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Ela começou a dar aulas aos 14 anos, após um convite do colégio em que estudava, para dar aulas de reforço. Tomou gosto para arte de lecionar. Já são 47 anos com essa prática.
Mas, apesar da longevidade na profissão, Maria Carolina Stivaletti é uma professora atualizada. Formada em letras e pedagogia, além de possuir 14 cursos de especialização no currículo, ela busca interagir com o aluno e trazer temas atuais para a sala de aula.
Mais do isso gosta de utilizar a modernidade a seu favor e defende que a língua portuguesa deva valorizar mais a interpretação do texto do que a gramática. Ela “aposentou” os pronomes “tu” e “vós” de suas aulas e ainda luta para propagar seu método de ensino para outros profissionais do setor. Neste Papo de Domingo, Maria Carolina fala sobre as inovações em sala de aula, as dificuldades enfrentadas na educação e pede pela modernização em sala de aula. Confira:
Diário do Litoral: Quando começou esse debate por lecionar sem a utilização dos pronomes “tu” e “vós”?
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Maria Carolina: Isso é tão antigo. Vem lá de um curso que eu fiz na USP em 1986. Já não se usava mais o “vós” a não ser na linguagem religiosa e na linguagem jurídica. Nesse curso se apregoava que só quem se tornasse especialista na área do direito ou religioso, é que soubessem o “tu” e o “vós”. Só que agora nenhuma das duas mais usa. É obsoleto. É necessário fazer a criança aprender em exercícios estruturais, em frases e textos. O “tu”, o gaúcho utilizava corretamente, mas hoje também emprega de maneira errada. Dói o ouvido. Melhor abolir do que empregar errado.
Diário do Litoral As crianças se adaptam facilmente a esse método?
Maria Carolina: Sabendo fazer, totalmente. Tem uma coisa importante. É preciso enfrentar resistência de alguns pais.
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Diário do Litoral: Qual a reação dos pais ao saber desse método?
Maria Carolina: Eu, por exemplo, não trabalho sem autonomia. Eu converso com esses pais. Se eles entenderem, ótimo, se não, não resta alternativa a não ser tirar o filho da minha mão. Já proponho na conversa. Mas, quando percebem a segurança da gente, a informação, os pais entendem, aceitam e acabam até colaborando.
Diário do Litoral: Tem algum pai que se recusou?
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Maria Carolina: Nunca. A única que tive um problema sério com pais foi quando eu adotei “Feliz Ano Velho”, do Marcelo Rubens Paiva. Fiz um trabalho fantástico, até teatro nós montamos com o livro. Mas teve uma família que se revoltou porque era muito católica, a doutrina era de se casarem todos virgens e o livro estimularia o sexo, como se o sexo precisasse ser estimulado. As pessoas acabam vestindo uma máscara hipócrita e vão em frente(risos).
Diário do Litoral: Quais os benefícios podem ter no ensino das crianças que estão neste tipo de aprendizado?
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Maria Carolina: Todos. Ela vai falar bem, refletir bem as ideias de um texto, e o principal, escrever bem. É o principal objetivo. O interesse dela vai ser maior.
Diário do Litoral: E como é a conversa com as outras professoras?
Maria Carolina: Na palestra, elas acham lindo o método. Mas na prática, eu me decepciono um pouco. As lousas continuam cheias de pontos, predicado, objeto direto e indireto. Exercício de monte com frases estanques, o que é um absurdo. Tudo tem que ser dentro de um texto. Mas é o mais fácil. Poucas pessoas trabalham assim, infelizmente. Continuaremos sendo o penúltimo no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos, infelizmente.
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Diário do Litoral: E em relação a direção das escolas?
Maria Carolina: Todos os lugares em que trabalhei nunca teve problema. Sempre me apoiaram. Antes de começar a trabalhar, quando vou ser contratada, já coloco a minha linha de trabalho. A escola aceita ou não. Mas não tem impedimento nenhum e a escola vê resultado. Se o trabalho talvez não apresentasse resultado, eu não sei o que aconteceria. Mas como sempre apresentou jamais tive problemas.
Diário do Litoral: Esse método foi empregue nas escolas públicas também?
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Maria Carolina: Sempre, eu trabalhei a vida inteira e me aposentei na Escola Estadual Suetonio Bittencourt Junior, em Santos. A nossa escola virou escola modelo para o estado. Nós que preparamos todo o material dos centros de educação supletiva. Fomos para São Paulo, pagos pelo Governo do Estado, para preparar esse material. Isso faz uns 25 anos. Mas na educação é assim. Para as coisas mudarem se leva muito tempo. É uma pena.
Diário do Litoral: A ABL foi consultada sobre essa questão? Houve posicionamento?
Maria Carolina: Nunca. Mas até os livros didáticos, ainda possuem muito conteúdo gramatical, mas já trabalham nessa linha. Nunca me preocupei com essas três letrinhas. Inclusive, os bons autores dos livros didáticos têm trabalhado nessa linha. A prioridade é o texto, incluindo imagens. Trabalho muito com tela. Eles adoram imagem, é mais fácil que o texto de palavras. É preciso trabalhar muito com imagem também. Quando digo texto é imagem também, o vídeo que está rolando no “Youtube”, o que está no “Facebook”. Tudo é texto. Mas você precisa trabalhar bem isso, tirar leite de pedra. Tem que saber fazer isso. Nunca me preocupei com a ABL.
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Diário do Litoral: Em relação às entidades que gerenciam a Educação?
Maria Carolina: Até parece que eles se preocupam com o que está sendo feito em sala de aula. Supervisor vai na escola para ver papel, documento. Se perguntar para a nossa supervisora, eu duvido que ela saiba o que eu faço. Ela vai ver o diário de classe. Há muitos anos eu faço meu diário de classe no Excel, e no começo ela se recusava a aceitar. Dizia que tinha que ser manuscrito. Eu a deixei continuar querendo. Nos dias de hoje, se eu ser fazer no Excel, que é muito mais prático. Ela não queria aceitar.
Diário do Litoral: Pode-se dizer que na Educação a principal dificuldade é encarar a modernidade?
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Maria Carolina: Exatamente. Hoje, não adianta lutar contra a tecnologia. Tem professor que entra na sala e pede todos os celulares em cima mesa. Isso é uma ferramenta! Dá para utilizar de várias formas. Eu pergunto se eles já ouviram Geraldo Vandré e falo para eles pesquisarem pelo celular, mostro a eles. Isso é material. Mas é duro. Eu não tenho 20 anos, mas tenho obrigação de acompanhar o mundo. Eu não posso ficar para trás, fazer discurso de 50 anos atrás. Hoje é assim. Às vezes minha chefe abre a porta e estão todos no celular, no tablet, mas lendo Machado de Assis. Surgiu o interesse? Vamos pelo celular, pelo tablet. Temos obrigação de acompanhar o mundo. Eu acho que a maior dificuldade da escola é encarar a modernidade.