Cotidiano

Por cloroquina negada, advogada chama médico de 'comunista' e é condenada em Santos

A situação ocorreu em 25 de maio do ano passado. O médico estava de plantão no Pronto Socorro do Hospital Ana Costa

Carlos Ratton

Publicado em 22/03/2021 às 13:01

Atualizado em 22/03/2021 às 13:04

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Em 20 dias, a paciente ficou internada por duas vezes no Hospital Ana Costa, em Santos / Nair Bueno/DL

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O juiz Guilherme de Macedo Soares, da 2ª Vara Civil de Santos, condenou por danos morais uma advogada por usar as redes sociais para criticar um médico do Hospital Ana Costa que se negou a receitar cloroquina e azitromicina como tratamento de Covid-19. Ela terá que pagar o equivalente a 10 salários mínimos (R$ 11 mil) e ainda excluir as publicações a partir da intimação.

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A situação ocorreu em 25 de maio do ano passado. O médico estava de plantão no Pronto Socorro do Hospital. A advogada reclamava de frio, tosse seca e se negava em fazer o teste de Covid-19. Queria apenas cloroquina e azitromicina. Após examiná-la e concluir que a paciente se encontrava com os sinais vitais bons, o médico solicitou um eletrocardiograma, contudo, a advogada alegou que apenas desejava tomar o “remédio do presidente (Jair Bolsonaro)”, insistindo na prescrição como forma profilática de tratamento ao vírus, propondo-se a assinar qualquer termo de consentimento.

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O médico explicou que, em vista do quadro clínico e da ausência de comprovação de eficácia científica, não se sentia confortável para prescrever os medicamentos, além dos sintomas não indicarem a doença. Chegou a chamar cinco colegas (outros médicos) e todos foram unânimes em afirmar que, em razão da idade, a advogada correria risco de sofrer efeitos colaterais, o que incluiria morte súbita durante a noite.

Ameaças

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No entanto, de nada adiantou. A advogada passou a ameaçar processar o médico por não atender seu pedido, relatando que o presidente dos Estados Unidos da América (Donald Trump) tomava, e que o presidente do Brasil havia autorizado o uso. Durante a consulta, ele chegou a ligar para outras pessoas como forma de coação, afirmando que os médicos do local eram ‘comunistas’ por não prescrever o medicamento.

Com a insistência da advogada em afirmar que o processaria e de registro de boletim de ocorrência, o médico encerrou o atendimento, deixando claro que a prescrição dos medicamentos de combate à Covid-19 é a critério do médico, segundo orientação do Ministério da Saúde.

A advogada foi para casa e passou criticar o médico pelo Facebook, dando a entender que a recusa em prescrever os medicamentos indicados pelo presidente seriam causadoras de mortes no País.

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Em sua decisão, o juiz deu razão ao médico que se sentiu ameaçado e coagido em seu ambiente de trabalho ao ver seu nome lançado de forma leviana em rede social, chegando a temer por sua integridade física e moral, pois a publicação estava aberta a qualquer pessoa, e não apenas aos amigos da advogada, que chegou a ameaçar buscar ajuda no Hospital Albert Einstein, mas resolveu apagar a postagem no Facebook tão logo tomou conhecimento da ação.

A Justiça ratificou que a conduta médica foi amparada pelos protocolos técnicos do hospital, do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS), que descartaram o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina como tratamento da Covid-19.

JUIZ.

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“É o médico que tem a palavra final sobre o assunto, não cabendo ao paciente impor o que acha melhor no seu caso. É evidente tem a faculdade de discordar, buscar uma segunda opinião ou quantas desejar. Porém, em hipótese nenhuma pode exigir que o profissional ceda à sua opinião pessoal”, escreveu o magistrado em sua decisão.

O juiz ainda acredita que, em relação à advogada, houve o “efeito Dunning-Kruger” -  fenômeno que leva indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto a acreditarem saber mais que outros mais bem preparados, fazendo com que tomem decisões erradas e cheguem a resultados indevidos.

“Estas pessoas sofrem de superioridade ilusória. Quanto menos uma pessoa domina um assunto, mais ela acredita ter pleno conhecimento sobre ele, a ponto de concluir que sabe até mesmo mais do que pessoas que estudaram a vida inteira a respeito”, explica o magistrado, que apurou que a advogada, diariamente, compartilhava dezenas de notícias de cunho político, seguindo a sua própria corrente ideológica.

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DESCULPAS.

O juiz finaliza suas considerações de forma inusitada. Escreveu ser incontroverso que a advogada tentou coagir o médico em seu ambiente de trabalho, que confessou a ameaça – inclusive que os filhos o processariam em caso de óbito – e não negou ter envolvido os demais médicos evidenciando que sua opinião pessoal derivava de sua ideologia política.

“É lamentável que os fatos tenham por personagem uma advogada, que infelizmente não teve a sensibilidade de entender que o momento não se presta para hostilizar os profissionais da saúde, muito pelo contrário, deveriam ser tratados como heróis, pois, assim o são. Arriscam suas vidas e as vidas daquelas que eles mais amam para combater a doença alheia. Estão na linha de frente, prontos para o que der e vier e, lamentavelmente, ainda precisam passar por situações como essa. A sociedade precisaria se juntar e pedir desculpas em nome da ré (advogada), a começar por este julgador: receba minhas sinceras desculpas!”, finaliza o juiz.

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