Cotidiano

Prefeitura de Praia Grande é denunciada por desrespeito aos direitos humanos

Reportagem descobre mais um portador de necessidades especiais que luta contra o poder público para garantir direitos

Publicado em 06/03/2014 às 10:35

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A dona de casa Alzira de Cássia Albano Moreira denunciou a Prefeitura de Praia Grande ao Ministério Público (MP) por desrespeito aos direitos humanos ao negar transporte ao seu filho, o adolescente Alexei Albano Franco, de 17 anos e portador de deficiência intelectual leve. Vivendo com um salário mínimo (R$ 724,00), Alzira é obrigada a permanecer das 12 às 16 horas na rua, aguardando Alexei sair da escola especial em Santos, para evitar pagar quatro conduções diárias.

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A insensibilidade da Prefeitura com relação ao atendimento de pessoas especiais já está se tornando crônica. Desde o início do ano, o Diário do Litoral vem publicando casos de estudantes portadores de necessidades especiais que não têm respaldo da Prefeitura para poder estudar em Santos (ver nessa reportagem).

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Alzira Moreira resolveu deixar São Paulo e morar em Praia Grande pensando em dar uma vida mais tranquila ao filho. Na Capital, a dona de casa contava com o benefício. Porém, em Praia Grande o transporte vem sendo negado a ela, embora a Prefeitura já esteja sendo obrigada, judicialmente, a oferecer o benefício a outro menino, que estuda na mesma instituição que Alexei — a escola 30 de Julho, na Avenida Senador Feijó, 513, na Vila Mathias.

“Existem duas escolas especiais na Cidade, mas a Secretaria de Educação (Seduc) alega que só assiste alunos até 17 anos. Meu filho completa 18 este ano, então, não pode ser atendido. Eu saio 10h30 de casa e chego às 12 horas em Santos. Depois, fico sentada em frente à escola até as 16 horas para trazer o Alexei”, conta.

lzira explica as dificuldades enfrentadas pelo filho Alexei (Foto: Matheus Tagé/DL)

A dona de casa afirma que a situação não lhe permite uma alternativa de trabalho, que reforçaria a renda familiar. “Para manter nossas necessidades, conto com a ajuda de amigos e familiares. Aqui em Praia Grande moram só eu e o Alexei”, afirma Alzira, que lembra que o caso do outro menino só foi resolvido porque a mãe recorreu à Justiça.

Com a decisão nas mãos, Alzira diz que foi à Seduc e, mesmo assim, não foi beneficiada. “De imediato, me negaram o benefício e ainda disseram que a Prefeitura está recorrendo da decisão para tentar interromper o transporte da criança que estuda com meu filho. Não tive alternativa senão recorrer ao MP. Isso é um ultraje, é desumano. Praia Grande se nega a atender os deficientes”, afirma.

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A mãe diz que Alexei tem muita dificuldade para aprender, sendo necessária uma assistência especial, só conseguida em Santos. “Se eu colocá-lo no Ensino Médio normal, ele não vai conseguir acompanhar os demais alunos. A lei de inclusão não funciona. É ineficaz”, finaliza.

Entre jogos e o cachorro

Alexei não tem consciência das dificuldades que sua mãe vem tendo para manter seus direitos. No pequeno apartamento onde mora, na da Avenida Brasil, Alexei se divide entre o videogame e o carinho de Akon, o cachorro de estimação da família. Questionado se estava gostando da escola, o menino mostrou toda a sua ingenuidade. “Eu gosto, mas prefiro jogar e brincar com o Akon”, disse com o cachorro no colo.  

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Filho de Jovenita só toma banho de mar nos braços do tio (Foto: Divulgação)

Benefícios só na Justiça

O juiz Enoque Cartaxo de Souza concedeu liminar ao Ministério Público (MP) de Praia Grande obrigando a Prefeitura e o Governo do Estado a fornecerem transporte adaptado aos portadores de necessidades especiais Jackson Paula e Bruno Souto. O prazo de cumprimento inicia hoje e existe multa diária em caso de descumprimento. A Prefeitura ainda pode recorrer à sentença.

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O magistrado decidiu em favor dos estudantes após tentativas frustradas de ambos em ter seus direitos reconhecidos em âmbito administrativo. O juiz reconheceu as provas apresentadas e, em sua decisão, informou que ambos têm direito constitucional à Educação e que, neste sentido, é obrigação do Estado garantir os meios para que qualquer cidadão tenha acesso a ela.

Jackson e Bruno, que tiveram que apelar à Justiça o direito ao benefício, terão o transporte de suas residências à Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos (UniSantos) e à Faculdade de Tecnologia (Fatec), respectivamente, até o final dos cursos.          

Jackson Paula sofre atrofia muscular espinhal, que lhe permite apenas os movimentos faciais, pescoço e mão esquerda. Ele vem frequentando as aulas por conta da ajuda de outros estudantes e chegou a iniciar uma rifa para custear o transporte.

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 Literalmente driblando as bicicletas, o aposentado Gileno Lopes Trindade seguia com sua cadeira de rodas motorizada rumo ao consultório dentário (Foto: Matheus Tagé/DL)

Bruno Souto é estudante de Análise e Desenvolvimento de Sistemas e pega três conduções por dia para ir e três para voltar da Fatec. Ele é paraplégico e a trajetória diária via transporte público é um verdadeiro martírio não só por causa da locomoção, mas também em função das dores musculares durante e depois das aulas.

Cadeiras anfíbias em desuso

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Recentemente, o DL publicou a indignação da moradora Jovenita Pereira. Ela resolveu utilizar as redes sociais para expressar sua angústia com relação ao pouco caso da Prefeitura para com seu filho e outros portadores de necessidades especiais. Mãe de Lucas Pereira, portador de paralisia cerebral e autismo, Jovenita denunciou a falta de cadeiras anfíbias nas praias da cidade, fundamentais para o bem-estar das pessoas com deficiência.

“Há alguns anos, a cidade recebeu do Governo do Estado cadeiras. Porém, estão guardadas, sem uso, na Prefeitura. Enquanto isso, muitos ficam olhando para o mar sem poder tomar banho, assim como meu filho, ou dependem da boa vontade de alguém muito forte para levá-lo ao mar”, dizia.

Praia Grande foi pioneira no Programa Praia Acessível, do Governo do Estado de São Paulo, que, em fevereiro de 2010, com a presença do então governador José Serra, entregou as cadeiras no bairro Guilhermina. O programa é iniciativa da Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência que disponibiliza cadeiras de rodas anfíbias em cidades do litoral, garantindo o pleno acesso das pessoas com deficiência às praias paulistas.

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Para atender a demanda, os postos deveriam ter uma equipe de três pessoas para orientar e auxiliar a entrada e saída do mar com as cadeiras de rodas anfíbias. O equipamento só pode ser utilizado com acompanhamento facilitador ou acompanhante, independentemente da condição física do usuário.

Na época, o então vice-prefeito de Praia Grande, Arnaldo Amaral havia garantido que a Prefeitura daria continuidade ao projeto. “Esse programa significa muito para Município, pois temos a demanda. Estamos estudando uma forma de fácil acessibilidade. Já indicamos aproximadamente 12 locais para serem dotados com estes equipamentos. Praia Grande tem uma grande vantagem porque já temos estacionamento e rampas de acesso na orla. As cadeiras especiais complementam nossas ações”, disse Amaral na ocasião.

No meio da ciclovia

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Após a entrevista com Alzira e o jovem Alexei, a reportagem se deparou com uma situação inusitada, na Avenida Presidente Kennedy, a via mais movimentada do Município. Literalmente driblando as bicicletas, o aposentado Gileno Lopes Trindade seguia com sua cadeira de rodas motorizada rumo ao consultório dentário.

Questionado sobre as dificuldades de transitar por entre as bicicletas e carros (a ciclovia fica no canteiro central), o aposentado foi direto. “Essa cidade impõe muitas dificuldades aos deficientes. A gente não consegue transitar pelas calçadas. O transporte público é mais ou menos. Praia Grande é muito boa próxima à praia. Nas vias internas, somos obrigados a dar muitas voltas. Eu venho desde a Avenida São Paulo. Por incrível que pareça, é mais seguro eu seguir pela ciclovia”, disse.

Prefeitura responde  às situações

No caso de Jackson e Bruno, a Prefeitura de Praia Grande se defende alegando que a responsabilidade da Secretaria de Educação (Seduc) é com educação básica e, dentro deste contexto, a Seduc atende alunos das escolas municipais de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Com isso, a educação de Ensino Superior não pertence a este âmbito.

Entretanto, a Secretaria de Educação ainda oferece bolsa transporte para universitários, porém, em transporte coletivo, onde toda a frota municipal é adaptada para cadeirantes e parte da intermunicipal também é adaptada.

Cadeiras

Para a questão das cadeiras, a Administração informa que o projeto Praia Acessível está em andamento, porém, para ser implantado na sua totalidade depende ainda de algumas obras, que serão realizadas no calçadão da orla da praia. O objetivo da Administração é evitar que o projeto seja implantado de forma provisória.

De acordo com o coordenador de Assuntos Metropolitanos, Rui Lemos Smith, o projeto foi alterado de modo a atender um número maior de pessoas, incluindo mais uma área de acesso das cadeiras à praia, além da construção de áreas que funcionarão como vestiário para oferecer mais conforto aos usuários. Haverá ainda a instalação de uma esteira para facilitar o acesso das cadeiras até a água.

Quanto aos funcionários, a coordenadoria de Assuntos Metropolitanos esclarece que serão montadas equipes para o atendimento dos usuários que deverão contar com profissionais das áreas de Educação Física e Saúde. A previsão é de que as obras estejam concluídas no início de 2015 e, em seguida, tenha início a efetiva implantação do projeto.

A situação de Alexei

Com relação ao caso do menino Alexei, a Prefeitura informa que “em nenhum momento a mãe solicitou oficialmente transporte para a Secretaria de Educação”. Contudo, a Administração admite que, esta semana, recebeu requisição do MP solicitando a concessão do transporte.

A Prefeitura finaliza garantindo que está providenciando o levantamento das informações necessárias para, em breve, emitir uma resposta ao MP sobre a possibilidade de atendimento do adolescente.

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