Cotidiano
Construção de novas linhas de transmissão vai provocar desmatamento de 35 hectares e coloca em risco animais raros, plantas em vias de extinção e patrimônio histórico
O sítio arqueológico que guarda segredos de povos ancestrais fica na Ilha de Santo Amaro / Nair Bueno/DL
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Além de provocar o desmatamento de 35 hectares de florestas e mangues na Baixada Santista, as 63 torres de alta tensão que estão sendo erguidas em Cubatão, Santos e Guarujá também podem impactar o maior sambaqui que a humanidade já descobriu. O sítio arqueológico que guarda segredos de povos ancestrais fica na Ilha de Santo Amaro.
Estudos reunidos no licenciamento ambiental do empreendimento apontam que esse local abrigou populações que habitaram a região entre sete mil anos e o século 12 da Era Cristã.
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Mais: as torres de transmissão de energia também vão passar por cima de outro sítio arqueológico importante, o Raiz da Serra, em Cubatão. Outros dois locais, que também guardam rastros dos primeiros caiçaras, estão na área do empreendimento.
Localizado na chamada Área de Influência Direta da Linha de Transmissão 345 kV o Sambaqui Crumaú tem 83.118 metros quadrados. Dentro desse sítio arqueológico a maior concentração de vestígios da presença de povos ancestrais está concentrada em uma área de 300 metros quadrados.
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Os sambaquis são locais onde os povos pré-coloniais se concentravam devido à fartura de alimentos. O que diferencia o sambaqui de outros sítios arqueológicos é justamente o acúmulo de cascas de conchas, ossos de peixes e outros resíduos de atividade humana, que representam marcos paisagístico. O volume de vestígios históricos é tão grande nesses ambientes que eles formam morros com a altura de prédios com até dez andares.
Esse é o caso do Sambaqui Crumaú, onde as conchas acumuladas pelo povo sambaquieiro formam uma montanha de 31 metros de altura. A elevação é formada basicamente por cascas de conchas do gênero Lucina e por terra preta, provavelmente formada pela decomposição de matéria orgânica.
Considerado o maior sambaqui já descoberto pela humanidade, este sítio arqueológico fica no Guarujá, próximo a um braço do Rio Crumaú, que deságua no Canal de Bertioga. A área é de mata fechada.
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Durante o licenciamento ambiental do empreendimento, a consultoria Preservar Arqueologia e Meio Ambiente considerou que “não há necessidade de monitoramento arqueológico (do sítio) durante as obras”. A Preservar foi contratada pela ‘dona’ da obra, a Empresa Litorânea de Transmissão de Energia (Elte) para elaborar laudos ambientais.
O reduto dos povos ancestrais fica a 1.760 metros de distância da Linha de Transmissão 345 kV CD – Domênico Rangoni – Seccionamento Tijuco Preto- Baixada Santista. Os sambaquieiros se reuniam ao longo de lagos, lagunas, mangues ou baías, locais fundamentais para obtenção de variados recursos alimentares. Eles são anteriores à civilização tupi-guarani.
Ainda mais delicada é a situação do Sítio Arqueológico Raiz da Serra, em Cubatão. O espaço é protegido pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN). E parte deste sítio arqueológico ficará sob os futuros cabos de alta tensão. Mais: a área do Raiz da Serra estará sujeita ao trânsito de operários e máquinas usadas na construção das torres de transmissão.
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Este sítio arqueológico tem 60.055 metros quadrados. Porém, diferente dos sambaquis, sua ocupação foi mais recente, já no século 19. Segundo informações reunidas pela Preservar durante o processo de licenciamento ambiental, o local “se constitui de remanescente do antigo sistema funicular de Cubatão”.
Ainda de acordo com o documento elaborado sob demanda da Elte, “entre as estruturas identificadas, estão antigos pontilhões, caixa d´água, trilhos e estruturas de sustentação”.
Essa ocupação começou em 1862, durante a construção da São Paulo Railway, estrada de ferro que ligava Santos a Jundiaí, com estação no Valongo, em frente ao Museu Pelé.
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E o declínio da atividade econômica em Cubatão provocado pelo transporte de mercadorias do Planalto diretamente até o Porto de Santos, sem qualquer parada no Município, levou à expansão de bananais desde a ‘raiz’ da Serra do Mar até o Vale do Ribeira.
Nesta época, final do século 19, foram construídas novas estradas de ferro na região, batizadas de Decauville, em alusão ao nome da empresa que fabricava as pequenas locomotivas que transportavam a fruta nas plantações.
Diante da proximidade com as linhas de transmissão e do iminente impacto no sítio arqueológico Raiz da Serra, o IPHAN orientou a Elte para que providencie o cercamento da área com telas-tapume extrusadas (cerquite) durante a obra. Também foi sugerida a instalação de placas com orientação aos operários.
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Mais: a Elte, a Preservar e a Caruso JR Estudos Ambientais e Engenharia Ltda, outra empresa partícipe do licenciamento ambiental, se comprometeram a prevenir danos ao Patrimônio Arqueológico Nacional, que é protegido pela Constituição Federal e pela Lei Federal nº 3.924/61.
As empresas deverão realizar ações educativas com a comunidade escolar de Cubatão. Também fez parte da proposta de licenciamento ambiental a realização de atividades de “salvamento arqueológico” no Sítio Raiz da Serra.
Conforme o laudo da Preservar a que o Diário do Litoral teve acesso, o material coletado durante o salvamento deverá ser encaminhado à Fundação Cultural Cassiano Ricardo. A entidade dará o “apoio institucional para a guarda permanente do acervo formado no âmbito dos projetos de prospecção, salvamento arqueológico e monitoramento arqueológico”.
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A Fundação fica em São José dos Campos, no Vale do Paraíba.