Cotidiano

Psicóloga Maria de Lourdes Trassi comenta 25 anos do ECA

Doutora auxiliou na formulação de propostas que elaborou legislação. Ela critica redução da maioridade penal

Pedro Henrique Fonseca

Publicado em 13/07/2015 às 12:31

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O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 25 anos hoje. Instituído pela Lei 8.069, ele regulamenta os direitos das crianças e dos adolescentes inspirada pelas diretrizes fornecidas pela Constituição Federal e por uma série de normativas internacionais. Apesar de ser do início da década de 90, ele ainda é, infelizmente, atual. Essa é a opinião da psicóloga Maria de Lourdes Trassi Teixeira, doutora pela PUC-SP na área de adolescência e violência.

“Ele não está ultrapassado. O que nós vemos é que muitas regulações que ele propõe e que eram muito avançadas para a época começam, agora, a se efetivar. Eu diria que estamos na metade do caminho ainda em relação ao que propõe o estatuto”.

Maria de Lourdes participou de grupos que discutiram propostas encaminhadas ao Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente e que auxiliaram na elaboração da legislação que veio a ser o ECA.

Entre os pontos em que houve evolução, ela destacou a questão dos abrigos e do serviço de acolhimento, nas medidas protetivas, além da área da violência doméstica e sexual e do trabalho infantil. Mas, de acordo com a psicóloga, o Brasil ainda está atrasado em relação aos problemas envolvendo o adolescente autor de ato infracional.

“Infelizmente, nós não conseguimos efetivar aquilo que está no estatuto. É só você verificar as condições das unidades de internação. Inclusive as da Baixada Santista.

As condições para o cumprimento da medida de privação de liberdade se dá de modo bastante precário. Essa área, embora já queiram mudar a legislação, não chegamos a implantar”.

A doutora criticou a aprovação da redução da maioridade penal pela Câmara dos Deputados e chamou de “falcatrua”, a manobra realizada pelo presidente da casa, deputado Eduardo Cunha (PMDBRJ), que colocou o tema novamente em votação após a proposta ter sido vetada em sessão anterior. Contraria a medida, ela ressaltou os problemas enfrentados pelos adolescentes autores de atos infracionais.

“A questão do adolescente autor de ato infracional é, por um lado, a desigualdade social porque ele quer consumir aquilo que todos os jovens consomem. Por outro lado, ele tem uma história de vida em que ele não tem acesso a boa escolarização, aos benefícios da cultura e do esporte que possa forma-lo como uma pessoa e um cidadão capaz e produtivo na sociedade. Eles possuem diversas dificuldades, mas quando ele cometem um ato infracional, nós esquecemos de toda história do bairro dele, da família, da cidade, dele em si e que o levou a prática do ato infracional”.

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Psicóloga quer que instituições como a Fundação Casa passem por revolução (Foto: Luiz Torres/DL)

Apesar de ser contra a redução da maioridade penal, Maria de Lourdes defende que eles sejam responsabilizados, mas com dignidade ao invés de violência. “A impunidade é outro fator que leva essa molecada a praticar o ato infracional. Isso também ajuda nessa ausência de ética. Eles precisam ser responsabilizados. Praticou o ato infracional? Tem que ter uma consequência a isso. Agora, uma consequência que a gente possa pensar que esse moleque tenha um futuro. Nós não podemos condenar esse adolescente à criminalidade. Todos eles precisam ser responsabilizados de modo rigoroso. O que não quer dizer com violência, mas com dignidade”.

As instituições responsáveis pelos adolescentes que cometem o ato infracional também foram criticadas pela psicóloga. Para ela é necessário uma revolução dentro desse sistema. “É preciso pensar com seriedade num projeto técnico, com capacitação de pessoal. Não dá para garantir somente o aspecto punitivo. Dentro disso é possível criar outros horizontes que não seja ele continuar na criminalidade”.
‘Todos são responsáveis’

Questionada sobre quem seria responsável pela atual situação envolvendo crianças e adolescentes que praticam crimes, Maria de Lourdes foi taxativa: todos são responsáveis.

“São todos. A sociedade que tem uma mentalidade vingativa, repressiva, e o Estado que mantém essa mentalidade e a alimenta. Não podemos negar que a violência e a criminalidade assustam a população. Todos queremos segurança. E queremos que esse clima atual cesse. O problema é que quando colocamos um culpado, construímos um bode expiatório por interesses políticos, eleitoreiros e para tentar dar uma satisfação para a sociedade. Esse é o adolescente autor de ato infracional. É ele que transporta os 500 quilos de maconha que encontraram na estrada? É ele que faz tráfico de armas e pessoas? Nós vamos responsabilizar o fim da linha que é o moleque de 15 ou 16 anos que está no tráfico para comprar o tênis para sair com a namorada. Ele é um peixe muito miúdo nessa história toda. O Estado não esclarece a população o suficiente quanto a isso e os meios de comunicação fazem uma manipulação da opinião pública, dramatizam a coisa do adolescente. Essa questão é responsabilidade dos três poderes e da sociedade civil. Não escapa ninguém em termos de responsabilização dessa tragédia que nosso país enfrenta”.

A doutora apontou que 10 adolescentes são assassinados por dia por causa do crime organizado, por grupos rivais ou pela polícia. Para ela, essas mortes e crimes cometidos são os dois lados da mesma moeda.

“A história do adolescente autor de ato infracional é uma face da moeda. A outra é o genocídio dos adolescentes. Duas faces da mesma moeda. O menino que morre e o que pratica o ato infracional. É responsabilidade de todo mundo. Se a gente não pegar essa história na mão, o futuro dos nossos adolescentes, particularmente dos pobres, é sombrio”.

Por fim, a psicóloga disse que mantém a esperança que o Brasil consiga seguir todas as diretrizes do ECA no futuro.

“Essa é a grande esperança de quem está comprometido com o futuro das novas gerações. Nosso compromisso é de batalhar por isso. Tenho esperança que isso aconteça e que possamos ir além do ECA. Nas futuras gerações, ter uma sociedade mais justa, onde crianças e adolescentes recebam vários direitos. Não como assistência, mas como algo da ordem do direito”.

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