Cotidiano

Santos: da caridade ao higienismo social

Pertences de pessoas em situação de rua são jogados no lixo

Carlos Ratton

Publicado em 28/03/2021 às 06:59

Atualizado em 28/03/2021 às 13:59

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Video mostra ação da Prefeitura e da Terracom retirando carrinhos e pertences de pessoas em situação de rua na orla e grandes vias / Reprodução

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Uma situação que não deveria estar presente na terra da caridade e liberdade. Pessoas em situação de rua estão sendo retiradas de praças e avenidas de grande circulação e visibilidade, e suas roupas, cobertores e objetos pessoais, incluindo documentos, sendo jogados no lixo. As operações são realizadas pela Guarda Municipal e pela Terracom, empresa responsável pela coleta domiciliar. O caso já chegou na Câmara de Vereadores e na Defensoria Pública e pode caracterizar desrespeito aos Direitos Humanos.

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A denúncia é da coordenadora da Baixada Santista do Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua (MNLDPSR), Laureci Elias Dias, conhecida como Laura Dias, que considera a iniciativa como uma verdadeira higienização social ou limpeza social, termos estudados em sociologia.

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A Reportagem recebeu fotos, vídeos e entrevistou as vítimas da ação do poder público contra cidadãos em situação extrema de vulnerabilidade social. Além de estarem mais expostos à Covid-19, essas pessoas ficam sem praticamente nada para sobreviver.

Até pontos de energia elétrica das praças, como o da Aparecida, estão sendo retirados para evitar o uso. Também há ordem para não fornecer água e banheiros. "Eu mesma, tive um copo de água negado no Bom Prato e, depois, presenciei litros usados para lavar o chão", afirma Laura, alertando que já ocorreu também na Policlínica da Vila Nova.

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Segundo conta, geralmente, as ações ocorrem no início da manhã e finais de tarde. A Guarda chega acompanhada de um caminhão da Terracom. Na abordagem, acordam as pessoas e começam a recolher tudo. "Não sobra nada, até carrinho de feira, com o pouco de mantimentos doados para garantir o dia, é jogado no caminhão. O que não se consegue carregar na mão é recolhido e vai pro lixo, inclusive documentos pessoais", afirma.

Há casos de agressões, quando "a pessoa reclama, insiste em ficar com os pertences e alega ser um cidadão livre e com garantia de permanência em espaços públicos. Até gás de pimenta já foi jogado no rosto de uma pessoa", revela, explicando que a desculpa dada é que o lugar é impróprio pois atrapalha o trânsito de pedestres.

MULTA

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Laura Dias afirma que até multa está sendo cobrada de quem for flagrado fornecendo comida. "Precisa ter cadastro na Prefeitura que permita a distribuição. Ao invés de multar, deveria instruir, pois as pessoas sobrevivem das doações, da caridade. Não conseguem chegar ao Bom Prato. Tudo o que está sendo feito atenta contra os Direitos Humanos, pois há humilhação e agressões em todos os sentidos", dispara.

A coordenadora lembra que a maioria tem profissão e está em situação de rua por problemas psicológicos "amorosos, familiares, profissionais, drogas e alcoolismo". "Precisam de uma chance e não maus tratos. Os acessos aos abrigos estão mais difíceis por conta da pandemia", finaliza.

GÁS

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Ângelo Galdino da Silva recebeu gás de pimenta por não concordar em ter seus pertences retirados e jogados no lixo. "Não pode nem sentar nos bancos das praças. Alegam desacato à autoridade e agem quando ninguém está perto. Um descuido e a gente perde tudo. Somos obrigados a dormir perto um do outro para nos proteger. As reformas dos banheiros públicos demoram para evitar que usemos. Revitalizar área e tirar a gente da calçada. Eu moro na rua, tudo que compro tem imposto embutido e não tenho direito de dormir na rua", afirma.

Há 10 anos na rua, Edilson Martins de Souza revela que o recolhimento geral ocorre sempre e "a desculpa é que a praça será reformada, mas nunca acontece. Quando acontece, leva um mês para reformar um banheiro de dois metros quadrados. Primeiro, é óbvio, eles tiram as torneiras. Até vassoura, papel higiênico e desinfetante que usamos para limpar o banheiro são recolhidos. Deveria ter preparo para lidar com as pessoas. Somos seres humanos", afirma.

VIADUTO

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Vale lembrar que, no início de fevereiro, o Diário publicou com exclusividade que a Prefeitura, copiando uma iniciativa paulistana, adotou a instalação de pedras sob o viaduto da entrada da Cidade.

A medida causou indignação de representantes dos Direitos Humanos, que viram como também uma maneira de impedir que pessoas em situação de rua se abrigassem.

Em São Paulo, Bruno Covas (PSDB) abriu sindicância e promoveu a retirada das pedras, após o padre Júlio Lancelotti ter postado em sua conta no Twitter uma foto quebrando as pedras a marretada. Em Santos, mesmo após ação semelhante, as pedras foram mantidas. Cerca de 868 pessoas estão em situação na Cidade, conforme censo de dezembro do ano passado.

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TERRACOM E PMS

A Terracom não quer se pronunciar sobre o assunto. A Guarda informa que, nas ações conjuntas das subprefeituras dando apoio à execução de serviços públicos e que após oferecer os serviços disponíveis, a maioria das pessoas recusa atendimento e acaba deixando o local.

A GCM esclarece que nenhum pertence pessoal é apreendido e só são retirados das vias públicas materiais e resíduos abandonados e/ou descartados de forma irregular

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A Secretaria de Desenvolvimento Social (Seds) conta com seis serviços de acolhimento institucional direcionados ao atendimento à população em situação de rua, cuja capacidade total é de 286 vagas.

Dentre eles, foram abertos o Abrigo Emergencial (destinado para situações de calamidade pública e período de baixas temperaturas) e a Casa Êxodo (na modalidade casa de passagem, através de convênio emergencial estabelecido com a Ong Vidas
Recicladas).

A Seção de Acolhimento e Abrigo Provisório de Adultos, Idosos e Famílias em Situação de Rua (Seacolhe-Aif) está passando por readequações, a fim de garantir maior qualidade no atendimento.

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