Segundo o professor Matheus Marques, a história dos filmes da Kodak foi se perdendo com o tempo / Reprodução
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Você sabia que um contêiner lotado de filmes da marca Kodak surgiu misteriosamente na praia do Tombo, em Guarujá? Pode acreditar, isso realmente aconteceu nos anos 1980 e fez com que durante um bom tempo, a população tivesse acesso ao produto por um preço mais barato que o normal. A Reportagem foi atrás desta inusitada recordação e descobriu que nem tudo foi regado a mistérios.
A história começa na noite do dia 4 de setembro de 1980, quando o mar na baía de Santos se mostrava bastante agitado e fez com que o navio Maria da Penha tivesse balanços com até 31 graus de inclinação. Após uma oscilação bruta, cabos de aço se romperam e dois contêineres caíram em alto mar.
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O capitão do navio chegou a presenciar um deles se partindo com a carga se espalhando no mar e o outro ficando aparentemente submerso. De imediato, a polícia marítima chegou a ser alertada, mas nada pode fazer.
Com quase 20 toneladas, o contêiner levava consigo vários filmes fotográficos da Kodak (que na época, eram fabricados em grande parte no México) para câmaras fotográficas, filmadoras e até mesmo aparelhos de Raio-X.
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Eles estavam guardados individualmente em tubinhos fechados, pelos quais uma breve passagem de ar nas embalagens o permitiu ficar conservado em meio ao incidente. O fator fez com que o recipiente se tornasse uma espécie de boia, até parar nas areias da praia do Tombo, em Guarujá, no começo da manhã do dia 5 de setembro.
“Costumava acordar cedo, e ficava em frente a uma vila de pescadores. Porém, neste dia ouvi um estrondo e meu cachorro começou a latir sem parar e em seguida saiu correndo para fora de casa. Ao ir atrás dele me deparei com um contêiner grande e vermelho”, comentou a dona de casa Paula Casanova, que na época do ocorrido tinha 15 anos.
Ela conta que ao retornar ao local com seus parentes, se deparou com uma praia cheia dos mais diversos rolos de filmes, espalhados pelas areias.
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“A princípio pensei que fossem mariscos, mas ao se aproximar vimos que se tratavam de rolos fotográficos. Em poucos minutos começaram a aparecer várias pessoas os pegando, sem saber se era bom ou ruim”, comenta ela sobre o primeiro contêiner que havia se despedaçado no mar.
“Ao avistarmos outro contêiner em alto-mar, alguns surfistas pegaram as pranchas e foram até lá. Ouvi falar que eles abriram com pé de cabras e picaretas. Me lembro que eles traziam os filmes nas pranchas e dividiam com as pessoas que estavam nas praias, colando em várias bacias grandes”.
Mas não foi apenas Paula que teve um susto em sua rotina diária no local. "Frequentava o local todos os dias, e estava assustada com a beira da água cheia de máquinas, rolos de filmes, caixas fechadas com máquinas, rolos e pessoas pegando. Não peguei nada, pois fiquei com medo", comentou a artesã Rosemeire Aparecida Alves, que na época tinha 14 anos.
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Já o empresário Amaro Matos, que na época também tinha 14 anos, recorda que teria ido até a praia para observar a ressaca do mar, mas se deparou com um contêiner aberto e outro lacrado, que chegou a encalhar no local.
"Já haviam muitos filmes na praia, e ao pegarmos na mão falávamos 'uau, isso é filme!'. Muitas pessoas estavam pegando e inclusive, nós chegamos a fazer várias viagens de carrinho até em casa, com tamanha quantidade que havia".
Matos ainda comenta que várias pessoas do município acabaram enriquecendo com a venda desses filmes, pois também apareceram moradores de outras cidades como Santos, São Vicente e até mesmo São Paulo, que acabaram tomando posse de alguns destes materiais e os colocaram à venda por até menos de cruzeiros (Cr$) 50,00, enquanto em um comércio comum custava cerca de Cr$ 400,00. Pelo menos em um dos contêineres a carga estava avaliada em Cr$ 1.369.923,77.
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Quem também se recorda deste dia é o fotógrafo, ilustrador e ufólogo, Jamil Vila Nova. "Sempre fui ligado à fotografia, e quando soube disso, peguei minha bicicleta com meus amigos e fomos ao local. Como chegamos na faixa das 11h30, só vimos o contêiner estourado e muitos filmes espalhados na praia toda. Eles já haviam pego filmadoras e câmeras", comenta.
"Quando comecei andar pelas ruas de terra da praia do Tombo, haviam muitos filmes e caixas espalhadas pelo chão", comentou Nova, deixando claro que não apenas a praia estava dominada pelo material, como várias ruas.
Porém, a agitação aos arredores da Praia do Tombo não aconteceu apenas naquele único dia. "Tudo durou quase uma semana. Vieram pessoas de vários cantos da região até aqui, ver se encontravam algo. Inclusive, chegaram a perguntar na minha casa se estávamos vendendo algum filme", recorda Paula Casanova.
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"Mesmo após o ocorrido era normal encontrar nas pedras da praia, alguns tubinhos com filmes dentro. Demorou para eles sumirem de vez", explica Amaro Matos, sobre a dimensão que isso alcançou no local.
Segundo o professor e ambientalista Matheus Marques, a história dos filmes da Kodak foi se perdendo com o tempo, mas os moradores antigos da região ainda se lembram dela.
“Hoje a praia do Tombo é reconhecida pela Bandeira Azul [selo dado para as praias que cumprem as regras ambientais], mas no passado já foi lembrada pelos filmes da Kodak. Em conversas com moradores antigos, vi essa história ser renascida e contada com muita alegria e vida pelos moradores que presenciaram este fato que marcou a infância e a juventude de muitos”, comenta Marques, que ainda alega que devemos preservar essas histórias e continuar ouvindo quem estava no ocorrido, para serem repassadas para futuras gerações.
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Ele ainda enfatiza que mesmo após o ocorrido, hoje o local é um exemplo na questão de preservação do espaço.
“A praia sofreu um acidente ambiental, e hoje pertence a um programa de reconhecimento de educação ambiental internacional, quem diria?”.
E você, viveu essa época e se recorda de algum fato envolvendo essa aparição inesperada na praia do Tombo?
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