Cotidiano
Ocioso desde 2019, imóvel com 17 mil metros quadrados é tombado e foi dado como garantia em dívidas milionárias da Santa Casa com a União; MP pede desapropriação
Escolástica Rosa está à beira da ruína / Diário do Litoral
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O vereador Paulo Miyasiro (Republicanos) tentou “chacoalhar” os atores envolvidos direta e indiretamente na recuperação do Instituto Escolástica Rosa. Mas, durante audiência na Câmara Municipal na última quarta-feira (26), ficou evidente que, se depender dos políticos locais e da Irmandade da Santa Casa de Santos, o conjunto arquitetônico que formou gerações de santistas por mais de 100 anos vai continuar fechado.
Ocioso desde 2019 e à beira da ruína, o imóvel com 17 mil metros quadrados se transformou em alvo de disputa ideológica. Deputados de direita defendem a criação de uma escola cívico-militar, mas não apresentaram nenhum projeto pedagógico.
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Já políticos de esquerda inflamam a juventude sinalizando a instalação de um Instituto Federal de Ensino, porém não agem junto ao presidente Lula, que prometeu uma unidade do IF em Santos, disse que tinha a verba e só pediu a indicação de um prédio.
Presente na audiência pública convocada por Miyasiro, o vereador e vice-provedor da Santa Casa, Cacá Teixeira, finalmente apresentou à sociedade santista a versão da Irmandade para o abandono do conjunto arquitetônico à beira-mar.
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O hospital recebeu o Escolástica Rosa em doação na virada do século 19 para o 20 para que mantivesse, ali, um internato e uma escola para crianças e jovens carentes.
Mas, apesar da destinação explícita no testamento de João Octávio dos Santos, Cacá abriu sua fala reiterando que o Escolástica Rosa “não é um bem público”.
O vice-provedor também negou que a deputada federal Rosana Valle (PL), o deputado estadual Matheus Coimbra (PL) e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) tenham apresentado qualquer projeto pedagógico de maneira formal visando a criação de uma escola cívico-militar no imóvel.
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Cacá também afirmou que não recebeu qualquer sinalização do Governo do Estado de repasse de verbas para restauro do imóvel. Orçado inicialmente em R$ 50 milhões, conforme entrevistas concedidas pelo antigo locatário do imóvel, o projeto de recuperação das características originais do prédio custaria, hoje, R$ 77 milhões.
Os cálculos foram atualizados pelo arquiteto e urbanista Gustavo Nunes, autor do projeto, que também compareceu à audiência.
“A questão daquele prédio é triste. Precisamos dar uma destinação para o Escolástica Rosa”, resumiu Cacá. “É interesse da Santa Casa fazer uma parceria porque não temos recursos próprios (para recuperar o conjunto arquitetônico)”, completou o vice-provedor.
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“Se o Governo do Estado abraçar essa causa, faremos (a restauração). E estamos abertos à aproximação com o Governo Federal. Queremos é aquele imóvel restaurado através de uma parceria que possa dar continuidade ao desejo de João Octávio”, concluiu Cacá.
Durante o ano de 2024, o Diário do Litoral procurou a Santa Casa diversas vezes a fim de esclarecer a situação do Escolástica Rosa. Uma entrevista com o provedor Ariovaldo Feliciano chegou a ser agendada, mas a assessoria do hospital acabou desmarcando.
Apesar das explicações de Cacá Teixeira, a Santa Casa não passou ilesa de cobranças e críticas durante a audiência pública. Segundo a arquiteta e urbanista Jaqueline Fernándes Alves, os responsáveis pelo conjunto arquitetônico poderiam ter pleiteado verbas de incentivo à cultura para seu restauro, conforme a Lei 8.313/91, conhecida como Lei Rouanet.
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Isso porque o imóvel é tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa).
“A Santa Casa poderia ter buscado recursos da Lei Rouanet e o Condepasa deveria ter assessorado (a Irmandade)”, resumiu Jaqueline, que representou o Polo Regional do Instituto dos Arquitetos do Brasil na audiência de quarta-feira na Câmara Municipal.
Autor do projeto técnico de restauração do Escolástica Rosa, o arquiteto Gustavo Nunes garantiu que é possível recuperar as características originais do prédio que, no entanto, recebeu alterações ao longo do século 20.
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Esse é o caso da passarela coberta que liga a calçada da Avenida Bartolomeu de Gusmão à entrada principal do prédio, na Praia da Aparecida.
Para elaborar o projeto técnico, Nunes reuniu mais de quatro mil fotos, formatou 40 plantas do conjunto arquitetônico e contou com o apoio de 16 profissionais da sua equipe.
“Como santista que sou, quero ver o Escolástica Rosa restaurado porque esse é um patrimônio de Santos, do Estado e da Nação. E o prédio principal não apresenta nenhuma patologia estrutural, portanto ele é totalmente recuperável”, resume Nunes.
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“Quero ver o projeto técnico executado o mais rápido possível”, completa o arquiteto, que desde o ano passado vem coordenando capinas periódicas, além de desobstruções das tubulações de drenagem e ações de combate a insetos e caramujos a fim de manter o conjunto arquitetônico em condições sanitárias satisfatórias.
O chefe do Departamento de Controle do Uso e Ocupação do Solo e Segurança de Edificações da Prefeitura, Glessio Cagnoni, admitiu que a discussão sobre a restauração do imóvel levou nove anos.
Esse debate começou em 2014, mas só deslanchou em 2023, quando Nunes foi contratado pela Santa Casa e o projeto técnico foi aprovado pelo Prefeitura e pelo Condepasa.
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Com o projeto de restauro pronto e aprovado pela Prefeitura e pelo Condepasa, a Santa Casa recebeu a promessa do então secretário de Estado do Turismo, Roberto de Lucena, que o Governo Tarcísio de Freitas ajudaria com verbas públicas a restauração do conjunto arquitetônico. Na época, a estimativa era de que a obra consumiria R$ 50 milhões.
Passados dois anos, os valores atualizados já somam R$ 77 milhões. Mas, o dinheiro prometido pelo Governo do Estado não veio. Aliás, o Estado ocupou o imóvel com 17 mil metros quadrados durante 41 anos e só promoveu reparos pontuais na estrutura centenária.
O desleixo foi tanto que desde meados da década passada o conjunto arquitetônico oferecia risco aos estudantes, professores e funcionários.
Até que, sem acordo com Irmandade da Santa Casa, o Governo do Estado resolveu abandonar definitivamente as instalações projetadas pelo benemérito santista João Octávio dos Santos.
Esse abandono perdurou durante as gestões dos ex-governadores José Serra, Geraldo Alckmin, Márcio França e João Dória.
No terreno que chegou a abrigar oficinas profissionalizantes e um até um orfanato, também funcionou uma unidade da Faculdade de Tecnologia (Fatec), ligada ao Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza.
Agora, há cerca de 45 dias, o Estado solicitou o envio do projeto de restauração do imóvel para o secretário de Estado da Segurança Pública, Guilherme Derrite.
Em visita ao Porto no dia 2 de fevereiro de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu instalar uma unidade do Instituto Federal de Educação em Santos. E pediu às autoridades locais que indicassem um imóvel compatível com as atividades da unidade de ensino profissionalizante.
Consultado pelo Diário do Litoral durante visita de Tarcísio de Freitas à Prefeitura, o prefeito Rogério Santos (Republicanos) disse que pediria uma audiência em Brasília para tratar do tema.
Depois, em conversa informal na Associação Comercial de Santos durante a visita do governador mineiro Romeu Zema (Novo), o prefeito sinalizou que poderia sugerir a instalação do campus do IF no imóvel que abrigou o Instituto Escolástica Rosa. Mas, a Prefeitura nunca mais tocou no assunto.
Ligado ao Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, o escritório da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) em Santos chegou a promover um levantamento de imóveis ociosos da União na Cidade.
O escritório é dirigido pelo ex-secretário de Habitação de São Vicente, o psicólogo Emerson Santos. Quem também exerce cargo comissionado em Brasília é a geóloga e ex-vereadora santista Cassandra Maroni Nunes. Petista histórica, Cassandra é a atual diretora do Departamento de Destinação de Imóveis do Ministério de Gestão.
Mais: conforme apurado pelo Ministério Público em inquérito que pede a desapropriação do Escolástica Rosa, a Santa Casa devia, em 2024, perto de R$ 100 milhões em impostos federais. Além disso, a entidade também acumulava outra dívida de quase R$ 30 milhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
No então, presentes na audiência, a vereadora Débora Camilo (PSol) e a ex-prefeita de Cubatão, Márcia Rosa (PT), discursaram sem sinalizar qualquer interlocução concreta com a Presidência da República a fim de viabilizar a instalação do IF no conjunto arquitetônico que leva o nome da ex-escrava dona Escolástica Rosa.