Número representa um aumento de 39% em relação ao ano anterior / Joédson Alves/Agência Brasil
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O ano de 2023, que acumulou desastres climáticos e temperaturas extremas, foi também o recordista em mais de uma década quanto às queimadas na caatinga.
Segundo dados do sistema BDQueimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), foram registrados mais de 21,5 mil focos de calor no bioma, o índice mais alto desde 2010, quando o bioma teve 21,8 mil focos. O sistema usa imagens de satélite para detectar ocorrências de fogo com mais de 30 m².
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O número representa um aumento de 39% em relação ao ano anterior e é mais um dos fatores impactados pela ocorrência do El Niño, que trouxe mais calor e menos chuva para a região.
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O fenômeno é caracterizado pelo aquecimento das águas do Pacífico na região equatorial -o que, no Brasil, se traduz em mais seca nas regiões Norte e Nordeste e excesso de precipitação no Sul e Sudeste.
A caatinga é o único bioma totalmente brasileiro, ocupando uma área equivalente a cerca de 10% do território nacional e englobando os estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Sergipe e o norte de Minas Gerais.
Segundo o coordenador da equipe caatinga da plataforma Mapbiomas, Washington Rocha, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana, o fogo nunca ou muito raramente acontece de forma natural no bioma.
"Pode-se dizer que as causas predominantes dos incêndios nessa região se devem a ações antrópicas, sobretudo por uso de queimadas para limpeza de áreas a serem preparadas para cultivo e que, devido ao manejo inadequado, torna-se incêndios", explica.
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Esse tipo de uso do fogo se torna mais perigoso quando as condições climáticas estão propícias para o espalhamento das chamas, como tempo seco, vento forte e temperaturas elevadas.
"Mas há também relatos dos incêndios criminosos, aqueles que são deliberadamente provocados como forma de fomentar o desmatamento, para viabilizar novas áreas para agricultura ou pastagem", acrescenta o pesquisador.
Ele afirma que as áreas com maior atividade de desmatamento estão nas vizinhanças das fronteiras agrícolas e pecuárias, próximas a infraestruturas de geração de energias renováveis e também perto dos canais de transposição do rio São Francisco.
Com uma biodiversidade adaptada às altas temperaturas, a região é rica em endemismo. Um artigo recente estima que há ao menos 3.347 espécies de plantas no bioma, sendo que 15% delas só existem ali.
Segundo o Mapbiomas, a perda líquida de vegetação (balanço entre desmatamento e regeneração) na caatinga entre 1985 e 2022 foi de 10,8%, enquanto a área dedicada à agropecuária no bioma cresceu 21,8%. No mesmo período, quase 105 mil km² de vegetação foram atingidos pelo fogo no bioma.
Grande parte dos focos de calor na caatinga em 2023 se concentrou no Piauí (34%), seguido por Bahia (23%) e Ceará (23%).
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"Do ponto de vista ambiental, incêndios de grande intensidade causam perdas irreversíveis à biota, especialmente em ecossistemas sensíveis e nas unidades de conservação", afirma Rocha. "Na caatinga, há uma ameaça mais latente, nas chamadas ASD [áreas suscetíveis à desertificação], com a possibilidade de incêndios recorrentes potencializarem o desencadeamento desse processo."
De acordo com o cientista, as regiões de Cabrobó, em Pernambuco, e Seridó, no Rio Grande do Norte e Paraíba, são exemplos de núcleos de desertificação que estão se expandindo. Canudos, na Bahia, é outro exemplo de ASD ameaçada pelo avanço do desmate.
O clima da caatinga é semiárido -mas um estudo recente do Inpe em parceria com o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) registrou, entre 1990 e 2020, o aparecimento de uma área definida como árida no norte da Bahia. Esse tipo de clima nunca tinha sido observado no país nas décadas anteriores.
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O estudo constatou que há uma tendência de aumento da aridez em todo o país, com exceção da região sul e do litoral do Rio de Janeiro e de São Paulo. Os pesquisadores concluíram que o semiárido tem crescido no país, avançando a uma taxa superior a 75 mil km², em média, a cada década desde 1960.
O aumento da aridez na caatinga é apontado por cientistas como uma das consequências das mudanças climáticas causadas pelas atividades humanas, o que aumenta as chances de desertificação.
Esse tipo de alteração provocaria a migração e extinção de espécies, além de impactar a disponibilidade de água e modificar parâmetros meteorológicos essenciais para a agricultura, com reflexos econômicos e nas seguranças hídrica e alimentar das populações locais.
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Para Washington Rocha, a atenção dada à conservação da caatinga ainda é "insuficiente e ineficiente".
"[Isso se deve] em grande parte devido ao desconhecimento das características do bioma, frequentemente associado à percepção de bioma sem vida", diz o pesquisador, afirmando que há uma falta de compreensão do processo de desfolhamento das plantas nas estações secas, uma adaptação das espécies àquele habitat.
"Essa falta de políticas públicas é demonstrada desde a flexibilidade regulatória, ao não reconhecimento do bioma como patrimônio nacional e ao baixo percentual de áreas protegidas em relação à área do bioma", aponta.
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