Cotidiano

Um ano após acidente que matou Eduardo Campos, moradora busca indenização

Apartamento de Marlene Rodrigues Martinez foi um dos atingidos na Rua Vahia de Abreu, no Boqueirão, em Santos

Pedro Henrique Fonseca

Publicado em 13/08/2015 às 01:40

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Marlene Rodrigues Martinez trabalhou por 42 anos com aviação. Apesar de trabalhar em terra para uma companhia aérea, conta estar acostumada com os sons típicos de uma aeronave. E foi um barulho que ela conhecia bem, da turbina de um jato, que irrompeu a manhã chuvosa de quarta-feira da aposentada, no dia 13 de agosto de 2014.

O apartamento de Marlene, na Rua Vahia de Abreu, foi um dos atingidos na queda do avião Cessna, prefixo PR-AFA, que vitimou o então candidato à Presidência da República Eduardo Campos (PSB), além de outros quatro passageiros, piloto e copiloto.

“Aquele dia foi terrível. Acho que a guerra da Bósnia perdia para a gente aqui. Foi uma tragédia, mesmo! Eu estava na cozinha. Não sei se era luz, se era fogo. Tinha os bambus que dificultavam a visão. Só vi um clarão e eu falava ‘aqui não, aqui não’ porque eu vi o bicho acelerando e não dava tempo nem de fugir. Estava eu e o cachorro na cozinha. O avião caiu a metros de mim porque foi ao lado do muro da minha casa. Ainda dei um pulo na porta dos fundos para ver o que tinha acontecido. Não tinha noção. Quando vi tudo pegando fogo eu comecei a gritar para todo mundo sair”, conta Marlene.

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Desalojada do lar, do dia para noite, Marlene e as irmãs foram morar com uma sobrinha. Permaneceram lá até janeiro. “Fomos morar numa casa menor do que a nossa, com dois cachorros e mais duas pessoas. Voltamos em janeiro, no meio das obras, porque ninguém aguentava mais ficar fora. Os muros estavam levantados, mas não tinha nada terminado. O quintal ainda estava por fazer, a lavanderia não tinha sido refeita. Estava tudo em obras e com um cheiro muito forte. Durante muitos meses você não aguentava o cheiro”.

O apartamento, térreo, virou uma passagem para os órgãos que trabalhavam na investigação do acidente. A turbina do jato entrou no apartamento que fica em cima do de Marlene. Os bombeiros também passavam pelo local para combater o fogo. Tudo isso contribuiu para a destruição parcial da moradia, que havia sido reformada um ano antes.

“Não tive coragem de entrar aqui por três meses. Eu olhava pelo lado de fora e via muito entulho no prédio inteiro. Descreviam-me como estava o apartamento. Ele estava cheio de água porque precisaram apagar o fogo no apartamento de cima. Inundou meu apartamento. Água corria pelas paredes, fazia marola no chão”.

As perdas foram diversas. Desde máquina de lavar roupa até toalhas de mesa e banho. Para retornar ao lar foi preciso lavar colchões e o sofá, encharcados pela água que combateu o incêndio. Já alguns eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos tiveram seu tempo de uso reduzido.

“Não tenho dinheiro para repor tudo de uma vez. Sou aposentada, uma das minhas irmãs também e a outra não tem renda. Não é que vivamos mal, mas nosso dinheiro é limitado. Agora, com essa crise instalada, não tenho como. Estou pagando minhas dívidas de tudo que eu tive que comprar para ter o básico”.

Marlene Rodrigues Martinez busca, na Justiça, direito à indenização (Foto: Matheus Tagé/DL)

Críticas

A aposentada não poupou críticas ao PSB. Para ela, o partido foi omisso em relação às vítimas de Santos e só se pronunciaram na época das eleições. “Você passar por aqui e não ter sua casa, dar trabalho para outros, etc. E esses poderosos do Recife não oferecerem absolutamente nada? Só vieram aqui antes das eleições. Márcio França ofereceu mundos e fundos, disse que o PSB não iria desamparar as famílias. Veio o Antônio Campos e disse que iria fazer tudo o possível. Isso tudo foi papo antes das eleições. Depois, nunca mais vi a cara e nem ouvi a voz dessa gente”.

Um grupo de moradores e comerciantes contratou um escritório de advocacia, de São Paulo, especializado em desastres aéreos. Enquanto o processo segue, Marlene questiona sobre a responsabilidade pela aeronave.

“Um avião que cruzou o Brasil de leste a oeste, norte a sul, e ninguém sabe quem é o dono? Todo muito tá tirando o corpo da história. Não é possível. Tem que ter um responsável”.

A empresa AF Andrade enviou para a Anac um documento, informando que tinha repassado o avião para o empresário pernambucano João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho. Ele seria proprietário da aeronave em conjunto com o também empresário do estado, Apolo Santana Vieira. Segundo o presidente do PSB, Roberto Amaral, eles teriam autorizado o uso do jato na campanha eleitoral de Campos.

De acordo com a aposentada, Lyra e Vieira já fizeram alguns acordos. Por contrato, as pessoas não podem falar sobre e nem revelar o acordo, sob pena de multa. Já Marlene, não aceitou qualquer tipo de acordo.

“Eu não quero acordo com essa gente. O João Carlos Lyra enviou aqui dois peritos para avaliar as perdas materiais do nosso apartamento. O perito avaliou em R$ 58 mil. Sabe o quanto ele me ofereceu? R$ 19 mil. Eu falei ‘acabou o papo’. Não quero contraproposta, não quero saber quem são essas pessoas. Não me interessa porque isso é gozação”.

“A minha esperança é que todo esse processo do avião está nas mãos do Ministério Público e da Polícia Federal. Eu sei que vai demorar. O pessoal faz tudo para retardar o processo. O tamanho não é como de uma Operação Lava Jato, mas envolve políticos, gente poderosa ligada à política. Quando mexe com essa gente... Essa gente é muito poderosa”.

Elogios à Prefeitura

Para a aposentada, a postura da Prefeitura de Santos é uma das poucas a receber elogios, assim como a Defesa Civil e os bombeiros. Segundo ela, a Administração Municipal ofereceu toda a estrutura que estava ao alcance.

“A Prefeitura foi nota 10. Deram-nos assistência jurídica e social. Montaram uma barraca, cadastraram todos os afetados e ligaram durante uns dois meses para nós. Meus remédios estavam na cozinha e queimaram todos. A Prefeitura mandou tudo para eu usar durante meses. Para eu e minhas irmãs. Fora a isenção de IPTU de três anos. A Prefeitura foi muito humana. Funcionou muito bem”.

Por fim, Marlene garante que não está traumatizada pelo acidente e que não irá desistir de lutar pelo direito a uma indenização. “Se me perguntar se estou traumatizada, respondo que não. É uma coisa que você não esquece. Mas, enfim, você tem que tocar a vida. Nós estamos vivos e não adianta chorar sobre o leite derramado. Agora, como eu posso fazer acordo com um cara (João Carlos Lyra) que quer que a gente abra mão dos danos morais? Eu não posso abrir mão. Se ele tivesse sido um cara decente, mas ele não ofereceu nada. A gente não vai desistir”.

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