Cotidiano
Já na década de 1970, as duas pistas da Rodovia Anchieta não davam mais conta de atender turistas sedentos por sol e mar
A Rodovia Parelheiros-Itanhaém ainda não saiu do papel / Rubens Chaves/Folhapress
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Corria a primeira metade da década de 1970 e Itanhaém vivia um ciclo de crescimento e prosperidade. E, naquela época, deputados, secretários de Estado e prefeitos promoveram o primeiro ato político a favor da construção da Rodovia Parelheiros-Itanhaém. A rodovia prometia acabar com congestionamentos que já existiam na Rodovia Anchieta.
Àquela altura, as duas pistas já não davam mais conta de atender turistas sedentos por sol e mar. E os caminhões rumo ao Porto de Santos disputavam espaço nas pistas estreitas com os ‘carros de família’.
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Munidos de faixas e cartazes, caiçaras e moradores da Zona Sul da Capital lotaram as galerias do Cine Castro. Mas, o ato sem precedentes, em plena vigência do Ato Institucional número 5, que proibia reuniões públicas, não sensibilizou o então governador Laudo Natel.
Tampouco sensibilizou Paulo Maluf, Franco Montoro, Orestes Quércia, Geraldo Alckmin, Márcio França nem qualquer um dos 16 governadores que passaram pelo Palácio dos Bandeirantes nos últimos 50 anos.
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Dias depois do ato que reuniu milhares de pessoas no Cine Castro, Laudo Natel (1920/2020) decidiu construir a primeira pista da Rodovia dos Imigrantes, sem dar ouvidos ao clamor popular e político.
“Veio muita gente”, resume o ex-prefeito Orlando Bifulco, que liderou o ato político realizado há 50 anos, naquele domingo em que a praia ficou em segundo plano pelos lados do Litoral Sul Paulista.
“Recebemos muitas autoridades”, completa o ex-prefeito, puxando pela memória detalhes daquele “Plenário de Santo Amaro”, como foi batizado o evento. Sem a estrada, a economia de Itanhaém nunca desenvolveu todo seu potencial. E os investimentos minguaram. Até o icônico Cine Castro fechou.
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Nas décadas seguintes, outras cidades do Litoral Sul ganharam protagonismo e se desenvolveram. Só o povo, o Convento Nossa Senhora da Conceição e os bananais resistiram. Símbolo da esperança de um novo ciclo de prosperidade, o Parque da Xuxa se tornou ‘sonho de uma noite de verão’ nos anos 1990.
E os voos da Petrobras para as plataformas do pré-sal na virada do século até transformaram o aeroporto Antônio Ribeiro Nogueira Júnior em um dos mais movimentados do Estado. Mas os esperados aviões de médio e grande porte nunca pousaram na pista de 1.400 metros, trazendo turistas de alto poder aquisitivo.
Cinco décadas depois do ‘Plenário de Santo Amaro’, a ligação rodoviária com o Planalto virou uma espécie de ‘lenda urbana’, como muitas que passam de geração em geração na Região Metropolitana da Baixada Santista.
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Assim, a estrada Parelheiros-Itanhaém integra a lista de obras que não saem do papel, como o túnel Santos-Guarujá, a restauração do Teatro Coliseu, o aeroporto do Guarujá, o complexo multimodal do Andaraguá em Praia Grande, o fim das enchentes em São Vicente.
“O acesso entre a Baixada Santista e o Planalto é um dos maiores gargalos da nossa Região Metropolitana”, resume o prefeito de Itanhaém, Tiago Rodrigo Cervantes (Republicanos).
“A implementação de uma terceira via de acesso beneficiaria significativamente Itanhaém e toda a região, melhorando não apenas a logística, mas também a mobilidade, a segurança dos motoristas e reduzindo o tempo de viagem”, completa o prefeito.
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“Esse avanço (a rodovia) fortaleceria o turismo e impulsionaria a economia local”, previu Cervantes, com exclusividade ao Diário do Litoral, no último dia 18.
A rodovia serviria não só à cidade de Itanhaém, como também a Mongaguá, Peruíbe e Praia Grande. A expectativa é que a ligação reduziria pela metade o tempo de viagem entre o Planalto e o Litoral Sul nos dias de semana.
A estrada também aproximaria a Capital dos moradores de Itariri e Pedro de Toledo, no Vale do Ribeira. Hoje, os motoristas dessas duas cidades têm de se dirigir até Miracatu, onde acessam a Rodovia Régis Bittencout (BR-116) para chegar à Grande São Paulo.
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A SP-040 (Rodovia Parelheiros-Itanhaém) também reduziria o volume de veículos no Sistema Anchieta-Imigrantes, beneficiando os motoristas que se dirigem a Santos, São Vicente, Guarujá, Cubatão e Bertioga.
A rodovia ligando o extremo sul da Capital ao Litoral Sul também serviria como rota alternativa aos caminhões que se deslocam do norte do Paraná, da região oeste do Estado de São Paulo e até do Mato Grosso do Sul rumo ao Porto de Santos.
A ideia de construir uma ligação viária entre o Planalto e o Litoral Sul voltou a ser discutida há exatos 30 anos. Naqueles dias, a primeira pista da Imigrantes, inaugurada em 1976 pelo então governador Paulo Egydio Martins (1928/2021), já estava estrangulada. Àquela altura, os congestionamentos eram frequentes. Os transtornos idem. Turistas esperavam até sete horas para descer a Serra do Mar nos feriados de final de ano. E o Porto de Santos estava travado.
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Ciente da sobrecarga no sistema Anchieta-Imigrantes, o então deputado estadual Erasmo Dias (1924/2010) apresentou na Assembleia Legislativa do Estado (Alesp) um projeto autorizativo que previa a construção da ligação viária entre a Zona Sul da Capital e o Litoral Sul. A proposta foi protocolada na Alesp em 7 de outubro de 1994 e previa a concessão da obra para a iniciativa privada.
E o Projeto de Lei 560/94 foi aprovado em plenário!
“A permanente ligação entre o Planalto e o Litoral Paulista é necessidade imperiosa e que hoje está saturada, em que pese a existência do complexo Anchieta-Imigrantes”, resumiu Erasmo no texto original.
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“O município de São Paulo tem cerca de um terço da sua superfície na Zona Sul de Parelheiros, área inexplorada, que com a citada rodovia viria a se dinamizar sob todos os aspectos”, explicou o deputado na época.
“A iniciativa privada tem nessa concessão uma feliz oportunidade de demonstrar além de sua capacidade técnica, a contribuição inestimável ao Poder Público e à Sociedade nessa obra de grande envergadura e de necessidade vital para o Estado’, completou Erasmo em sua justificativa aos demais deputados estaduais.
Mas, o texto aprovado pela Alesp foi integralmente vetado pelo ex-governador Mário Covas (1930/2001). Com temperamento forte, Covas era adversário político de Erasmo Dias. Ex-coronel, Erasmo era um político da chamada linha-dura.
Natural de Paraguaçu Paulista, mas morador de Santos por décadas, Erasmo era ligado ao ex-governador Paulo Maluf e havia servido à ditadura militar (1964/1985).
E Covas havia sido perseguido pelo regime autoritário que reprimiu outros tantos brasileiros que lutavam por democracia. Após a redemocratização do País, com as primeiras eleições para governador, em 1982, vencidas pelo grupo político de Covas, Erasmo chegou a insinuar que o eleito, Franco Montoro (1916/1999), não tomaria posse.
Naqueles dias, o então deputado fazia questão de exibir suas armas em público e era truculento com populares e jornalistas, o que alimentava a antipatia de setores da sociedade à sua ação política.
Coube ao ex-prefeito de Santos e então deputado estadual Oswaldo Justo (1926/2003) a tarefa de mediar o embate entre os santistas Mário Covas e Erasmo Dias. Naqueles dias, a Cidade ainda exercia grande influência política no Estado.
Também vítima da ditadura, Justo integrava a Comissão de Constituição e Justiça da Alesp. E acabou sendo indicado para a tarefa de relatar aos demais deputados os argumentos contrários de Covas ao projeto de Erasmo.
Com ligações afetivas marcantes com Peruíbe, onde manteve um sítio por muitos anos, Justo sabia do impacto que a Rodovia teria no desenvolvimento econômico da região. A análise jurídica durou menos de 30 dias.
E o parecer de Justo acabou provocando a derrubada integral do veto do governador ao projeto que previa a construção da Parelheiros-Itanhaém.
A votação, por unanimidade, aconteceu no ‘apagar das luzes’ do ano legislativo de 1997. A única alteração no texto original foi a retirada do termo “iniciativa privada”, que restringia a eventual participação do Estado no empreendimento.
Diante da repercussão do embate e da derrota na Alesp, Covas decidiu dividir a ‘paternidade’ do projeto Parelheiros-Itanhaém. E transformou a proposta de Erasmo na Lei Estadual 9.851/97, que autorizou a abertura de licitação visando a construção da rodovia.
Porém, mesmo com a mobilização política e popular em torno do projeto de construção da SP-040, a obra nunca saiu do papel.
Só em 15 de setembro de 2017 o projeto de autoria do ex-deputado Erasmo Dias foi arquivado definitivamente na Alesp, sem jamais ter surtido efeito.
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