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Além de Rubens Paiva, ditadura militar prendeu e torturou outros 500 'santistas'

Além do santista, retratado no filme que concorre ao Oscar, estima-se que outras 500 pessoas tenham sido vítimas de violência em Santos por parte de agentes da ditadura militar

Nilson Regalado

Publicado em 01/03/2025 às 06:30

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Foto de dentro do navio Raul Soares / Divulgação/Gov.br

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Além dos filhos de Rubens Paiva, pelo menos mais uma família com ligação afetiva, política e histórica com Santos segue sem saber o paradeiro de um ente querido, vítima de tortura nos porões da ditadura militar (1964/1985). Trata-se da família de David Capistrano da Costa, pai do ex-prefeito David Capistrano, que governou a cidade entre 1993 e 1996.

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Capistrano da Costa era considerado herói de guerra na França por lutar ao lado dos franceses contra o nazismo. Ex-deputado estadual pelo PCB paulista, Capistrano da Costa também lutou contra o fascismo do ditador Francisco Franco, na Espanha, e foi morto e esquartejado na chamada Casa da Morte, em Petrópolis, no Rio de Janeiro. 

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Seus restos mortais teriam sido jogados em um rio em março de 1974, mas nunca foram localizados, o que impediu a família de se despedir e velar seu corpo. Outros dois jornalistas santistas foram assassinados por militares do Exército.

Estimativas da jornalista, advogada, escritora e professora universitária Lídia Maria de Melo apontam que só no navio-prisão Raul Soares, 260 sindicalistas, estudantes, profissionais liberais e trabalhadores sofreram torturas físicas e psicológicas. Lídia reuniu o resultado de suas pesquisas nas 123 páginas do livro Raul Soares, Um Navio Tatuado em Nós.

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Somando outros locais usados pelos órgãos de repressão aos adversários da ditadura militar, até 500 presos políticos tenham sido vítimas da violência promovida por agentes do Estado Brasileiro em Santos. A estimativa é do pesquisador José Luiz Baeta, do Comitê Popular por Memória, Verdade e Justiça.

Segundo Baeta, entre esses locais usados para prisão e tortura estão o antigo prédio da Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran), na esquina da Avenida Conselheiro Nébias com a Rua Alexandre Herculano, além do Palácio da Polícia, na Avenida São Francisco, e da antiga Casa de Câmara e Cadeia, hoje rebatizada como Fábrica de Cultura 4.0, na Praça dos Andradas.

Os relatos são de atrocidades físicas e violências emocionais, com requintes de crueldade, num período de completo desprezo à democracia e aos preceitos estabelecidos pela Convenção Universal dos Direitos Humanos, proclamada em Assembleia Geral da Organização das Nações Unidos após a II Guerra Mundial.

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Jornalistas de Santos

Além de Rubens Paiva, outros dois santistas de nascimento também foram presos, torturados e assassinados nos porões do Departamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), órgão subordinado ao Exército Brasileiro durante a ditadura que se seguiu ao golpe militar de 1964.

Em julho de 1971, dias após o regresso ao Brasil, Luiz Eduardo da Rocha Merlino foi preso em Santos, na casa de sua mãe, por agentes do DOI-CODI/SP. Apesar da agressividade dos agentes, Luiz Eduardo tentou acalmar sua mãe, dona Iracema, e a irmã, Regina Merlino, dizendo: “Eu volto logo”.

Merlino morreu em 19 de julho de 1971. Conforme a versão apresentada na ocasião e reproduzida pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) em agosto de 1979, a morte teria sido causada por atropelamento após tentativa de fuga, enquanto o militante era transportado para o Rio Grande do Sul.

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Antes de morrer, Merlino escreveu, em parceria com os jornalistas Bernardo Kucinski e Ítalo Tronca, uma das primeiras obras de denúncia sobre o uso da tortura contra prisioneiros políticos no Brasil, o livro Pau de Arara – La Violence Militaire au Brésil que teve grande repercussão internacional em 1970.

Há evidências da falsidade da versão de atropelamento. Diversos presos políticos testemunharam que Merlino foi conduzido para a sede do DOI-CODI/SP e submetido a sessão de tortura que durou 24 horas seguidas. 

Depois de ser retirado da sala de tortura, apesar de se queixar de fortes dores nas pernas em consequência da longa permanência no pau de arara, Merlino foi abandonado sem qualquer atendimento médico em uma cela. 

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O jornalista formado pela USP e com passagem pelo extinto Jornal da Tarde, do Grupo O Estado de S. Paulo, tinha 23 anos quando foi assassinado pelos agentes do Estado Brasileiro.

Também nascido em Santos, Luiz Ghilardini foi operário naval e, mais tarde, jornalista. Foi morto sob tortura, em janeiro de 1973, aos 52 anos, nas dependências do DOI-CODI, no Rio de Janeiro.

Em carta enviada ao Grupo Tortura Nunca Mais, em 1993, a esposa Orandina Ghilardini, narrou, que em 4 de janeiro de 1973, sua casa foi invadida por 13 homens armados que encapuzaram e prenderam ela, o marido, e seu filho Gino, então com apenas 8 anos.

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Depois de serem espancados, os três foram levados para um local que ela presumia ser o DOI-CODI-RJ, onde a violência continuou. Na última vez que Orandina viu seu marido, ele estava com as mãos amarradas e os braços roxos. 

Depois de três dias mantida junto com o filho em uma cela exposta ao sol, Orandina foi separada de Gino. Dias depois, ela foi informada da morte de seu marido e, três meses depois pôde reunir-se com seu filho fora da unidade militar.

Segundo a versão divulgada pelos órgãos de segurança, os militares prenderam Ghilardini no Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). 

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Durante a condução para o cárcere, Ghilardini teria pedido “que o carro parasse para ele descer” e em seguida teria agredido o motorista e saltado do carro. Para impedir a fuga, os militares teriam atirado no jornalista, que morreu na rua.

Ao deixar a prisão, Orandina procurou pelo marido no Instituto Médico-Legal (IML), a partir de informação do Exército. Mas, foi informada que ele havia sido enterrado como indigente em um cemitério do Rio de Janeiro. 

O corpo de Ghilardini depois foi transferido para um ossário geral e, entre 1980 e 1981, foi lançado em uma vala clandestina com outras duas mil ossadas.

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Casa da morte

A Casa da Morte onde Capistrano da Costa foi assassinado esquartejado foi utilizada pelo Centro de Informações do Exército como um local clandestino de tortura durante o regime militar e foi localizado por Inês Etienne Romeu, única prisioneira política a sair viva do local.

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