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Desconfiado da presença da Reportagem, o menino segue com restos de entulhos nos ombros em direção a uma das centenas de casas que está sendo erguida, silenciosamente, em Guarujá, cidade com um déficit habitacional na ordem de duas mil moradias. Pedrinho (nome fictício) é apenas um dos milhares de ‘operários mirins’ na construção de um de um novo bairro: Vila Nova. Erguido de forma silenciosa e clandestina, ele está localizado em frente ao bairro de Morrinhos, um dos mais populares e carentes da Cidade.
Por ironia do destino, o terreno escolhido pelos ocupantes – em que já foram erguidas exatas 713 casas que abrigam mais de duas mil pessoas (700 crianças) - fica atrás de uma área que estão vários montes de restos de material de construção que sobrou de um complexo habitacional, que tinha 458 moradias, abandonado pela Caixa Econômica Federal (CEF). As moradias nunca foram entregues e o material, inclusive, está sendo usado pela comunidade para erguer seus futuros lares.
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A área tem dono. É da Cooperativa Real da Habitação (Coophreal), que administra obras em três cidades da região e que construiu dois complexos nas imediações. Neste sentido, o futuro bairro Vila Nova já causa um conflito de dois direitos constitucionais, o de propriedade (por parte da cooperativa) e o de moradia por parte da comunidade que, por sinal, em função da organização, se mostra diferente de todas as demais que proporcionaram ocupações irregulares no Município, notabilizado por sua grande quantidade de favelas.
Em 2010, em números absolutos de unidades habitacionais precárias, o Município era campeão em favelização do litoral paulista. Naquele ano, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) informou que 26.095 moradias eram classificadas como “subnormais”. Elas abrigavam 95.427 pessoas.
De tambores de lixo à horta comunitária
No local, a Reportagem conversou com uma comissão de moradores, liderada pelo auxiliar administrativo Thiago Gentil. Ele já iniciou o processo de registro da futura Associação de Moradores da Vila Nova no cartório e fez questão de enfatizar como vem organizando a área, adquirindo tambores para coleta de lixo; coibindo a venda de lotes; numerando as casas; nominando ruas, cadastrando moradores e criando até uma horta comunitária, sob a responsabilidade da moradora Maria Solidad Silva dos Santos.
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“Não temos condições de comprar a área de uma vez, somente de forma parcelada, mas temos que dar um teto para nossas famílias. Já temos a sede da associação e estamos reservando local para abrigar uma escola, uma creche, um posto de saúde e até um campo de futebol. Qualquer pessoa de bem pode andar livremente aqui porque os moradores são todos trabalhadores. Nossa luta é por moradias dignas, nada mais”, afirma Gentil.
Thiago Gentil salienta que existe preocupação até com a largura das ruas, para evitar a formação de becos e locais que sirvam de esconderijo para marginais. Uma das principais vias de acesso às residências dá uma noção exata do sentimento da comunidade da Vila Nova. Ela foi nominada Rua Esperança, localizada por intermédio de uma placa improvisada.
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O pedreiro e conselheiro fiscal da comissão de formação da associação, Severino José Teixeira, revela a intenção é formar um bairro organizado. “Eu cheguei a fazer o cadastro no programa Minha Casa, Minha Vida, mas meu registro não foi encontrado na Prefeitura. Estou morando aqui há um ano e quatro meses e, como os demais moradores, busco dias melhores para minha família”, disse.
Advogado defende novo núcleo
Procurado pela comissão e se mostrando preocupado com a possibilidade de nascimento de uma nova favela em Guarujá, o advogado Airton Sinto promoveu uma reunião com a direção da Coophreal. Sinto acredita que, com boa vontade dos órgãos públicos, o novo bairro pode se concretizar.
“Eu respeito o direito de propriedade. Mas existe um forte apelo social nesta questão. Meu papel é tentar sensibilizar o poder público e o privado a buscar uma solução amigável e evitar que mais uma favela se forme na cidade. As 458 unidades da CEF foram demolidas porque as estruturas foram corroídas pelo abandono. Essas famílias poderiam estar nessas unidades”, afirma o advogado.
Sinto acredita que a Coophreal poderia vender de forma parcelada lotes aos moradores que, por sua vez, por intermédio da Associação, se comprometeriam a regularizar o bairro junto à Prefeitura de Guarujá que, por seu lado, poderia obter financiamento para construir moradias populares e elaborar um plano de infraestrutura urbana – luz, água, vias públicas e outras benfeitorias.
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Airton Sinto teme que a falta de interesse público – União, Estado e Município - em regularizar a situação possa acarretar situações de violência em função de uma possível reintegração. “Cada dia três novos barracos são construídos no local.
Ninguém é a favor de invasão, mas existe um choque de direitos que precisa ser discutido, inclusive o de dignidade humana”.
Coophreal
Procurada, a Coophreal confirmou que houve uma reunião entre o representante da Comunidade e o advogado Airton Sinto, em que foi feita uma proposta para a compra do terreno, mas a empresa está consultando a Diretoria, o Conselho e o Departamento Jurídico para verificar as condições atuais da área e a proposta sobre a referida compra. Revelou, no entanto, que já está em andamento um processo de reintegração de posse da área aguardando decisão judicial.
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