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O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 25 anos hoje. Instituído pela Lei 8.069, ele regulamenta os direitos das crianças e dos adolescentes inspirada pelas diretrizes fornecidas pela Constituição Federal e por uma série de normativas internacionais. Apesar de ser do início da década de 90, ele ainda é, infelizmente, atual. Essa é a opinião da psicóloga Maria de Lourdes Trassi Teixeira, doutora pela PUC-SP na área de adolescência e violência.
“Ele não está ultrapassado. O que nós vemos é que muitas regulações que ele propõe e que eram muito avançadas para a época começam, agora, a se efetivar. Eu diria que estamos na metade do caminho ainda em relação ao que propõe o estatuto”.
Maria de Lourdes participou de grupos que discutiram propostas encaminhadas ao Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente e que auxiliaram na elaboração da legislação que veio a ser o ECA.
Entre os pontos em que houve evolução, ela destacou a questão dos abrigos e do serviço de acolhimento, nas medidas protetivas, além da área da violência doméstica e sexual e do trabalho infantil. Mas, de acordo com a psicóloga, o Brasil ainda está atrasado em relação aos problemas envolvendo o adolescente autor de ato infracional.
“Infelizmente, nós não conseguimos efetivar aquilo que está no estatuto. É só você verificar as condições das unidades de internação. Inclusive as da Baixada Santista.
As condições para o cumprimento da medida de privação de liberdade se dá de modo bastante precário. Essa área, embora já queiram mudar a legislação, não chegamos a implantar”.
A doutora criticou a aprovação da redução da maioridade penal pela Câmara dos Deputados e chamou de “falcatrua”, a manobra realizada pelo presidente da casa, deputado Eduardo Cunha (PMDBRJ), que colocou o tema novamente em votação após a proposta ter sido vetada em sessão anterior. Contraria a medida, ela ressaltou os problemas enfrentados pelos adolescentes autores de atos infracionais.
“A questão do adolescente autor de ato infracional é, por um lado, a desigualdade social porque ele quer consumir aquilo que todos os jovens consomem. Por outro lado, ele tem uma história de vida em que ele não tem acesso a boa escolarização, aos benefícios da cultura e do esporte que possa forma-lo como uma pessoa e um cidadão capaz e produtivo na sociedade. Eles possuem diversas dificuldades, mas quando ele cometem um ato infracional, nós esquecemos de toda história do bairro dele, da família, da cidade, dele em si e que o levou a prática do ato infracional”.
Apesar de ser contra a redução da maioridade penal, Maria de Lourdes defende que eles sejam responsabilizados, mas com dignidade ao invés de violência. “A impunidade é outro fator que leva essa molecada a praticar o ato infracional. Isso também ajuda nessa ausência de ética. Eles precisam ser responsabilizados. Praticou o ato infracional? Tem que ter uma consequência a isso. Agora, uma consequência que a gente possa pensar que esse moleque tenha um futuro. Nós não podemos condenar esse adolescente à criminalidade. Todos eles precisam ser responsabilizados de modo rigoroso. O que não quer dizer com violência, mas com dignidade”.
As instituições responsáveis pelos adolescentes que cometem o ato infracional também foram criticadas pela psicóloga. Para ela é necessário uma revolução dentro desse sistema. “É preciso pensar com seriedade num projeto técnico, com capacitação de pessoal. Não dá para garantir somente o aspecto punitivo. Dentro disso é possível criar outros horizontes que não seja ele continuar na criminalidade”.
‘Todos são responsáveis’
Questionada sobre quem seria responsável pela atual situação envolvendo crianças e adolescentes que praticam crimes, Maria de Lourdes foi taxativa: todos são responsáveis.
“São todos. A sociedade que tem uma mentalidade vingativa, repressiva, e o Estado que mantém essa mentalidade e a alimenta. Não podemos negar que a violência e a criminalidade assustam a população. Todos queremos segurança. E queremos que esse clima atual cesse. O problema é que quando colocamos um culpado, construímos um bode expiatório por interesses políticos, eleitoreiros e para tentar dar uma satisfação para a sociedade. Esse é o adolescente autor de ato infracional. É ele que transporta os 500 quilos de maconha que encontraram na estrada? É ele que faz tráfico de armas e pessoas? Nós vamos responsabilizar o fim da linha que é o moleque de 15 ou 16 anos que está no tráfico para comprar o tênis para sair com a namorada. Ele é um peixe muito miúdo nessa história toda. O Estado não esclarece a população o suficiente quanto a isso e os meios de comunicação fazem uma manipulação da opinião pública, dramatizam a coisa do adolescente. Essa questão é responsabilidade dos três poderes e da sociedade civil. Não escapa ninguém em termos de responsabilização dessa tragédia que nosso país enfrenta”.
A doutora apontou que 10 adolescentes são assassinados por dia por causa do crime organizado, por grupos rivais ou pela polícia. Para ela, essas mortes e crimes cometidos são os dois lados da mesma moeda.
“A história do adolescente autor de ato infracional é uma face da moeda. A outra é o genocídio dos adolescentes. Duas faces da mesma moeda. O menino que morre e o que pratica o ato infracional. É responsabilidade de todo mundo. Se a gente não pegar essa história na mão, o futuro dos nossos adolescentes, particularmente dos pobres, é sombrio”.
Por fim, a psicóloga disse que mantém a esperança que o Brasil consiga seguir todas as diretrizes do ECA no futuro.
“Essa é a grande esperança de quem está comprometido com o futuro das novas gerações. Nosso compromisso é de batalhar por isso. Tenho esperança que isso aconteça e que possamos ir além do ECA. Nas futuras gerações, ter uma sociedade mais justa, onde crianças e adolescentes recebam vários direitos. Não como assistência, mas como algo da ordem do direito”.
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