Cubatão

Porto público tem produtividade 86% maior que cais privatizado de Cubatão

Enquanto margens direita e esquerda têm congestionamento de navios, terminais de uso privado estão ociosos

Nilson Regalado e Luana Fernandes

Publicado em 07/01/2024 às 07:00

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O marco regulatório diferenciou a forma de exploração dos terminais / Divulgação/SPA

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A produtividade nas margens direita e esquerda do Porto de Santos foi 86,45% maior que nos dois Terminais de Uso Privado de Cubatão (TUPs) nos onze primeiros meses de 2023. Os dados levam em consideração a quantidade de atracações em cada um dos 54 berços de Santos e do Guarujá, na comparação com os três berços existentes no terminal exclusivo da Usiminas e os outros quatro da VLI Multimodal. Segundo dados oficiais da Autoridade Portuária de Santos (APS), enquanto o porto público registrou 4.617 atracações de 1º de janeiro a 30 de novembro, os dois terminais privatizados de Cubatão receberam 332 navios para carga e descarga em 346 dias.

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Ou seja, o chamado porto organizado contabilizou 1,79 navio atracado, em média, por berço a cada sete dias. Em Cubatão, essa média caiu para 0,96 embarcação por berço a cada semana. Enquanto os terminais privatizados permanecem ociosos, os atrasos se sucedem no porto público por excesso de navios, distribuindo prejuízos a setores importantes da Economia, como os produtores e exportadores de café, por exemplo.

Só em novembro, o Centro dos Exportadores de Café (Cecafé) contabilizou recorde de atrasos nos embarques. Segundo o Boletim Detention Zero (DTZ), elaborado pela ElloX Digital em parceria com o Cecafé, 81% dos navios contratados para levar o grão brasileiro aos quatro cantos do mundo enfrentaram algum retardo imprevisto em Santos durante o mês.

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E os atrasos nas escalas dos navios contratados para embarque de café vêm subindo desde junho, quando 43% das escalas sofreram alterações. O Cecafé não consegue contabilizar o prejuízo para exportadores e produtores diante de tanta demora, pontualmente potencializada por eventos climáticos extremos nos portos da Região Sul.

Essa baixa produtividade nos TUPs de Cubatão contrasta com os resultados de uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Embora Terminais de Uso Privado e portos públicos tenham interesses econômicos semelhantes, a auditoria do TCU apontou um índice de ociosidade de 56% na média dos cais públicos brasileiros em 2020.

O procedimento relatado pelo ministro Bruno Dantas, do TCU, também observou que foram investidos R$ 38,9 bilhões em novos terminais privados naquele ano. Já nas áreas federais, o arrendamento de áreas portuárias somou R$ 3,6 bilhões.

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O porto privatizado de Cubatão compreende uma área com mais de cinco milhões de metros quadrados no coração do maior polo logístico da América do Sul. Os dois TUPs ficam a seis quilômetros do Porto de Santos e a menos de 60 quilômetros da Grande São Paulo, maior polo consumidor do País.

MARCO REGULATÓRIO.

O movimento reduzido de navios em Cubatão, na comparação com o chamado porto público de Santos, pode motivar sanções à Usiminas e à VLI. Essas eventuais penalidades estão previstas no Artigo 8º da Lei 12.815.

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Sancionada em 2013 pela então presidenta Dilma Rousseff, a regra estabelece obrigações e fixa o prazo de 25 anos para que "autorizatários", como é o caso da Usiminas e VLI, invistam na expansão e modernização das instalações portuárias.

A fiscalização quanto ao cumprimento das condições estabelecidas nesses contratos cabe à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). A Lei 12.815/13 também prevê que o uso das instalações pode ser prorrogado por outros 25 anos, desde que as obrigações sejam cumpridas pelas empresas e haja o interesse mútuo na continuidade do modelo de negócios.

A Antaq informou que "eventuais alterações contratuais demandarão a observação das regras estabelecidas pelo Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) e pela Autarquia".

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Em relação ao Terminal Integrador Portuário Luiz Antônio Mesquita (Tiplam), operado pela VLI Multimodal, a Antaq disse que "desde 1993, quando foi assinado o primeiro contrato de adesão, houve mais quatro pedidos de melhorias na área. Em 2017, 2018 e 2020 a Antaq realizou quatro vistorias técnicas no terminal para liberação e ampliação de áreas".

Em relação ao Terminal Marítimo Privativo de Cubatão (TMPC), a autarquia revelou que a Usiminas "também possui um contrato de adesão antigo, assinado em 1995, e adequado em 2016. Em 2020, após vistorias técnicas da Antaq, a instalação obteve a habilitação para tráfego internacional de suas cargas".

Consultada se buscaria alguma interlocução com a Usiminas e a VLI para aumentar o uso dos berços localizados em Cubatão, a Autoridade Portuária de Santos preferiu não comentar o assunto. A justificativa da APS é que "os Terminais de Uso Privado, por definição, estão fora do Porto Organizado, portanto, fora da área de jurisdição da Autoridade Portuária de Santos".

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Porto público x cais privado

O marco regulatório diferenciou a forma de exploração dos terminais.

- No porto público, as áreas de atividade portuária podem ser arrendadas às empresas privadas mediante a celebração de contratos, sempre precedidos de licitação. São considerados como critérios para julgamento, entre outros, a maior capacidade de movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo de movimentação de carga.

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- Já os terminais de uso privado (TUP) são instalados em áreas fora do porto organizado, cuja exploração será realizada mediante autorização. Essa autorização será formalizada por meio de um contrato de adesão.

Operadoras são 'herdeiras' do 'espólio' de Cosipa e Ultrafértil

Dos sete berços em operação atualmente nos TUPs, quatro ficam no Terminal Integrador Portuário Luiz Antônio Mesquita (Tiplam). Essa instalação está a serviço da VLI Multimodal, gigante que detém terminais portuários e linhas de trens em quatro das cinco regiões do País. Os outros três ficam no Terminal Marítimo Privativo de Cubatão (TMPC) e são exclusivos da Usiminas, uma das líderes na siderurgia no País. Tanto a VLI quanto a Usiminas estão sob forte influência do capital internacional.

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Dentre os berços do Tiplam, dois são usados exclusivamente para exportação e outros dois para importação. A VLI é subsidiária da Vale Sociedade Anônima, 'herdeira' do 'espólio' da antiga Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Fundada pelo ex-presidente Getúlio Vargas (1882/1954), a CVRD foi privatizada em 1997, no Governo Fernando Henrique Cardoso.

Segundo a Assessoria de Comunicação da VLI, o Tiplam opera como "terminal bandeira branca", oferecendo sua capacidade a outras operadoras "para escoamento das riquezas produzidas no País".

A VLI atende os principais produtores de bens minerais e do agronegócio. E seu terminal portuário em Cubatão é especializado na movimentação de insumos para fertilizantes, como enxofre e amônia, além de açúcar e grãos.

Gigante multinacional, a Vale consome 5% de toda a energia produzida no Brasil. Apesar da montanha de dinheiro que movimenta, do volume de impostos que recolhe e dos milhares de empregos que gera, depois de privatizada a Vale foi eleita como a pior do mundo em direitos humanos e meio ambiente, pelo Public Eye People's.

O 'prêmio' é patrocinado pelas ONG's Greenpeace e Declaração de Berna. A empresa também esteve indiretamente envolvida, através de suas subsidiárias, pelos desastres ambientais de Mariana (2015) e de Brumadinho (2019). Os dois incidentes deixaram um saldo de 291 mortos e espalharam prejuízos por Minas Gerais e pelo Espírito Santo.

A história do Tiplam remonta à década de 1960, quando foi fundada a antiga Ultrafértil S.A. Indústria e Comércio de Fertilizantes. Segundo o novomilenio.inf.br, o então terminal marítimo da Ultrafértil entrou em operação em 28 de julho de 1969. Na época, ele ficava a seis quilômetros da fábrica, que recebeu o pomposo nome de "maior complexo de fertilizantes da América Latina". Na inauguração, o porto privativo tinha 240 metros de comprimento.

Os outros três berços de Cubatão pertencem à Usiminas, sucessora da antiga Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa). Criada em 1960 pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek (1902/1976), a construção da siderúrgica estatal contou com o apoio de empresas alemãs e japonesas, que forneceram tecnologia e conhecimento para o projeto.

No início das operações em seus cais privados, tanto a Cosipa quanto a Ultrafértil enfrentaram a oposição do Sindicato dos Operários Portuários de Santos e da antiga Companhia Docas de Santos (CDS), a autoridade portuária da época.

Rapidamente, a estatal se tornou um dos principais pilares da indústria siderúrgica brasileira. Sua localização estratégica viabilizou a exportação de seus produtos para o mundo todo, impulsionando o setor industrial do Brasil. Durante as décadas de 1970 e 1980, a Cosipa ampliou sua capacidade de produção e investiu em tecnologia para se tornar ainda mais competitiva no mercado global.

Mas, a partir da década de 1990, a empresa enfrentou desafios que incluíram a abertura do mercado brasileiro à concorrência internacional. Isso aconteceu durante o governo do ex-presidente Fernando Collor. Problemas de gestão também prejudicaram o desempenho da Cosipa.

A siderúrgica então foi incluída no Plano Nacional de Desestatização durante o mandato de Collor e acabou privatizada em agosto de 1993, durante o governo do ex-presidente Itamar Franco (1930/2011).

FAMÍLIA COSIPANA.

No auge, nas décadas de 1970 e 1980, a Cosipa chegou a ter perto de 14 mil funcionários de efetivo próprio. Somados aos terceirizados, eram quase 20 mil trabalhadores. Em 1997, já eram pouco mais de oito mil. Hoje, segundo o Sindicato dos Siderúrgicos e Metalúrgicos da Baixada Santista, a planta industrial da Usiminas emprega apenas 1.400 empregados e mais 800 terceirizados.

"Com o fechamento das áreas primárias da antiga Cosipa, houve um tremendo impacto negativo na economia da região. Isso gerou um grande desemprego, tanto no efetivo próprio quanto nas terceirizadas", lamenta o presidente doo Sindicatos dos Siderúrgicos e Metalúrgicos, Sergio César Oliveira.

Com as áreas de aciaria em pleno funcionamento, a Cosipa chegou a produzir 4,2 milhões de toneladas de aço por ano. Mas, a partir de 2015, com a desativação dos altos fornos e demais áreas primárias, hoje a planta de Cubatão só lamina as placas de aço, em chapas finas e bobinas a quente a frio.

Através de sua Assessoria de Comunicação, a empresa afirmou que, somadas, as duas plantas industriais da empresa, em Cubatão e em Ipatinga, Minas Gerais, produziram 2,999 milhões de toneladas de aços laminados de janeiro a setembro deste ano.

Veja amanhã no Diário: deputado federal Alberto Mourão (MDB) diz que "vai para cima" dos terminais privatizados de Cubatão e o prefeito Ademário Oliveira diz que "o mundo inteiro está de olho no filé" do Porto de Santos.

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