Brasil
A proposta maluca do presidente parte do princípio de que os governadores deveriam abrir mão de uma fatia de sua principal fonte de recurso, o ICMS
Arquivo/Agência Brasil
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Definitivamente, o presidente Jair Bolsonaro não sabe mais o que fazer para justificar ao eleitorado mais pobre a alta do preço do gás de cozinha. Há algumas semanas, prometeu lançar um programa de compra de botijões para a população mais carente e disse que a Petrobras teria R$ 3 bilhões para gastar com isso. Acabou desmentido pela empresa, que informou em comunicado que "não há definição" sobre tal projeto. Ontem, em sua live semanal, Bolsonaro fez mais uma declaração esdrúxula.
Começou comentando a intenção de alguns governadores de instituir o vale-gás. Em sua oratória trôpega, disparou: "Mas eu acho que, em vez do vale-gás, se zerar o imposto estadual ICMS, vai ser excelente. Sabe por quê? Nós podemos começar a tratar da venda direta do botijão de gás, a exemplo do etanol".
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A proposta maluca do presidente parte do princípio de que os governadores deveriam abrir mão de uma fatia de sua principal fonte de recurso, o ICMS, para baratear o preço do botijão.
Mais à frente, dá pitaco sobre a melhor forma de comercialização.
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"Você pode pegar o teu caminhãozinho, para a tua comunidade, você vive às vezes num condomínio fechado. Uma vez por mês teu caminhãozinho vai lá e compra ali 100 botijões de gás. ICMS tá zerado", ensinou ele. "O frete do caminhãozinho vocês pagam do condomínio. Margem de lucro: zero. Não precisa ter lucro para quem for entregar lá, é o trabalho comunitário". Com isso, garante Bolsonaro, o preço seria a metade do atual.
O presidente sabe muito bem que essa receita já é posta em prática em muitas áreas pobres do Rio. Milicianos que dominam favelas cariocas periodicamente dispõem de muito mais que 100 botijões de gás. A diferença é que nesse "trabalho comunitário" o lucro não é zero. Pelo contrário. Milicianos cobram uma fortuna por cada botijão, que acaba ficando mais caro que nos distribuidores regulares. Sob o domínio das armas pesadas da milícia, as leis de concorrência de mercado são inexistentes.
Em mais uma tentativa de se eximir da responsabilidade do poder público e repassá-la a outros, Bolsonaro radicalizou. Se a sugestão presidencial vingasse (o que é improvável), os grupos paramilitares poderiam gabar-se de que, ao menos no ramo do gás de cozinha, seu empreendimento contaria com o aval do presidente.
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A fórmula bolsonariana de barateamento tem ainda uma inovação importante. Ao propor que os governadores baixem a zero o ICMS, ele na prática indica o caminho para que os cofres públicos recebam menos impostos e os distribuidores clandestinos de botijões lucrem ainda mais.
*Chico Alves, colunista do UOL
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