Mundo
No Brasil, nos primeiros meses de pandemia, enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) minimizava o risco da Covid, já se apontava que a falta de testagem ampla era um problema considerável para conter a pandemia
Em janeiro de 2022, a situação não está muito distante da de 2020, com testes priorizados para pacientes internados, por exemplo / Toby Melville/Reuters
Continua depois da publicidade
A variante ômicron causou uma explosão de casos de Covid no Brasil. Junto ao recorde de infecções, atingido na terça (18), e um novo recorde, na quarta (19), o país continua patinando na testagem da sua população. Desde o início da pandemia, a testagem constante foi apontada como uma possibilidade de controle ou, no mínimo, amenização da disseminação da Covid.
"O meio mais eficaz de prevenir infecções e salvar vidas é quebrar as cadeias de transmissão. Para isso, você precisa testar e isolar. Vendado, você não pode combater um incêndio. E nós não conseguiremos parar essa pandemia se não soubermos quem está infectado", disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em 16 de março de 2020, ainda no início da crise sanitária. "Nós temos uma mensagem simples para os países: testar, testar, testar. Teste todo caso suspeito."
De início, a testagem, essencialmente através de exames RT-PCR, foi um problema mundo afora. Mas, com o tempo, as capacidades acabaram expandidas e novas opções com resultados mais rápidos para detecção, como os exames de antígeno, tornaram-se disponíveis.
Uma outra evolução nas formas de testagem foram os autotestes. O FDA (agência americana de regulamentação de drogas e alimentos) já liberava os testes para serem feitos em casa em novembro de 2020.
Nos primeiros meses de 2021, alguns países europeus também já começavam a usar essa opção e, em março, o ECDC (Centro Europeu para o Controle e a Prevenção de Doenças, na sigla em inglês) já produzia um documento apontando os impactos --possíveis benefícios e problemas-- de autotestes na pandemia.
Assim, a testagem foi virando algo quase cotidiano. No Reino Unido, por exemplo, é possível obter os testes para se fazer em casa gratuitamente junto ao NHS (serviço público de saúde inglês), inclusive com pedidos pelo correio.
"O governo vai, portanto, continuar a disponibilizar ao público o acesso gratuito a autotestes nos próximos meses. As pessoas podem querer usar testes rápidos regulares para ajudar a gerenciar períodos de risco, como após contato próximo com outras pessoas em um ambiente de maior risco ou antes de passar um tempo prolongado com uma pessoa mais vulnerável", aponta documento do governo britânico referente ao período de inverno e outono 2021/2022.
Futuramente, a provisão gratuita de autotestes deve acabar, segundo consta no documento, que também "reconhece que os testes rápidos podem continuar a ter um importante e contínuo papel no futuro".
Na Alemanha, os testes rápidos passaram a se gratuitos também, além de poderem ser comprados por preços baixos em farmácias. Ainda, as empresas devem fornecer kits de autotestes, pelo menos duas vezes por semana, para funcionários que não façam home-office.
Em Portugal, como em alguns locais era necessário apresentar um teste negativo para entrar durante as festividades de fim de ano, até em restaurantes era possível se autotestar.
Nos EUA, autotestes são vendidos em farmácias, onde nem sempre é fácil encontrá-los, mas também já têm sido distribuídos por empresas, como o Google, para seus funcionários.
Buscando ampliar a testagem no país, o presidente Joe Biden colocou em prática uma política que permite que as pessoas peçam autotestes gratuitos, para serem recebidos em casa.
Mesmo com esses esforços, em vários houve grandes filas para testagem, principalmente com a sobreposição de festas de fim de ano e casos crescentes de ômicron.
No Brasil, nos primeiros meses de pandemia, enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) minimizava o risco da Covid, já se apontava que a falta de testagem ampla era um problema considerável para conter a pandemia. Naquele momento, praticamente só eram testados casos graves internados.
Em janeiro de 2022, a situação não está muito distante da de 2020, com testes priorizados para pacientes internados, por exemplo. O Brasil, assim, continua sem uma política de testagem, afirma o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e professor da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul).
Em 2020, a promessa do Ministério da Saúde era disponibilizar 46 milhões de testes até setembro daquele ano. Depois, em maio de 2021, Marcelo Queiroga, atual titular da pasta, anunciou um plano de testagem em massa, com até 26,6 milhões de exames mensais.
A reportagem procurou o ministério e pediu esclarecimento para as falhas nas políticas de testagem. A pasta afirmou que o "Plano Nacional de Expansão da Testagem para Covid-19 está implementado desde setembro de 2021" e que já foram distribuídos mais de 58 milhões de testes dos tipos RT-PCR e antígeno, desde o início da pandemia.
"Sempre fomos um país que testa pouco. Sempre fomos um país que não testa seus casos suspeitos. E não melhoramos ao longo dos anos", afirma Croda, que ressalta não se tratar de um problema só da esfera federal.
Em nota à reportagem, o ministério afirmou que "não há pendência de testes diagnóstico da Covid-19 a nenhum estado e Distrito Federal. As entregas são programadas seguindo o acordado com estados, municípios e o DF, considerando vários fatores, como a logística de distribuição e a capacidade de armazenamento de cada localidade, por exemplo".
A falta de uma política pública de testagem, com demanda elevada de testes sendo realizados com alguma frequência, também é um fator que pode ter contribuído para a restrição de disponibilidade de exames no momento atual de explosão da ômicron, segundo Carlos Eduardo Gouvêia, presidente-executivo da CBDL (Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial).
Faça parte do grupo do Diário no WhatsApp e Telegram.
Mantenha-se bem informado.
"A falta de um planejamento adequado e de algo consistente acabou desanimando a própria indústria", afirma Gouvêia. Ele aponta como exemplo a queda quase contínua de testagem em farmácias, segundo dados da Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias), até o agudo aumento recente.
Segundo o presidente-executivo da CBDL, além da falta de política de testes constantes, tal queda poderia ser explicada pelo avanço da vacinação e pelas reduções em internações e mortes, o que aumentava a sensação de tranquilidade. "Final do ano, com confiança lá em cima, hospitalização lá em baixo, 'pronto, estou protegido'. Com festas de natal e ano novo, tivemos todos os temperos para um caldeirão de tempestade perfeita", diz Gouvêia.
Croda diz que tanto a iniciativa privada quanto o setor público falharam no planejamento para a ômicron, que se mostrava, em dezembro, com potencial explosivo.
Segundo o infectologista, a priorização de testes que ocorre agora no Brasil gera menor adesão ao isolamento, em caso de sintomas e mais dificuldade de planejamento, por se desconhecer o real cenário de transmissão.
"A gente sabe que adesão ao isolamento é maior quando a pessoa conhece o seu diagnóstico, sabe que tem Covid. Por isso, entramos na questão do autoteste", afirma Croda. "Testagem aumenta as precauções e isso pode impactar na transmissão do vírus. Não ter testes favorece maior transmissibilidade."
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não aprovou, nesta quarta (19), o uso dos autotestes no país, que são proibidos por uma norma da agência.
Segundo Gouvêia, devem chegar ao país, até o final de janeiro, de 12 a 15 milhões de exames de detecção de Covid. A maioria, testes rápidos de antígeno, semelhantes aos autotestes.
Continua depois da publicidade