Cotidiano
Ao menos 83 funcionários fazem parte de um seleto grupo de abastados do Legislativo. Os vencimentos dos funcionários absorvem 84% da folha de despesas da Casa de Leis
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Se você perguntar a um cidadão santista comum o que é necessário fazer para ter um salário de R$ 35 mil (pouco mais de R$ 1.160,00 por dia), com certeza, virão inúmeras alternativas como, por exemplo, ser jogador de futebol. Porém, ninguém deverá responder ser funcionário da Câmara de Vereadores de Santos.
Pois é esse o salário médio de apenas um dos 83 funcionários do Legislativo santista que, por acumularem gratificações e incorporações (criadas por leis próprias), fazem parte de um seleto grupo de abastados e podem ser considerados os "Marajás da Câmara". Os salários de todos eles juntos retiram do duodécimo (repasse) da Casa R$ 1,16 milhão por mês.
O Diário do Litoral conseguiu um levantamento com os nomes dos superfuncionários e seus supersalários, pagos durante todo o ano de 2012. No ano passado, de janeiro a dezembro (contando com o 13º salário), os trabalhadores da Casa de Leis absorveram R$ 15,14 dos 27,6 milhões gastos com a folha de pagamento.
Vale a pena ressaltar que o duodécimo da Câmara em 2012 foi cerca de R$ 70 milhões e o salário inicial desses servidores — sem as incorporações e gratificações — variavam de R$ 1.900,00 a R$ 2.100,00.
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Somados aos 84 cargos de livre provimento (assessores dos vereadores), cujos salários correspondem a mais R$ 618 mil mensais, os "Marajás da Câmara" chegam a absorver 84% da folha de pagamento da Casa do Povo, o que corresponde a uma verdadeira fortuna mensal: R$ 1,78 milhão ou R$ 23,14 milhões/ano — sem contar férias e benefícios.
Patinhos feios
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O mais inacreditável é que os vereadores — principais personagens do Poder Legislativo de Santos — se comparados aos superfuncionários, são os "patinhos feios da história", pois são os que menos oneram o Castelinho (como é conhecido o prédio da Casa). No ano passado, os vereadores absorveram R$ 128,7 mil por mês em salários — R$ 1,67 milhão/ano (6% da folha). Os demais 10% da folha são para pagar os demais funcionários e pensões. Os aposentados não estão nessa conta.
O salário de R$ 35 mil citado no início da reportagem, no ano passado, era cinco vezes maior do que a de um vereador (R$ 7.430,00) — hoje cerca de R$ 9 mil. Isso significa dizer que o abastado funcionário ganha bem mais que o presidente da Câmara, vereador Sadao Nakai (PSDB), cuja responsabilidade deve ser bem maior do que a do seu subordinado.
Vale lembrar que um salário de R$ 35 mil representa duas vezes o salário atual do prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), cujo teto, diferente do Legislativo, não pode ser ultrapassado por nenhum funcionário do Executivo (R$ 17 mil).
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Também daria para pagar, mensalmente, 51 trabalhadores pelo salário mínimo nacional (R$ 678,00) ou 46 trabalhadores pelo salário mínimo paulista (R$ 755,00).
Outro detalhe: o maior salário do servidor da Câmara de Santos é 25% maior do que o do maior servidor público nacional — o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, cujo salário atual é R$ 28 mil mensais.
Ainda conforme levantamento obtido pelo DL, a lista dos supersalários — que possui alguns parentes de políticos e autoridades — tem 15 funcionários recebendo mais que o prefeito. Os holerites começam com R$ 19 mil e chegam aos R$ 35 mil. Mas tem gente ganhando também de R$ 10 a 15 mil.
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Crescimento
Ao que tudo indica, o presidente Sadao Nakai terá muito trabalho para reestruturar cargos e salários de seus cerca de 250 servidores, conforme ele próprio já anunciou, principalmente porque pretende envolver, no processo, membros dos sindicatos municipais, que devem estrilar ao saber o crescimento dos salários dos superfuncionários, bem diferente dos demais servidores municipais.
Voltando ao exemplo inicial, o salário que em 2012 era R$ 35 mil, em 2011 era R$ 33 mil; em R$ 2010 era R$ 30 mil; em 2009 era R$ 29 mil e em 2008 era R$ 24 mil. Existem vários casos semelhantes, com uma média de aumento anual de R$ 2 mil.
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Estudo
O vereador Antonio Carlos Banha Joaquim (PMDB), responsável pelo estudo e os levantamentos preliminares dos gastos da Câmara, está bastante preocupado com a saúde financeira da instituição, que deveria dar exemplo de austeridade em relação ao dinheiro público, por ser um órgão fiscalizador.
"O impacto é grande. Do jeito que a situação está se encaminhando, com esse crescimento anual da folha de pagamento da Câmara, num futuro breve o dinheiro do repasse à Câmara será só para pagar servidores. Como fazer plano de carreira se existem salários desse porte? De um lado, gente ganhando R$ 1,5 mil e, do outro, R$ 35 mil", disse Banha, alertando que o regime deveria ser único – Legislativo e Executivo.
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O vereador, que está ampliando os estudos, prevê anos difíceis em função dos supersalários. "Precisamos frear o crescimento da folha, para não ocorrer o colapso financeiro nas contas da Câmara. Eu nunca trabalhei em uma casa em que o funcionário ganhasse mais do que o patrão. Na Câmara de Santos é assim. Como pode uma pessoa entrar ganhando R$ 2.100,00 e, passados alguns anos, ter um salário de mais de R$ 30 mil? Isso é penoso ao bolso do contribuinte", afirma.
O vereador vai mais fundo. Segundo levantou, há funcionário da Câmara que foi contratado por R$ 800,00 para uma função simples. Seu cargo foi extinto e, mesmo assim, com o passar do tempo, foi recebendo gratificações e incorporações, elevando o salário para R$ 10 mil. "Eu venho alertando isso desde 2.000, quando foi implantada a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas nada adiantou. Em 2008, um funcionário ganhava R$ 16 mil e, hoje, já ganha R$ 32 mil (o dobro em quatro anos)", disse.
O vereador garante que não há outra solução senão a de rever toda a folha. Passar o chamado Décimo de Chefia (uma das incorporações que permite que o subalterno receba 20% do salário do chefe por cada ano no comando do setor) para 10%. "Como está, a cada cinco anos que um auxiliar de escritório ficar interinamente como diretor, ele passa a ter o mesmo salário do cargo assumido, mesmo reassumindo seu cargo antigo", argumenta.
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Banha finaliza reforçando que a situação levará o atual presidente Sadao Nakai a uma dificuldade muito grande de implantar o plano de cargos e salários na Casa. "Nós já passamos do limite prudencial. E olha que ainda não analisamos a folha dos inativos (aposentados)".