Morreu na manhã de ontem, de infarto fulminante, na penitenciária de Tremembé, Interior de São Paulo, o ex-prefeito Ruy Gonzalez, que governou Guarujá entre 1993 e 1996. O velório, aberto ao público, ocorre a partir das 8 horas de hoje, na Câmara de Vereadores, na Rua Quintino Bocaiúva, 183, Centro. A confirmação da causa da morte será por intermédio de necropsia realizada nos próximos dias.
A prefeita de Guarujá, Maria Antonieta de Brito decretou luto oficial por sete dias. O luto oficial será instituído pelo decreto N.º 10.616, que sai publicado hoje no Diário Oficial (DO) e não prejudicará o expediente normal nos órgãos da Prefeitura. O presidente do legislativo, vereador Marcelo Squassoni (PRB), decretou pelo Legislativo, luto oficial também de sete dias.
Por telefone, a esposa do ex-prefeito, Maria Elisabete de Souza Gonzalez, disse que o marido havia realizado inúmeros exames recentes e sua saúde estava perfeita. Inconformada, pois Gonzalez teve pedido de liberdade assistida negado pela Justiça recentemente, ela revelou que o marido estava preso há 12 anos (desde 14 de agosto de 2001) e que sua pena já estaria encerrada por bom comportamento.
“A Promotoria Pública, os agentes penitenciários e as assistentes sociais já haviam dado testemunho favorável à liberdade por bom comportamento e que Ruy não era uma ameaça alguma à sociedade, como nunca foi. Estávamos sonhando com a volta dele para Guarujá, para que pudéssemos tocar nossa vida em paz”, disse a esposa.
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Aos prantos, Bete, como é conhecida na Cidade, disse que Ruy vivia triste por não poder dar assistência família – mulher e três filhas. Ele disse que Ruy, com os benefícios e os serviços prestados na penitenciária, já deveria estar livre. “Ele já deveria estar solto há um ano. E, agora, estou buscando o corpo dele. Ele estava brigando para provar sua inocência que, para o Ruy, era mais importante que a liberdade. Meu marido era um homem que lutava pelo ideal de justiça, para resgatar sua honra e de sua honra. Infelizmente não foi possível. Espero que sua honra seja resgatada pelo menos em memória. Eu o amava muito e para mim, todos os dias valeram a pena lutar por ele” disse chorando.
Prefeita
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“É com pesar que recebi a notícia do falecimento do ex-prefeito Ruy Gonzalez. Diante das tribulações que a vida lhe impôs, na misericórdia de Deus ele alcançou conforto espiritual e força para seguir em frente. Na certeza de que agora repousa no braços do Pai, rogamos pela proteção de seus familiares e amigos”, externou a prefeita Maria Antonieta de Brito, em nota oficial.
O Diário do Litoral chegou a conversar com o ex-prefeito há cerca de dois meses. Ele tinha a expectativa de ser solto e acreditava na liberdade. O repórter Luigi Di Vaio conversou com ele por telefone e sentiu ansiedade dele de, ao ser libertado, mostrar sua inocência.
Ainda segundo Di Vaio, no último contato por telefone, a voz de Gonzalez era serena, como a de quem acreditava em um desfecho feliz para ele e sua família depois de tantos anos na prisão. Ele nunca admitiu ter praticado o crime. Sempre batia no peito dizendo que era inocente.
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Gonzalez, que também foi deputado estadual, estava preso por ter sido condenado a cumprir pena por envolvimento com a quadrilha que sequestrou a família do gerente de um banco na Baixada Santista, no conhecido assalto do Banespa de Guarujá.
O caso Banespa
Em 13 de agosto de 2001, um supervisor da agência Banespa de Guarujá foi sequestrado na Avenida Leomil (centro da Cidade) por dois homens e mantido em cárcere privado em sua própria residência, na praia da Enseada. No local também foram mantidos como reféns sua esposa e filho, por aquela noite.
Por volta das 9 horas do dia seguinte, um grupo de homens, acompanhados pelo supervisor, chegou à agência bancária e roubou diversos bens depositados em cofres particulares. A polícia cercou a agência e trocou tiros com os assaltantes.
Um policial e um assaltante ficaram feridos. O bando se apodera de uma viatura cujas chaves encontravam-se no chão. Para desfazer do carro da polícia, o grupo rouba outro carro nas imediações da praia de Pitangueiras, próximo a Rua Cubatão. Em fuga, os bandidos, guiados por telefone por Paulo Gutierrez (pai do genro de Ruy), que estava em visita ao filho na casa do ex-prefeito, dirigem-se à casa de Gonzalez (sem saberem qual era seu destino ou quem lá morava).
Gutierrez estava de posse de uma picape Corsa, que seria utilizada por um dos bandidos para travessia da balsa. Como não havia perseguição policial, Paulo convida o grupo a entrar na casa sem o conhecimento do proprietário. A polícia cerca a casa, mata um dos assaltantes em fuga pelo telhado e prende todos. Até esse momento, Ruy, a namorada e o genro eram reféns. Na delegacia, depois de muitos telefonemas, Ruy foi indiciado como mentor intelectual do assalto.
ONG Inocentes Presos
Conforme a ONG Inocentes Presos, a qual Ruy era membro, o ex-prefeito acreditava ser vítima de uma trama política/policial/judicial. O pesadelo começou ao ser acordado por bandidos em sua casa fazendo-o de refém. Naquela mesma noite, o delegado titular na época teria declarado à Agência Folha que a esposa do gerente do banco, mantida como refém pelos bandidos, disse ter ouvido dos integrantes da quadrilha referências à casa de Ruy.
A acusação teria se desfeito tempos depois, quando em juízo, em depoimento de 13 páginas (folhas do processo 1.1152 a 1.164), ela não teria citado nada que pudesse incriminar o ex-prefeito. Na sequência, a Justiça indeferiu o pedido de liberdade provisória de Ruy, detido no complexo do Carandiru.
Segundo levantamentos da entidade, o restante do inquérito policial seguiu e exemplarmente concluído em menos de 16 dias (um recorde se tratando da Polícia Brasileira). As perícias da casa e dos veículos não apontavam nenhuma ligação do ex-prefeito com o bando. Somam-se a isso as falhas no trabalho investigativo, tal como a metralhadora encontrada no lava-rápido depois do carro apreendido ter sido liberado pela polícia e a não prisão em flagrante do genro de Ruy, um dos acusados de participar do assalto.
No dia do crime, ele foi ouvido como testemunha por decisão policial e até hoje permanece foragido. Novamente em tempo recorde, promotores denunciam Ruy e os integrantes da quadrilha por três sequestros (gerente, esposa e filho), formação de quadrilha, tentativa de latrocínio (uma policial foi ferida no braço) e dois roubos qualificados (à agência bancária e um carro para fuga).
Em 21 de setembro de 2001, o ex-prefeito é inocentado pelos oito réus ao deporem ao juiz no Fórum de Guarujá. A imprensa noticia o fato com grande destaque, mas o juiz determinou que o processo seguisse em segredo de Justiça, impedindo que os depoimentos de outras testemunhas chegassem ao público.
Conforme a ONG, o jardineiro do ex-prefeito teria confirmou que durante a invasão da casa pelos bandidos, Ruy e a esposa dormiam. Três investigadores da Delegacia de Investigação de Roubo a Banco, segundo a entidade, também depuseram em favor do ex-prefeito. Eles chegaram a essa conclusão depois de promoverem um levantamento denominado Parceria Localizada, para saber o perfil do bando e identificarem o mentor intelectual e líder da quadrilha.
Ao proferir a sentença em 4 de maio de 2002, o juiz desconsiderou todos os depoimentos de defesa. Em relação aos réus, alegou que geralmente os integrantes de quadrilhas poupam o líder. Quanto ao depoimento do jardineiro, considerou-os álibis forjados, mas todos não foram processados por falso testemunho. O magistrado também desconsiderou as conclusões técnicas dos investigadores do Depatri.
Um policial e principal testemunha da acusação, segundo informações, não poderia ter afirmado que havia um clima de tranquilidade dentro da casa, pois quando Ruy foi rendido ele estava em uma casa vizinha. Durante o transcorrer do processo, esse mesmo policial foi acusado de latrocínio, preso e julgado.
Ainda conforme a Inocentes Presos, o depoimento da policial alvejada no braço, teve efeito bombástico ao afirmar que Paulo Gutierrez estava na agência bancária com uma sacola recolhendo o dinheiro dos caixas. Diante do depoimento de seus colegas de guarnição e do chefe dos caixas, que apontaram o verdadeiro bandido executando essa função, ela foi desmentida.
Porém, segundo a ONG, o estrago estava feito, o objetivo era levantar mais uma suposta infâmia: Paulo Gutierrez assaltando o banco e, posteriormente, preso na casa de Ruy, justificando assim a participação do ex-prefeito, que foi condenado a 57 anos de prisão. A imputação do crime se deu, segundo a ONG, sobre indícios não comprovados e suposições.
A pena começou ser cumprida no Centro de Observações Criminológicas, em São Paulo, onde o nível intelectual e cultural dos presos é diferenciado da massa carcerária. No hospital carcerário de Tremembé, trabalhou na lavanderia, mas em função de denúncia anônima de que seria resgatado, foi punido com a transferência para a penitenciária de Tremembé, no Regime Disciplinar Diferenciado, onde permaneceu trancado por 23 horas diárias em um cubículo de seis metros quadrados, incomunicável, de março a setembro de 2003.
Depois disso, mais três transferências para os presídios de Avaré, Itaí e Osvaldo Cruz. Em Itaí novas, perspectivas surgiram. Casou-se na Igreja Evangélica. Em Itaí, a juíza de execuções criminais da comarca de Avaré, Alice Galhamo Pereira da Silva, concedeu autorização judicial para que Ruy Gonzalez se submetesse ao exame de tecnologia de voz, o detector de mentiras, no interior do estabelecimento prisional.
O exame foi realizado pelo perito em veracidade. Em fevereiro de 2009, Ruy conquista o direito do regime semiaberto, no Centro de Progressão Penitenciária (CPP) de São Miguel Paulista, de onde pode sair para trabalhar em uma construtora na Vila Santa Isabel na Capital. Para cumprir sua jornada diária, Ruy tomava dois ônibus para ir e um ônibus e um trem para retornar.