No grupo difuso que frequenta as aulas todas as terças-feiras pela manhã qualquer pessoa é bem-vinda; orquestra faz de 30 a 40 apresentações por ano em eventos / Rodrigo Montaldi/DL
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Como nas grandes histórias, um fato divisor de águas foi fundamental para o surgimento do projeto Música Transformando Vidas: um acidente vascular cerebral que fez o consultor em tecnologia Paulo Mauá tirar o pé do acelerador da própria vida e passar a enxergar os detalhes e a delicadeza dos dias.
“Eu precisei inverter minha escala de valores e recomeçar. Antes do aneurisma eu já era músico e decidi usar esse dom como terapia própria: eu passei a tocar para não ter sequelas fí sicas e nem emocionais. A música me dez refl etir que já que eu estava vivo eu precisava fazer essa segunda chance valer a pena. O encontro com o Silvio (aluno do projeto) me colocou nos caminhos da educação para transformação e me fez ter vontade de trabalhar com agentes multiplicadores”, destaca o regente da orquestra.
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No grupo difuso que frequenta as aulas todas as terças-feiras pela manhã, qualquer pessoa é bem-vinda. Embora focada e desenvolvida para defi cientes visuais, um grupo de crianças da Cruzada das Senhoras Católicas acompanha a aula, com fl autas em punho. Professoras de outras entidades também comparecem, buscando traços da metodologia usada que possam ser adaptados para as próprias aulas.
“Acho que o processo é muito simples. Qualquer um que bater nessa porta será bem acolhido aqui. Se ele se tornar frequente recebe uma fl auta e pode se apresentar conosco nos eventos que fazemos. Não há um critério mínimo de domínio para que qualquer pessoa faça parte. Basta estar conosco, acompanhando o que for possível. Subimos nos palcos convencionais e improvisados com vários níveis e quem não tiver muito domínio com certeza buscará o aprimoramento para a próxima apresentação. Tudo é processo”, ressalta Paulo.
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O grupo faz de 30 a 40 apresentações por ano em Residenciais para Idosos, escolas públicas e demais festividades da cidade. Nas quase 2 horas de apresentação ininterrupta, o repertório passa por Beethoven, Luiz Gonzaga, Raul Seixas e Gilberto Gil.
Vivendo na prática os pilares da inclusão, autoestima e cidadania, Paulo se lembra da apresentação mais marcante que coordenou do Música Transformando Vidas. “Sem dúvida foi a que fi zemos para a população em situação de rua. Foi uma plateia especial para pessoas especiais em um palco improvisado. Duas classes constantemente excluídas que se uniram, naquele dia e naquele local, pela música. Eu não sei dizer o que senti. Algumas coisas da vida simplesmente não se explicam”, conta emocionado o professor. “Dá para explicar sim. Naquele dia todos nós usamos a linguagem do coração”, completa sorrindo o aluno Luiz Carlos Santos.
Histórias de vidas transformadas pelo poder e leveza da música
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‘We Will Rock You’, clássico da banda americana Queen, preenchia os ambientes da Casa da Visão, em Santos. Eternizada no ritmo do rock, na última terça-feira a música foi entoada no ritmo da flauta doce, preenchendo espaços vazios.
É ali, no pedacinho já próximo ao Centro da movimentada Avenida Conselheiro Nébias que Cida Alves, de 60 anos, encontrou a força necessária para lidar com a deficiência visual. “Eu tinha baixa visão e em 2013 perdi completamente. Eu ficava triste em casa até ser convidada para fazer parte desse grupo. Eu adoro flauta e estar aqui, tocando e interagindo com outras pessoas, me deixa mais viva”, conta.
Silvio de Souza, companheiro da empreitada de Paulo, conta que após passar a juventude tocando no Conservatório de Cubatão, se reencontrou com a música após o acidente que o fez perder a visão há 23 anos. “Foi preciso o baque para que eu resgatasse algo que deixei na minha juventude. Hoje sei que a música transforma não apenas a minha vida, mas a de todos: os que tocam e os que escutam”, conta.
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Após perder a visão em uma cirurgia, o exmotorista Wilian Andrade, de 60 anos, conta que descobriu uma nova forma de enxergar a vida. “A música veio para preencher um espaço e hoje ela significa tudo. Descobri uma nova vida a partir da flauta. Quando for escrever meu nome no jornal coloca assim: Wiliam Andrade, com M de músico no final, pois é isso o que sou hoje. Músico com muito amor”, finaliza emocionado o artista.
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