Cotidiano

Papo de domingo: "O autor vive da emoção. O editor, de cifrão"

A frase é de Manoel Ferreira que, com sua esposa e parceira Ruth Amaral, é o responsável por mais de 200 marchinhas 40 delas só na voz do empresário e apresentador Silvio Santos

Agência Brasil

Publicado em 09/03/2014 às 10:31

Atualizado em 26/12/2021 às 22:02

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Manoel Ferreira e sua esposa Ruth Amaral são os responsáveis por mais de 200 marchinhas, sendo 40 delas na voz de Silvio Santos. A reportagem foi recebida no apartamento da filha do casal, no Embaré, em Santos, para saber um pouco mais desta história.

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Diário do Litoral (DL) – Valeram a pena esses anos de dedicação à música e ao Carnaval?

Manoel Ferreira (MF) – Sim. Principalmente sob o aspecto de ver o povo cantar. É sensacional ver a pessoa que trabalhou 12 meses e, nos quatro dias de Carnaval, esquece as agruras da vida e canta, se alegra e vive o congraçamento do evento mais popular do Mundo.

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DL – Como vocês começaram na carreira?

MF – Orlando Silva, reconhecido como o cantor das multidões, gravou a marchinha A Jardineira (Oh! jardineira por que estás tão triste?). Eu vi minha irmã lavando uma pilha de roupas no tanque cantando a música toda contente. Aí pensei: puxa vida, que alegria, apesar do trabalho difícil, pois na época não havia máquina de lavar. Nesta hora, o Brasil está cantando essa música. O autor deve ser um homem muito feliz. Pronto, me entusiasmei a ser compositor.

DL – O conhecido palhaço Arrelia também lhe inspirou, não?

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MF – O Brasil parava para assistir o seu programa. Num dia, ele resolveu parar com o jargão “Como vai, como vai, vai,vai?”. E as crianças não queriam. Aí eu aproveitei e sugeri a ele uma continuidade e virou a marchinha Muito Bem, que fez um grande sucesso, que acabou me iniciando no rádio, no conhecido Programa do César de Alencar, na Nacional do Rio de Janeiro. Eu cantei junto com a Emilinha Borba, Marlene e outras cantoras famosas.

DL – Como o senhor conheceu o Silvio Santos?

MF – Ele fazia os comerciais do programa do Manoel de Nóbrega. Quando ele entrava em cena, as mulheres admiravam a sua beleza e ele ficava todo vermelho de vergonha. Foi aí que surgiu o apelido o Perú que fala. A Ruth me deu a dica que Silvio um dia seria sucesso. Embora ele tivesse me dito que não era cantor, eu insisti em lhe oferecer a música Índio quer Dançar e, mais uma vez, um sucesso. Depois ele gravou 40 músicas minhas e de minha esposa, como Marcha do Barrigudinho, Gigi, Coração Corinthiano e a Pipa do Vovô, entre outras.

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DL – Ele é um homem difícil de lidar?

MF – Muito. Ele tem poucos amigos. Ele seria um bom presidente do Brasil, porque ninguém o engana. Ele é profissional e não regrava trechos errados no programa. Se um funcionário errar, pode ter o salário e o tempo de casa que for que ele manda embora. Com ele, as coisas têm que andar direito. Por outro lado, quem for ponta firme tem todas as regalias e amparo trabalhista. Todo o sistema da televisão gira em torno dele. Ele vê tudo.

DL – O senhor ganhou muito dinheiro?

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MF – Direito autoral no Brasil é um problema. O País deixa de faturar porque não sabe promover seus intérpretes, compositores e eventos que envolvem a música. Os governos nunca colocam a pessoa certa no lugar certo. Só políticos são contratados para cargos chaves e que têm poder de decisão. Muitos não entendem nada da área musical, cultural, enfim. Aí não anda. Tem gente que trabalha com direitos autorais e não sabe a diferença do samba para o rock.

DL – Mas essas pessoas sabem ganhar dinheiro?

MF – Costumo dizer que o autor vive da emoção. O editor, de cifrão. Eu sou da época que o editor trabalhava muito e tinha uma ampla visão. O autor não tem controle sobre os lucros de sua obra. Eu fui diretor da Odeon na época dos Beatles. Os ingleses responsáveis pela promoção da maior banda de rock de todos os tempos mandavam um amplo material promocional – fotos, mensagens, letras, cartazes, releases, histórico, agenda – enfim vinha tudo pronto para divulgação, inclusive da cidade de Liverpool, na Inglaterra. O esquema era imenso e o Brasil não faz o mesmo com seus artistas. O Roberto Carlos estourou mesmo depois que ele iniciou um trabalho no exterior.

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DL – Dê outro exemplo?

MF – Quando o Nat King Cole esteve no Brasil, as rádios pediam que eu o levasse no estúdio para uma entrevista. Para impressionar, eu o levei no Terraço Itália, em São Paulo, e disse: a Rádio Bandeirantes toca muito você e é uma das mais fortes do Brasil. Eles querem que você mande uma mensagem tipo: “aqui quem fala é Nat King Cole e eu também estou na Bandeirantes”. Ele pediu um cachê que representava o valor da rádio. Após a minha indignação, ele disse: “eu vivo disso. Os artistas daqui ganham o quê? Eu gravei uma música de autoria de um engraxate meu que hoje possui uma engraxataria com mais de 20 empregados. Ele mudou de vida apenas com uma música”.

DL – O que mais falta?

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MF – Administração e diminuir impostos.

DL – O ECAD funciona?

MF – É uma máquina bem montada. Agora o governo entrou no negócio. Vamos ver se vai andar. Se não vai virar cabide de emprego.

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DL – Outros artistas gravaram suas músicas?

MF – Ana Maria Braga, Ratinho, Celso Portiolli, Barros de Alencar, Miltinho, Francisco Egídio e outros.

DL – O Carnaval é o mesmo de tempos atrás?

Ruth Amaral (RA) – Os blocos estão voltando a ter a força de antigamente, mas há muito bicão cantando. Mas se não fizer música boa, não vinga. As gravadoras sabem o que é bom. Olha, tudo que nós produzimos foi gravado. Sempre vivemos da música. Tem canções só feitas para novela, depois ninguém canta mais. Tem letras que não dizem nada. No nosso caso, o ideal é atingir às crianças. As rimas também têm que ser populares e as harmonias pegajosas.

DL – De onde vem a inspiração?

RA – Do cotidiano, mas Deus também manda.

DL – Qual o segredo do sucesso?

RA – Perseverança. O autor precisa se mostrar sempre. Por exemplo, A Pipa do Vovô está sendo regravada pelo MC Catra, na Som Livre. O Brasil é muito rico culturalmente e há espaço para todo mundo. Para ter uma ideia, antigamente, os artistas estrangeiros vinham para cá somente com o maestro. Todos os músicos eram aproveitados em função da versatilidade. O inverso não existe.

DL – Como foi composto Coração Corinthiano?

MF – Após eu ouvir a notícia do primeiro transplante. Eu estava no meu Aero Willys (carro da década de 60) e minha cabeça virou e tive uma inspiração. O Corinthians estava mal no campeonato, mas sua torcida sempre foi muito fiel. A continuação da história você já pode imaginar. Fiz a primeira parte e a Ruth completou. A Bruxa Vem Aí foi composta após uma senhora engraçada aparecer na porta da casa de uns amigos nossos. Estávamos jogando cartas e ela tocou a campainha. Quando a vimos, pensei: uma vassoura e ela sai voando!

DL – E a Me dá um Gelinho?

MF – Estava em casa num calor danado. Eu desci para buscar uma cerveja e no elevador, com a cerveja na mão, lembrei que só gelo e tirar a roupa poderiam refrescar de verdade. Pensei num refrão e a Ruth achou que gelinho seria mais bonito. E aí foi. Um sucesso muito grande pela voz de Francisco Egídio, que não abriu mão da música, nem para o Silvio Santos.

DL – Qual a dica para os novos compositores?

MF – Pensem no povo. Da criança ao idoso. Uma melodia fácil e longe da segmentação. É importante também você estar sempre junto com a música. Trabalhar o seu nome. Senão a música vira sucesso e você cai no esquecimento.

DL – E como faz isso?

MF – Participando de programas de televisão, mantendo contatos com a Imprensa, cavar espaço. Deixar claro que você é o dono da obra. Também é preciso fugir de armadilhas e de oportunistas. Não colocar sua obra em negociatas. O seu nome é tudo. Esse ano, o Ratinho gravou uma música nossa, a Fiquei com a Vara na Mão, que é a história do pescador. O Ratinho canta toda hora em seu programa.

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