Cotidiano

Torturador da Ditadura morreu em cidade do Litoral de SP

Ele é um dos maiores torturadores dos quadros da repressão, ao lado do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra

Carlos Ratton

Publicado em 23/09/2024 às 06:15

Atualizado em 23/09/2024 às 07:12

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O DOI-Codi foi um órgão subordinado ao Exército / Divulgação

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O capitão do Exército Ênio Pimentel da Silveira, conhecido na Ditadura Civil-Militar como Doutor Ney – um dos maiores torturadores dos quadros da repressão, ao lado do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – suicidou-se na Fortaleza do Itaipú, em Praia Grande, com três tiros no peito. Ele comandou a fortificação, já na patente de coronel, por pouco tempo - entre 13 de fevereiro de 1985 a 23 de maio de 1986 (dia em que se matou).

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A informação regional acima contextualiza o atual momento quando, segundo publicado no site Metrópoles, o Ministério Público Federal (MPF) requisitou que a Justiça de São Paulo (SP) declare a responsabilidade civil de 42 ex-agentes da Ditadura Militar por ligação com a morte ou o desaparecimento forçado de opositores do regime. O Doutor Ney está nela. 

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A lista de envolvidos tem 26 ex-integrantes do DOI-Codi do II Exército, em São Paulo. Também são alvos dos pedidos 16 ex-servidores do Instituto Médico Legal (IML) paulista.

Integrante do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) desde 1970, Ênio passou antes pelo Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo, onde aprendeu as táticas de vigilância então adotadas pela polícia do estado. 

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No DOI-Codi, encabeçou equipes de torturadores e fazia parte de um grupo conhecido como ‘mágicos’ por se especializarem em desaparecer com os corpos das vítimas que não aquentavam o sofrimento e morriam durante as sessões de tortura. 

Também chegou a executar prisioneiros do regime pessoalmente, segundo farta bibliografia. Raros são depoimentos de presos que sobreviveram da ‘clínica geral’ para acusá-lo, pois os ‘pacientes’ do Doutor Ney desapareciam ou tornavam-se ‘cachorros’ (delatores cooptados pelo regime).   

Conforme destaca o jornalista Marcelo Godoy, em seu livro Casa da Vovó (uma biografia do DOI-Codi – o centro de sequestro, tortura e morte da Ditadura Militar), o então capitão Ênio (Doutor Ney) aprendeu os segredos do ‘trabalho’ de localizar e aniquilar o inimigo no DOPS e teve como professor do Doutor Fleury (Sérgio Fernando Paranhos Fleury), um dos mais sanguinários agentes da repressão e chefe do Esquadrão da Morte, que assassinava pobres supostamente criminosos. Também teve como chefe o major Carlos Alberto Brilhante Ustra – o primeiro torturador condenado no Brasil.

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No mesmo livro, página 37, o jornalista escreve que Doutor Ney usava um Corcel vermelho em suas operações. As portas traseiras não tinham trinco para que pudesse transportar tranquilamente prisioneiros no banco de trás do carro. Usava uma submetralhadora escondida em uma sacola de feira toda vez que participava de uma operação. 

Na página 39, há a informação que o primeiro casamento do Doutor Ney acabou porque, entre outras coisas, a esposa chamava os subordinados do marido de assassinos. Um dia antes do suicídio, deu uma palestra até às 23 horas e a quem acredite que ele foi, na verdade, assassinado.   
 
Na Fortaleza do Itaipú, a foto do comandante-torturador, coronel Ênio Pimentel da Silveira, o Doutor Ney, se encontra entre os quadros de homenagens a ex-comandantes, sem qualquer referência ao seu passado sombrio, como se fosse herói nacional. Ele chegou até, em 1972 (plena Ditadura), a receber a Medalha do Pacificador com Palma, mesmo citado em vários e relatórios sobre crimes contra os Direitos Humanos.  No recente livro Cachorros, também do jornalista Marcelo Godoy, ele é por várias vezes citado.

Ação

A ação civil pública do MPF tem o objetivo de promover, além da responsabilização pessoal dos ex-agentes, uma série de medidas de reparação, preservação da memória e esclarecimento da verdade sobre o período da Ditadura.

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A declaração de responsabilidade representaria o reconhecimento jurídico de que os réus tiveram participação em atos de sequestro, tortura, assassinato, desaparecimento forçado e ocultação das circunstâncias da morte de 19 militantes políticos.

O MPF pede que todos sejam condenados a ressarcir os danos que as práticas ilegais causaram à sociedade e as indenizações que o Estado Brasileiro já pagou às famílias das vítimas. O total passa de R$ 2,1 milhões, em valores sem atualização monetária. No caso daqueles já falecidos, a reparação financeira deve ser cumprida por seus herdeiros.

A ação pede que os réus vivos percam eventuais funções ou cargos públicos ocupados atualmente e tenham suas aposentadorias canceladas. A União e o Governo de São Paulo também são réus na ação. O MPF pede que a justiça declare a omissão de ambos na tarefa de investigar e responsabilizar ex-agentes do sistema de repressão da ditadura militar – como o caso do Doutor Ney, que está homenageado em Praia Grande.

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Entre as medidas determinadas está a abertura de arquivos e acervos sobre o período da ditadura e criar espaços de memória que tratem das violações de direitos ocorridas no período. 

O DOI-Codi foi um órgão subordinado ao Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante a Ditadura que se seguiu ao golpe militar de 1964. “Se o DOPS teve o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o DOI teve o capitão Ênio”, compara Marcelo Godoy. 

Itaipú

Na ditadura, a exemplo de outras fortificações militares, a Fortaleza do Itaipú foi integrada ao sistema repressivo para ser usada como prisão política. Entre os casos conhecidos, estão os militares presos ali durante o golpe de 1964 e estudantes presos no Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1968. 

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Depois de passar pelo Deops/SP, cerca de dez estudantes considerados líderes foram transferidos para a fortaleza. O local continua sob a jurisdição do Exército. 

Além de Ênio Pimentel da Silveira, o Doutor Ney, os 26 ex-integrantes do DOI-Codi citados são Carlos Alberto Brilhante Ustra, Sérgio Paranhos Fleury, Adyr Fiuza Castro, Alcides Cintra Bueno Filho, Altair Casadei, André Leite Pereira Filho, Antônio Cúrcio Neto, Antônio Vilela, Aparecido Laertes Calandra, Audir Santos Maciel, Cyrino Francisco de Paula Filho, David dos Santos Araújo, Dirceu Gravina, Durval Ayrton Moura de Araújo, Edsel Magnoti, Félix Freire Dias, Gabriel Antônio Duarte Ribeiro, Jair Romeu, José Barros Paes, José Brant Teixeira, Lourival Gaeta, Luiz Martins de Miranda Filho, Paulo Malhães, Pedro Antonio Mira Grancieri e Walter Lang.

Já os nomes vinculados ao IML de São Paulo são Abeylard de Queiroz Orsini, Antonio Valentini, Arildo de Toledo Viana, Armando Cânger Rodrigues, Arnaldo Siqueira, Carlos Setembrino da Silveira, Ernesto Eleutério, Fernando Guimarães de Cerqueira Lima, Isaac Abramovitch, João Grigorian, João Pagenotto, José Henrique da Fonseca, José Manella Netto, Mário Nelson Matte, Octavio D’Andrea e Orlando José Bastos Brandão. De acordo com o MPF, todos foram responsáveis por atos que buscaram dissimular as razões das mortes de opositores da ditadura.

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