuello], bem como resguardar os preceitos constitucionais da hierarquia e da disciplina, no âmbito das Forças Armadas", diz o texto citado na instrução do caso pela CGU.
"Além disso", prossegue a instrução da controladoria, o Exército destacou que "a divulgação de processo administrativo disciplinar afeta a imagem do superior hierárquico [o general Paulo Sérgio] com reflexos na liderança e menoscabo dos preceitos hierárquicos e disciplinares, imprescindíveis à sobrevivência das Forças Armadas".
O argumento do Exército é o de que o caso se enquadra no trecho da Lei de Acesso à Informação que trata de informações pessoais, mesmo tendo se tratado de um evento político público, com farta divulgação nas redes sociais do presidente da República.
O trecho mencionado é o que fala de respeito à intimidade e à vida privada de pessoas envolvidas. Assim, "informações pessoais" terão acesso restrito, "independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem".
Pazuello foi ministro da Saúde de setembro de 2020 a março de 2021 e encampou, em sua gestão, várias das posições negacionistas bancadas pelo chefe no combate à pandemia.
Ele deixou a pasta suspeito de crimes, investigado pela Polícia Federal e com o país batendo recorde de mortes pela doença.
Pazuello chegou ao Ministério da Saúde em abril de 2020, na demissão de Luiz Henrique Mandetta (DEM), que discordava publicamente de Bolsonaro sobre a necessidade de medidas de distanciamento social para conter o avanço da pandemia.
Ao escolher o médico Nelson Teich para o lugar de Mandetta, Bolsonaro colocou Pazuello, que não tinha experiência em gestão de saúde, como secretário-executivo do ministério, sob a justificativa de "coordenar a transição" entre os dois ministros.
Na prática, porém, Pazuello se tornou uma espécie de representante do presidente dentro da pasta para evitar que Bolsonaro fosse desautorizado novamente por um subordinado. À época, o general foi incensado como um "especialista em logística", representante da "expertise" dos militares em lidar com situações de crise.
Menos de um mês depois, quando Teich pediu demissão, em 15 de maio, o general assumiu o posto titular --a princípio provisoriamente, e em setembro, efetivado.
TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR
A transgressão disciplinar, levando em conta o que está previsto em lei e o que avaliavam integrantes do Alto Comando, teria ocorrido da seguinte forma:
- O regulamento disciplinar do Exército, instituído por decreto em 2002, se aplica a militares da ativa, da reserva e a reformados (aposentados). Um anexo lista 113 transgressões possíveis;
- A transgressão de número 57 é a que mais compromete Pazuello: "Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária." Não há informação, até o momento, de que Pazuello tivesse autorização de seus superiores no Exército para a manifestação política a favor de Bolsonaro;
- Outras transgressões listadas são "faltar à verdade ou omitir deliberadamente informações que possam conduzir à apuração de uma transgressão disciplinar"; "portar-se de maneira inconveniente ou sem compostura"; e "frequentar lugares incompatíveis com o decoro da sociedade ou da classe";
- O comandante do Exército, a quem cabe aplicar a punição, pode cometer uma transgressão disciplinar se deixar de punir o subordinado transgressor, segundo o mesmo regulamento
- O propósito do regramento, conforme a lei, é preservar a disciplina militar. Existe disciplina quando há "acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições";
- Para julgar uma transgressão, são levados em conta aspectos como a pessoa do transgressor, a causa, a natureza dos fatos e as consequências. Se houver interesse do sossego público, legítima defesa, ignorância ou atendimento a ordem superior, a transgressão pode ser desconsiderada, o que não parece se enquadrar no caso de Pazuello;
- O acusado tem direito a defesa, manifestada por escrito. O bom comportamento é um atenuante. As punições vão de advertência e repreensão a prisão e exclusão dos quadros, "a bem da disciplina";
- O caso de Pazuello pode se enquadrar ainda no Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980. O artigo 45 diz que "são proibidas quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político";
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