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Artesão desde a década de 80, Cleofaz Alonso Hernandes está indignado com a conduta da Prefeitura de Santos de deixar o Fundo Social de Solidariedade como responsável pela área do artesanato da Cidade. Para ele, artesanato é Cultura e, neste sentido, como presidente da Casa do Artesão de Santos e membro titular da cadeira de Artesanato, Cultura Popular e Folclore do Conselho de Cultura da Cidade, está lutando para mudar essa situação junto aos cerca de oito mil artesãos e trabalhadores manuais do Município. Neste Papo de Domingo, Cleofaz Hernandes mostra o que ele acredita ser um “absurdo cultural”.
Diário do Litoral - Artesanato é estritamente da área de cultura, não?
Cleofaz Hernandes - Sim. Venho lutando pela valorização do artesão e do trabalho manual profissional. No entanto, na mentalidade dos administradores da Cidade e alguns da Região, o artesanato e o trabalho manual são da área social. E o pior é que recebem o tratamento como tal.
DL - Mas considera isso é um equívoco?
Cleofaz - Total. Para ter uma ideia, hoje a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara Federal aprovou o Projeto de Lei 7755/10 que reconhece a profissão de artesão. Como tramitava de forma conclusiva e já havia sido aprovada pelo Senado, a proposta segue para sanção da presidente da República, Dilma Rousseff.
DL - Existem os planos nacional e estadual de Cultura.
Cleofaz - Sim, e que vão cuidar do artesanato de forma individual, como já ocorre com as demais áreas de cultura. A Secretaria de Cultura de Santos deveria atentar para isso, mapear todos os artesãos e trabalhadores manuais do Município, traze-los para a área cultural e tirá-los do Fundo Social.
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DL - O senhor já tentou sensibilizar outras esferas de poder?
Cleofaz - Existe uma comissão de Cultura na Câmara de Santos, mas acredito que os vereadores não sabem diferenciar o artesanato do trabalho manual. Se pego a madeira bruta, risco, corto e monto um porta-joias e depois faço qualquer aplicação na peça, por exemplo, é artesanato. Se compro o porta-joias pronto e faço uma aplicação nele é trabalho manual. Artesanato é 80% transformação. O pano de prato é outro exemplo. É preciso comprar o saco bruto, descosturá-lo, alveja-lo, fazer a bainha e depois pintá-lo, bordá-lo, enfim. Comprar pronto na Avenida 25 de Março (São Paulo) e só pintar ou bordar é trabalho manual.
DL - Em outros estados o artesanato é muito forte.
Cleofaz - Sim. No Ceará, por exemplo, tem artesão que chegou a comprar uma casa somente na temporada de 2014. Porque o dinheiro permanece nas cidades daquele estado. Santos, por exemplo, leva os turistas para o shopping e não para a feira de artesanato. Tem turista que desce no Concais e vai para Embú das Artes para comprar lembrancinhas de Santos. Tenho amigos lá que me ligam e perguntam: o que está acontecendo com o artesanato de Santos?
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DL - Tem que mudar essa visão?
Cleofaz - Urgentemente. Inclusive ligar Cultura ao Turismo, como ocorre no Nordeste do Brasil. Nem cadastro dos artesãos a Secretaria de Cultura tem. Não sei se falta gente capacitada. É preciso conhecer a área. Ir à casa do artesão para conhecer seu trabalho, conhecer seus equipamentos.
DL - O senhor é conselheiro. Já colocou isso em pauta na reunião do órgão?
Cleofaz - Sim, venho pleiteando isso. Já apresentei propostas na Conferência de Cultura de Santos. Elas foram aprovadas e, no entanto, não anda. Não vou entrar em atrito político, mas quem escolheu os artesãos que iriam expor no Mercado Mundo Mix em Santos foi o Fundo Social. O prédio da exposição foi da Cultura, o evento é cultural e quem escolhe é o Fundo! Isso prova a deficiência que a Secretaria de Cultura tem.
DL - Mas não é só isso.
Cleofaz - Não. É preciso cadastrar todo mundo com critério técnico, fomentar políticas para a atividade, criar simpósios e eventos que valorizem a atividade artística. Temos a Confederação Nacional de Artesãos, enquanto que em Santos os artesãos são abrigados na área social. Somos profissionais e não aceitamos que nos tratem de outra forma. Estamos no evento Setembro Criativo e cadê os artesãos que trabalham com material reciclável? Não existem para Santos.
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DL - Há outros equívocos?
Cleofaz - Além dos artesãos estarem nas mãos do Fundo, a FeirArte (Feira de Artesanato) se reporta ao Departamento de Fiscalização de Mercados e Comércio Viário (Defisco), da Secretaria de Finanças (Sefin). É o fiscal que avalia o que é artesanato e o que não é. O fiscal tenta apenas reorganizar a feira.
DL - O que falta?
Cleofaz - Humildade. A Prefeitura não sabe distinguir artesanato de ‘industrianato’. Falta a Secretaria de Cultura olhar o artesão como profissional. Tudo que o artesão faz tem que ser de graça, voluntário. Eu sugeri que o espaço que fica sob o Teatro Municipal fosse ocupado por uma feira de artesanato, cadastrado com critério pela Secretaria de Cultura, inclusive com alimentação artesanal.
DL - Aceitaram?
Cleofaz - Disseram que não poderia porque é um próprio municipal. Em praça pública pode? Fizeram o Mercado Mundo Mix dentro de um próprio. Disseram também que não pode colocar alimentação, mas no Mercado Mix teve food truck (caminhão que transporta e vende comida). Tem espaço sob o teatro para colocar 200 artesãos a uma taxa mensal revertida ao Facult (Fundo de Assistência à Cultura). Falta vontade política para as coisas ocorrerem. Falta conhecer o que é feito em outras cidades. Praia Grande, por exemplo, há uma feira de artesanato por bimestre. Em São Sebastião, a Prefeitura te dá um mapa da casa dos artesãos, dos ateliês. Tem uma praça e uma vila só para os artesãos. Tudo dentro de um Plano Municipal de Cultura.
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