Cotidiano
O general-ditador João Figueiredo (1918/1999) determinou a desapropriação de 236 quilômetros quadrados de faixa litorânea entre Peruíbe e Iguape
O Decreto 84.771, de 4 de junho de 1980, declarou o santuário ecológico no extremo sul do Litoral Paulista 'área de utilidade pública' / Renan Lousada/DL
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Os perseguidos políticos exilados no exterior começavam a voltar ao Brasil, a seleção ainda procurava um camisa 10 à altura do Rei e o preço do petróleo disparava no mundo inteiro após a revolução xiita no Irã. Naqueles dias, o general-ditador João Figueiredo (1918/1999) determinou a desapropriação de 236 quilômetros quadrados de faixa litorânea entre Peruíbe e Iguape.
Duas pontes que ‘levitam’ entre árvores imensas, no meio da selva, erguidas em concreto e abandonadas há décadas, ligariam as usinas atômicas que seriam construídas na região.
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O Decreto 84.771, de 4 de junho de 1980, declarou o santuário ecológico no extremo sul do Litoral Paulista “área de utilidade pública”. Assim, estava aberto o caminho para construção das “Usinas Nucleoelétricas 4 e 5” pelas Empresas Nucleares Brasileiras (Nuclebras), a estatal criada em 1971 para desenvolver a energia atômica no País.
O decreto esclarecia ainda que essas duas usinas seriam “unidades a água leve pressurizada de 1.200 MW, cada”. E determinava que elas teriam “como referência a Usina Núcleo-elétrica nº 2 da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto”, popularmente conhecida como Angra 2, instalada no município de Angra dos Reis, no litoral sul do Rio de Janeiro, a partir de tecnologia alemã.
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Mas, antes mesmo do decreto federal, o então governador Paulo Maluf (1979/1982) enviou técnicos da antiga Companhia Energética de São Paulo (CESP) para a Juréia.
Com pretensões de se tornar presidente da República, Maluf determinou que os funcionários da Cesp montassem acampamento na região em dezembro de 1979. Até janeiro de 1980, toda a área da primeira usina em solo caiçara já estava mapeada.
A previsão era que a obra começaria até meados de 1982, sobre cemitérios ancestrais, anteriores à invasão da Pindorama (Brasil) pelos europeus, e sobre trechos do Caminho do Telégrafo, construído a mando do imperador Pedro I às margens de praias paradisíacas e desertas.
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“A decisão de instalar duas usinas nucleares em São Paulo é irreversível”, dizia o extinto jornal Cidade de Santos, em 17 de julho de 1980, conforme pesquisa do jornalista peruibense Márcio Ribeiro.
Cesp e Nuclebras chegaram a fazer perfurações no solo da região entre as praias do Itacolomy e do Rio Verde. E parte do morro do Grajaúna foi removida, numa espécie de terraplenagem que precede as obras de engenharia.
Mas, os trabalhos acabaram abandonados devido à pressão popular e ao enfraquecimento da ditadura militar, que terminaria em 1985 com a eleição indireta do primeiro presidente civil desde 1964.
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Os protestos e abaixo-assinados se multiplicaram entre 1980 e 1981, mas a ditadura militar não cedeu. E anunciava que iria gerar até dois mil empregos na construção dos acessos às usinas. Outros sete mil trabalhadores seriam contratados só para as obras dos reatores nucleares.
Três mil casas seriam construídas para abrigar os operários e suas famílias. Para diminuir a antipatia popular ao projeto, a ditadura militar prometia até construir um mercado municipal, um terminal rodoviário em Peruíbe e investir em equipamentos turísticos. A promessa era de desenvolvimento econômico para o Litoral Sul.
“A construção das terceira e quarta usinas nucleares na região entre Peruíbe e Iguape, será iniciada em meados do próximo ano”, anunciava o Jornal do Commercio, do Recife, em 21 de fevereiro de 1981, conforme a pesquisa de Márcio Ribeiro.
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Mas, a ditadura começou a se enfraquecer em outubro de 1982, quando a oposição elegeu governadores pela primeira vez em duas décadas nos principais estados do País e fez uma robusta bancada no Congresso Nacional.
Desgastados, os militares entregaram o poder a um civil, Tancredo Neves, em 1985. Impedido de assumir por problemas de saúde que levaram à sua morte, Tancredo foi substituído pelo vice, José Sarney.
Em São Paulo, o então governador André Franco Montoro (1983/1986) atendeu o clamor da sociedade e transformou toda área no Parque Estadual Juréia-Itatins, a modalidade mais restritiva dentre as unidades de conservação.
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Enquanto senador da República (1979/1982), Montoro foi o primeiro político a denunciar os planos da ditadura militar para a Juréia.
A iminente construção das usinas atômicas assustava moradores, veranistas e parte da comunidade científica. Todos tinham, ainda frescos na memória, os impactos do acidente de Three Mile Island, nos Estados Unidos. Em 1979, o colapso de um reator na usina atômica provocou o acidente nuclear mais grave da história dos Estados Unidos, com o vazamento de gases tóxicos radioativos na Pensilvânia.
Antes, em 1975, uma falha técnica deu início a um incêndio em um dos reatores centrais da usina de Windscale, na Inglaterra, e materiais radioativos foram liberados no entorno. A unidade fora escolhida para produzir uma bomba atômica pelo governo britânico. Acredita-se que a radiação pode ter sido responsável por centenas de casos de câncer na região de Windscale.
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Também em 1975, uma falha no sistema de refrigeração do compartimento de armazenamento de resíduos nucleares provocou uma explosão que liberou toneladas de material radioativo na atmosfera. Essas partículas contaminaram Mayak, na Rússia, e as cidades próximas, obrigando 100 mil pessoas a abandonar suas casas.
E todos tinham na memória a explosão das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, que foram lançadas pelos Estados Unidos em 1945, no final da Segunda Guerra Mundial.
Aqueles foram os primeiros e únicos ataques nucleares contra alvos civis, mas provocaram a morte de 150 mil japoneses. As bombas atômicas também provocaram queimaduras graves em outros milhares de japoneses e multiplicaram os casos de câncer de mama, pulmão e tireóide nas regiões atingidas pela radiação.
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