Condomínios de luxo mantêm portarias e limitam o acesso de veículos às praias da região do Rabo do Dragão / Arquivo DL
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O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Prefeitura de Guarujá e aos quatro condomínios localizados na região do Rabo do Dragão – Iporanga, São Pedro, Tijucopava e Itaguaíba – que viabilizem o acesso à praia e ao mar pela comunidade local e visitantes da cidade. O documento, que é baseado em leis federais e assinado pelo procurador da República Thiago Lacerda Nobre (que também exerce a função de procurador-chefe da Procuradoria da República no Estado de São Paulo), determina prazos aos condomínios e à Administração Municipal.
Aos condomínios, Nobre recomendou que se regularizem em 90 dias, especialmente no tocante ao ingresso no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas (CNEA), como prevê a resolução do Conselho Nacional do Meio-Ambiente (Conama). Ou seja, os condomínios estariam divulgando serem preservadores do meio ambiente sem sequer serem habilitados para tal função legalmente.
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“As sociedades privadas devem, principalmente, proteger o meio-ambiente das áreas concedidas pela Prefeitura, mas não devem impedir o acesso gratuito às praias e ao mar da região, seja qual for o meio de locomoção, respeitado o número de vagas para visitantes de cada condomínio”, afirma Nobre no documento, que quer uma opção de acesso aberta à população.
30 dias
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À Prefeitura, o MPF recomendou que fiscalize e que, em 30 dias, defina um órgão municipal para atuar como ombdusman (defensor do povo) quanto aos relatos de abusos por parte das concessionárias, além de mediar, atuar em busca de soluções para os problemas reportados quanto ao acesso às praias.
A recomendação é expressa no sentido de que não está em discussão a validade ou a legalidade dos decretos de concessão. Contudo, o MPF requisitou ainda que a Prefeitura consulte o Grupo de Integração de Gerenciamento Costeiro e o Departamento de Zoneamento Territorial, do Ministério do Meio-Ambiente, dentro de 60 dias, para analisar se será preciso adaptar a lei municipal 5434/97, que instituiu áreas de especial interesse ambiental.
17 anos
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Desde 2000, a Prefeitura mantém contratos de concessão administrativa de uso de bem público para quatro entidades privadas: Sociedade Amigos do Sítio Tijucopava (SASTI), Sociedade Amigos do Sítio Taguaíba (SASIT), Sociedades dos Amigos do Iporanga (SASIP) e Associação dos Amigos da Reserva Ambiental do Sítio São Pedro (Sampedro), todas com o papel de atuar na proteção do meio-ambiente das praias que representam.
“Entretanto, o MPF e a imprensa da região têm recebido constantes reclamações quanto à ausência de franco acesso às praias e ao mar pela comunidade local no Guarujá, especialmente nas áreas conhecidas como Praia Branca, Tijucopava, Sítio São Pedro, Iporanga e Praia de Itaguaíba, praias cercadas por condomínios residenciais de alto padrão. A Prefeitura deverá realizar a efetiva fiscalização das sociedades concessionárias para que estas não impeçam o acesso da comunidade às praias e ao mar”, aponta o procurador.
Na recomendação, o MPF elenca que diferentes artigos da constituição e leis ordinárias são desrespeitadas em caso de privação do acesso de alguém às praias. O artigo 20 da Constituição, por exemplo, prevê que as praias marítimas são patrimônio da União e merecem atenção especial como parte integrante do meio ambiente saudável.
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Thiago Nobre lembra que as praias são bens públicos de uso comum do povo e seu acesso é livre e assegurado a todos, como disposto na Lei 7661/88 e o Decreto 5300/04, o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, que explicitam que só podem ter acesso vedado aos trechos de praia de interesse da “segurança nacional” ou àqueles protegidos por legislação específica, como as praias em áreas de preservação e parques estaduais e federais.
Nobre cita ainda o artigo 10º da lei 7.661/88 que prevê a proibição de urbanização ou qualquer outra forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado à praia e ao mar. O direito social de todos os cidadãos ao lazer, previsto no artigo 6º da CF, também foi mencionado na recomendação à Prefeitura e às sociedades.
Ele também lembra a lei municipal 5300/2004, que prevê que a Prefeitura, junto com as sociedade privadas e os órgãos ambientais, definirão as áreas de servidão de passagem dos condomínios para o acesso à praia, com prazo de dois anos para a construção dessas passagens.
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Procurado pela Reportagem na última quinta-feira (8), o procurador Thiago Nobre foi enfático: “O município tem que enfrentar esse problema de forma eficiente. Estão impedindo o acesso. Os condomínios têm que criar alternativas que possibilitam o direito das pessoas de usufruirem do ambiente público. Não descarto outras ferramentas, além da recomendação, para garantir o direito aos cidadãos. Vou acompanhar de perto as iniciativas do poder público e dos condomínios”, enfatizou.
Gaema também interviu contra os condomínios de Guarujá
A atuação do MPF é mais uma vertente de uma história que já vem desde 2012 sendo alvo de inúmeras reportagens do Diário do Litoral que, naquele ano, foi finalista do Prêmio Esso de Jornalismo – o maior do gênero no Brasil. Em abril último, por exemplo, a promotora Flávia Maria Gonçalves, do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema) da Baixada Santista, impôs ao Condomínio Iporanga o pagamento de cerca de R$ 45 milhões como compensação ambiental pela supressão de vegetação de área e preservação de Mata Atlântica e ocupações irregularidades – sem licenças ambientais.
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O valor envolve R$ 25 milhões em dinheiro, destinado imediatamente ao Fundo Municipal de Meio Ambiente do Guarujá pelo dano moral coletivo, para obras de saneamento básico em Guarujá, e mais R$ 20 milhões para a compra (registro de imóvel e laudos) e preservação permanente de uma área protegida de 611 hectares de reserva particular do patrimônio natural na bacia hidrográfica da Baixada Santista – cada hectare ocupado irregularmente, o condomínio tem obrigação de preservar 11 hectares.
O Iporanga ainda terá que concluir sua rede de esgoto (ainda incompleta), não expandir a área das construções (congelamento das ocupações), repor a área degradada e promover o enriquecimento florestal nos limites do condomínio, minimizando o que é chamado de efeito de bordas (quando parte da floresta é degradada por ficar encostada na área urbana). As obrigações fazem parte de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado em conjunto com a Prefeitura que, por sua vez, será a responsável pela fiscalização e a não liberação de nenhuma obra sem a devida licença ambiental. O prefeito Válter Suman (PSB) esteve no Gaema assinando o TAC junto com representantes do condomínio.
O TAC é um documento extrajudicial, utilizado pelos órgãos públicos, em especial pelo Ministério Público, em que os assinantes se comprometem a ajustar alguma conduta considerada ilegal e passar a cumprir a lei.
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O TAC não impede uma ação judicial futura em caso de descumprimento. O documento foi assinado pela Procuradoria de Direitos Difusos e ainda será submetido e homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público.
Outros investigados
A Reportagem descobriu que os condomínios de luxo São Pedro, Tijucopava e Itaguaíba – que também fazem parte da recomendação de Thiago Nobre - estão sendo investigados pelo Gaema pelos mesmos motivos. O órgão abriu um inquérito para cada um, envolvendo falta de Habite-se, de alvará de construção e supressão de floresta (Itaguaíba – inquérito de 27 volumes); ocupação irregular de áreas de proteção permanente (APPs), falta de licenças ambientais e construções fora do permitido (Tijucopava – 20 volumes) e falta e irregularidades nos licenciamentos, supressão ou dano de vegetação nativa (São Pedro –13 volumes). Na ocasião, Flávia Gonçalves ressaltou que o trabalho do Gaema foi minucioso, repleto de laudos e fotografias aéreas das áreas dos condomínios, onde foram descobertas construções irregulares sem as devidas licenças a autorizações ambientais.
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Prefeitura e condomínios
A Prefeitura não comentou sobre a recomendação do MPF e informa que “irá proceder a fiscalização do local, anotando-se que existe em âmbito municipal, o trabalho de ouvidoria em que o cidadão poderá efetuar suas reclamações e obter suas soluções junto ao Poder Público. As direções dos condomínios, apesar de procuradas, não se manifestaram sobre a nova questão”.
Diário denuncia situação há anos
Há cinco anos o Diário do Litoral vem denunciando a restrição imposta pelos condomínios. Só tem acesso às praias as pessoas que são submetidas aos critérios das direções dos condomínios, amparadas pela suposta falta de espaço nos estacionamentos particulares e possível depredação de área ambiental.
A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) chegou a recomendar ações à Prefeitura no sentido de assumir o controle das praias. A Administração passada havia se prontificado em apresentar uma proposta que iria garantir que agentes públicos atuassem nas praias e no entorno delas. As portarias, por exemplo, primeiros obstáculos que limitam o ingresso, sairiam do controle dos loteamentos e passariam a ser administradas pela Guarda Municipal.
A Administração Municipal teria, entre outras atribuições, a preservação das áreas e o controle do estacionamento, talvez por intermédio de um cartão tipo Zona Azul, e o estudo de uma forma de facilitar o acesso das pessoas, que poderiam ficar nas praias o tempo que quiserem e não por tempo determinado pelos condomínios. O acordo seria ratificado no Projeto Orla, que vem sendo executado em Guarujá. No entanto, o assunto foi esquecido.
Projeto Orla
Guarujá é o único município da Região Metropolitana da Baixada Santista que aderiu ao projeto e também o único brasileiro com autonomia para gerenciar a orla marítima. A inserção do Projeto Orla foi uma das condicionantes para a Praia do Tombo conquistar o selo internacional Bandeira Azul. O Projeto Orla é conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente, SPU e pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente, por meio do Programa Costeiro do Estado de São Paulo. Conta também com o envolvimento dos órgãos públicos municipais e da sociedade civil organizada de Guarujá. A Reportagem tentou ontem, novamente, ouvir os condomínios, mas não obteve retorno.
OAB
Vale lembrar que a Ordem dos Advogados do Brasil de Guarujá encaminhou pedido de providências ao MPF, sobre a construção, por parte do Condomínio Iporanga, de edificações no entorno da cachoeira que desagua na praia e um bar sobre pedras marinhas.
Ela também comunicou as autoridades e órgãos ambientais, entre elas o Ministério Público (MP) de Guarujá, que já iniciou investigação sobre o assunto.