Cotidiano

Para advogado, PEC é `colcha de retalhos`

O advogado criminalista Armando de Mattos Júnior diz que a Proposta de Emenda à Constituição tem série de pontos falhos e foi criada sem estudos necessários

Publicado em 27/06/2015 às 22:23

Compartilhe:

A primeira votação, em plenário, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, para crimes considerados de maior gravidade, está marcada para a próxima terça-feira (30) na Câmara dos Deputados. O texto precisa ser aprovado em dois turnos para seguir para o Senado, onde também precisa ser apreciado em duas votações.
É prevista a responsabilização penal para os maiores de 16 nos seguintes crimes: latrocínio (roubo seguido de morte), roubo qualificado, estupro, homicídio doloso (com intenção de matar), lesão corporal grave e lesão corporal seguida de morte.

Neste Papo de Domingo, o advogado criminalista Armando de Mattos Júnior, mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos (Unimes), questiona a capacidade do País para construir um novo sistema para a custódia desses infratores, critica a redução seletiva para somente alguns crimes e diz que a PEC apenas “remenda” um problema muito complexo, que envolve falta de acesso dos adolescentes a programas educacionais e culturais de maior qualidade.

Armando de Mattos Júnior é advogado criminalista (Foto: Matheus Tagé/DL)

Para Mattos Júnior, a legislação está sendo criada de modo muito rápido e carece de estudos mais aprofundados, com a participação de juízes, promotores, advogados, delegados, psicólogos e assistentes sociais.

Na última sexta-feira (26), o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse que a capacidade de recuperação dos menores é, neste momento, uma questão “secundária” e que não se pode deixar de colocá-los na cadeia por conta da “falta de condições”. A declaração foi dada após Cunha ser questionado por jornalistas correspondentes internacionais sobre a superlotação do sistema prisional brasileiro.

Para o presidente da Câmara, a extensão do período de internação de menores infratores não seria uma medida aceitável. Ele define os institutos que recebem esses jovens hoje como “fábricas de bandidos”. “É dormitório para bandido que sai para assaltar e volta para dormir sem nenhum controle”, afirma.

Diário do Litoral - Qual é a sua avaliação sobre a redução da maioridade penal no Brasil?

Armando de Mattos Júnior - Sou contra por um lado e a favor de outro lado. Existe a questão constitucional que precisa ser observada. Os juristas, os constitucionalistas precisam observar isso, porque é uma parte da constituição que não pode ser alterada. Sou contra inserirmos pessoas com uma idade pequena em cadeia com pessoas com idade superior e vice-versa. Se o Estado fizer uma programação e construir presídios especiais muito bem. O que nós poderíamos fazer e está sendo veiculado hoje é aumentar o tempo de internação. (Hoje) o máximo que a pessoa fica internada são três anos. Na verdade, muitas vezes, nem chega a esse tempo. As pessoas conseguem liberdade se, por ventura, se comportarem, brincarem de massinha direitinho, escovar os dentes à noite, e, em seis meses, oito meses, até um ano, são colocadas em liberdade. Nós precisaríamos aumentar o tempo de internação. O que eu observo é que o menor fica muito à vontade. Ele sabe que se ele for inserido no crime, se ele for trabalhar no crime, o máximo que vai acontecer com ele, mas estourando, são os três anos. Então ele fica muito tranquilo com relação a isso. Se nós aumentássemos o período de internação, dentro do ECA mesmo, já seria algo razoável.

DL - Nos Estados Unidos, nove estados tomam direção contrária a do Brasil, e discutem elevar a idade para a responsabilização penal. Isso seria um indício de que a redução da maioridade é uma medida que não dá os resultados esperados, como diminuição de crimes?

Mattos - Os Estados Unidos para nós não é parâmetro, a economia deles é diferente, a educação é diferente, a relação com a autoridade lá é diferente. Os Estados Unidos tem índices elevadíssimos de crime, sendo que eles tem pena de morte. Nossos problemas aqui são outros. Nosso problema é cultural, não se investe na Cultura. O menor vai para o crime porque ele não tem oportunidade, porque o Estado não dá oportunidade. Porque ele não estudou, porque a mãe não levou para a escola, porque a mãe usa drogas, porque o pai é alcoólatra, etc… Isso não está sendo visto. Estão querendo remendar o problema aqui embaixo, sendo que é um problema para ser resolvido em 25, 30 anos, não agora de afogadilho

DL - Há juristas que defendem a tese de que ou a redução maioridade só pode ocorrer se for para todos os crimes, pois a redução seletiva a alguns crimes será uma “aberração jurídica”. Qual é sua opinião sobre isso.

Mattos - A minha avaliação é que (se houver redução) é para todos (os tipos de delitos). Nós não podemos criar situações distantes, distintas. É para todos os atos infracionais, desde a falta de habilitação. Desde aquele menino que pega o carro sem autorização do pai, daquele menino com o cigarro de maconha. Qualquer tipo de ilícito, até os mais graves, a extorsão mediante sequestro, o latrocínio, o tráfico de entorpecentes. Senão você vai criar situações que geram até corrupção, porque aí aquele que vai avaliar se é ou não é vai dar problema. O grande problema é que quem trata disso (redução da maioridade) não tem conhecimento. Para nós mexermos no ECA ou construírmos uma legislação nova precisamos pegar pessoas que trabalham com isso. Com todo respeito, nem todos os deputados federais conhecem isso a fundo. Operadores do Direito, assistentes sociais e psicólogos devem ser chamados para que deem sua opinião. E não uma colcha de retalhos que estão fazendo: criar uma legislação rapidamente porque aconteceu um crime bárbaro e semana que vem vai acontecer outro. Não é assim que isso deve ser feito. É um estudo muito sério, e não de qualquer jeito.

" A minha avaliação é que se houver redução é para todos os tipos de delitos", comentou o advogado (Foto: Mathues Tagé/DL)

DL - Em janeiro deste ano, o delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Yousseff Abou Chahin, disse que os menores infratores são “como o personagem 007 e têm licença para matar, porque ficam na Fundação Casa um período e saem”. Entre policiais é comum o pedido por uma legislação mais severa para os adolescentes. Há quem diga que a “polícia está enxugando gelo” sem as punições judiciais mais rígidas. Como o senhor avalia esse cenário?

Mattos - Eu concordo com o delegado-geral. É lógico que ele usou uma forma figurada. Mas é verdade, o menor infrator, como eu já disse, sabedor que no máximo vai ficar 3 anos apreendido, internado, ele praticamente tem licença para matar. E o próprio crime sabe disso e acaba cooptando esses menores para fazer o serviço sujo. Quando a polícia descobre a autoria delitiva, (criminosos) falam que quem fez foi o menor. Então ele (adolescente) sabe que a sanção para ele é pequena. O delegado-geral certamente quis dizer isso. E mais: estão enxugando gelo mesmo. E pior de tudo: o custo operacional disso para o Estado é altíssimo. Pessoas entram no entorpecente na mão desses meninos e a sanção deles é muito pequena. Então o Brasil precisa parar e rever isso. Estudar, mas estudar de forma séria. Não como estão querendo fazer.

DL - Pesquisa Datafolha divulgada no último dia 22 indicou que 87% dos entrevistados apoiam a redução da maioridade penal. Entre a sociedade o debate é recorrente, acirrando-se nas redes sociais quando há crimes de repercussão com menores como autores. Como enxerga esse contexto de indignação com o atual modelo de punição?

Mattos - O Brasil está indignado com tudo, essa é a verdade. O Brasil está indignado com a política, com a economia, com o futebol, com a segurança. Nós estamos indignados com vários pontos. E a segurança pública não foge disso. E nós observamos que a própria mídia nos traz isso. De forma recorrente acontecem atos infracionais terríveis. Então nós observamos que a sociedade está indignada e a forma que a sociedade tem hoje é de buscar as redes sociais, essa comunicação que as pessoas fazem. A sociedade está indignada, mas precisa ver se o modelo que estão buscando é o modelo certo, porque amanhã o problema pode bater na casa de um de nós e um filho nosso, um neto nosso se envolver e ser levado para uma carceragem. É isso que nós queremos? Precisa ver se é isso que a sociedade quer. Porque enquanto acontece na casa do outro é uma coisa, quando acontece na sua casa é diferente.

VEJA TAMBÉM

ÚLTIMAS

Diário Mais

Você sabe por que os cadáveres do Titanic nunca foram encontrados?

Diversas teorias foram criadas ao longo dos anos para explicar a ausência dos restos mortais

Diário Mais

Saiba qual o lanche secreto do McDonald´s que brasileiros descobriram e querem aqui

Nas últimas semanas o assunto voltou a tomar as redes sociais

©2024 Diário do Litoral. Todos os Direitos Reservados.

Software

Newsletter