Cotidiano

Papo de domingo: Raul Christiano fala sobre as mudanças no Carnaval

O secretário de Cultura da Cidade afirmou que “a realidade de a escola deixar de precisar do cachê não está distante”

Pedro Henrique Fonseca

Publicado em 02/03/2014 às 01:49

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Segurança é o foco do Carnaval deste ano para a Prefeitura de Santos. E nem poderia ser diferente: há um ano, um acidente na área externa da Passarela resultou na morte de quatro pessoas e em sete feridos. As vítimas fatais morreram eletrocutadas, durante o incêndio de um carro alegórico, após o desfile. O secretário de Cultura de Santos, Raul Christiano, recebeu o Diário do Litoral em seu gabinete na tarde da última terça-feira para falar das iniciativas para Santos retomar seu espaço entre as cidades com melhor Carnaval do Brasil. Há muito a ser feito para atingir essa meta.

Confira a entrevista:

Diário do Litoral - Passado um ano da tragédia no Carnaval, que resultou em quatro mortes, deu tempo de a Secretaria de Cultura e da Prefeitura promoverem uma remodelação para tornar o evento mais seguro?

Raul Christiano -
Todo Carnaval do ano seguinte começa a ser preparado um dia após o fim do Carnaval de um ano. Independentemente da fatalidade do acidente ocorrido fora da passarela, começamos a levantar experiências de outros lugares onde havia regulamentos diferenciados, recursos maiores para as escolas de samba e um tratamento mais profissionalizado do Carnaval. Nesse processo estudamos o Rio de Janeiro, o porquê de São Paulo ter passado a gente (em termos de importância do evento), Salvador, Vitória...Pegamos esses exemplos e começamos a estudar ainda em caráter informal, ao mesmo tempo em que estávamos respondendo pelos resultados do Carnaval. Focamos nas experiências com base no planejamento, na organização mais planejada e na sustentabilidade do Carnaval.

DL - Alguma experiência foi usada mais como modelo?

RC -
Não dá para pegar uma especificamente. Fizemos uma compilação de várias informações e estabelecemos uma nova ordem.

DL - E qual foi a principal mudança em termos de segurança geral do evento?

RC -
O primeiro passo de todo o processo foi estabelecer uma linha de diálogo maior com as escolas de samba, com a Liga. Passamos a conversar muito mais. O acidente uniu muito as escolas com a Prefeitura. Todo mundo se sentiu parte do processo, até porque o Carnaval já ocorria lá desde 2006, e nunca houve o registro de um acidente. E cada ano passavam 60 carros alegóricos por ali. Naquele dia(da tragédia) já haviam passado mais de 40 carros alegóricos. Então houve uma aproximação das escolas no sentido de cooperar, de trazer modelos. Como Santos ficou um período sem Carnaval (os desfiles foram suspensos pelo então prefeito Beto Mansur, PP), os carnavalescos migraram para vários locais, como Rio, São Paulo e Interior, e desse processo acabamos ouvindo mais as escolas e a Liga.

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Raul Christiano falou ao DL sobre as mundaças no Carnaval deste ano (Foto: Matheus Tagé/DL)

DL - E isso resultou na aproximação dos pedidos das escolas?

RC -
Dos desejos que eles querem e no que a Prefeitura pode. Em agosto, o prefeito nomeou uma comissão de planejamento do Carnaval. Nessa comissão contou com membros de todas as secretarias e departamentos da Prefeitura, e foram incluídos entes externos como a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros, a CPFL, Crea e Associação dos Engenheiros. Eles foram permanentemente ouvidos e fomos construindo o Marco Legal do Carnaval.

DL - O que é esse Marco Legal?

RC -
É o estabelecimento de regras além daquelas que eram exclusivamente para definir itens como a pontuação das escolas, o tempo de desfile, os quesitos, avaliações. O quesito de segurança do regulamento, que sempre foi um ‘copia e cola’ do passado, era genérico. Com o Marco Legal estabelecemos que cada escola deveria entregar envelopes com informações estratégicas das escolas que definem os responsáveis por todo o processo de gestão do carnaval a partir da escola. Desde quem será o responsável por acompanhar o comboio da escola, quem é o responsável ônibus com os componentes...

DL - As escolas estão preparadas para isso?

RC -
Estão. Elas, na verdade, sempre tiveram os responsáveis, mas nunca revelados e formalizados. Nunca foi formalizada essa exigência. E, além de ter o nome do responsável, terá os contatos dele, que poderá ser responsabilizado, chamado para uma reunião específica. Esse modelo de gestão foi articulado com a direção das escolas. Não foi nada impositivo. Não teve um prato feito na secretaria. O que acho que foi decisão importante da Liga foi a relação da exigência de que cada carro alegórico, cada tripé que tiver algum elemento humano deve ter Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) assinada por um engenheiro.

DL - Foi difícil para as escolas obterem isso?

RC -
Teoricamente, cada escola teria que ter o seu engenheiro porque o desenho sai da cabeça do carnavalesco e, muitas vezes, eles apenas pegavam o carro alegórico, o chassi e montavam em cima. Sem nenhum cuidado. Hoje cada item é analisado tecnicamente. A Liga tomou a iniciativa de contratar um escritório de Engenharia para atender as 15 escolas. Além disso, tomamos a iniciativa de firmar um convênio com o Senai para a formação de representantes das escolas em Mecânica Automotiva. E além dele utilizar esse novo conhecimento técnico nas escolas, ele passa a ter uma profissão, passa a estar habilitado a trabalhar em uma oficina mecânica, em uma concessionária de automóvel. Ele tem o certificado do Senai. E fizemos também cursos, em parceira com o Governo do Estado, através da Oficina Cultural Pagu. São cursos de fantasia, moda, canto, percussão e outros.

DL - O senhor citou do êxodo dos sambistas após a interrupção dos desfiles em Santos. Vai demorar muito para Santos voltar a ser o segundo Carnaval do País, como foi na década de 80?

RC -
Acredito que não. Muitos daqueles que saíram daqui, voltaram, se aproximaram ou tiveram alguma participação neste Carnaval. Muitos ainda estão em escolas de São Paulo, mas já estão com o pé em Santos, de volta. Isso é perceptível nas escolas. Outra coisa que se discute é tirar o Carnaval da informalidade, profissionalizá-lo.

DL - Para que as escolas dependam menos do cachê dado pela Prefeitura? De quanto é hoje o cachê?

RC -
Isso. Hoje é R$ 150 mil para as escolas do Grupo Especial, e R$ 75 mil do Grupo de Acesso. Essa realidade de a escola deixar de precisar do cachê não está distante. Como nós focamos muito no desfile, nas condições de segurança, ficou em segundo plano, por conta das especificidades, a questão do Plano de Mídia. As escolas queriam compartilhar com a Prefeitura de um Plano de Mídia, onde a Prefeitura definisse no projeto de Carnaval um mobiliário urbano onde as empresas poderiam colocar suas marcas para serem vistas. Isso foi feito pela secretaria, preparamos isso só que começamos o processo de captação (de empresas interessadas) em outubro. Ficou pronto muito tarde. Esse processo deveria estar pronto até junho. A ideia é reduzir ao máximo o investimento público no Carnaval, e isso passa pela questão dos cachês e que as escolas passem a contar com fontes de renda. E para elas terem fontes de renda, o sonho da maioria delas é ter sua quadra. Muitas não têm quadra.

DL - Se uma escola não tem quadra, como vai gerar renda durante o ano?

RC -
O sonho é ter uma Cidade do Samba (experiência pioneira do Rio de Janeiro).

DL - Tem algum projeto de se montar uma Cidade do Samba em Santos?

RC -
O ideal é que tivéssemos alguma área pública e fizemos consultas. Encaminhei ofícios à Secretaria do Patrimônio da União (SPU) para que nos informassem se teria algum terreno disponível, mas não havia.

DL - Então, o sonho da profissionalização está distante?

RC -
Veja, com o Plano de Mídia, o incentivo seria que o que as escolas arrecadassem de publicidade para a festa teriam 90% para elas próprias e 10% colocariam na organização do Carnaval. E a Liga faz esse papel de intermediação. As escolas receberam o Plano de Mídia, que era um sonho delas.

DL - O senhor acredita que para o próximo Carnaval, apresentando o Plano de Mídia mais cedo, consiga resultados?

RC -
Sim.

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