Cotidiano

Papo de Domingo: Na luta pela humanização do nascimento

O alto número de cesáreas no País preocupa o Ministério da Saúde e também um grupo de mães da Baixada Santista, que luta para levar mais informação às futuras mães

Publicado em 28/06/2014 às 22:33

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Embora haja uma tendência mundial de aumento de cesáreas para a chegada dos bebês — em decorrência, conforme documento do Ministério da Saúde (MS), de melhor acesso aos sistemas de saúde, maior disponibilidade de tecnologias, melhoria das técnicas cirúrgicas e anestésicas, vantagens financeiras pelo custo e planejamento desse tipo de cirurgia e a percepção sobre a segurança de certos procedimentos — os países acendem o sinal vermelho quando a proporção chega a 30%.

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Há cinco anos, o Brasil cruzou a linha dos 50% de partos por cesárea. E de lá para cá, só tem aumentado, distanciando-se cada vez mais dos 15% recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

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Considerada a maior pesquisa sobre parto realizada no país, Nascer no Brasil, divulgada recentemente pelo MS e pela Fiocruz, entrevistou 23.894 mulheres atendidas em maternidades públicas, privadas ou conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012. Foram coletados dados em 266 hospitais de 191 municípios, incluindo todas as capitais e cidades do interior de todos os estados. Os resultados comprovam que não há recuo nas cesáreas.

Quase um milhão de mulheres são submetidas a parto cirúrgico todos os anos, mesmo sem indicação médica adequada, inclusive adolescentes, cuja taxa atingiu 42%. Segundo a coordenadora da pesquisa, a epidemiologista Maria do Carmo Leal, não há justificativas clínicas para percentuais tão elevados. Essas cirurgias, continua, expõem as mulheres e os bebês a riscos desnecessários e aumentam os gastos do país com saúde. O estudo mostrou que quase 70% das entrevistadas desejavam o parto vaginal no início da gravidez, mas poucas são apoiadas nessa decisão durante a gestação e muitas são induzidas pelos próprios obstetras.

Considerada a maior pesquisa sobre parto realizada no país, Nascer no Brasil, divulgada recentemente pelo MS e pela Fiocruz, entrevistou 23.894 mulheres atendidas em maternidades públicas, privadas ou conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012 (Foto: Arquivo pessoal/Evellin Agria)

E é por ver estes números crescerem também na Baixada Santista que um grupo de mães criou o blog “Caminhando Para o Parto Normal”, com informações sobre as vantagens do parto normal. Segundo um levantamento feito pela Prefeitura de Santos, em 2012, cerca de 70% dos partos feitos em hospitais da Região são cesáreas.

Para este Papo de Domingo, a reportagem do Diário do Litoral entrevistou uma das criadoras do grupo, a doula Ellen Infante, e a obstetriz Driele Alia, que atua na maioria dos partos humanizados da Região. Você sabe o que faz uma doula e uma obstetriz? Você conhece o parto humanizado? Acha cabível ter um filho em casa nos dias de hoje, com tanta tecnologia? Leia o que as profissionais têm para dizer.

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Ellen Infante, doula

Diário do Litoral - Qual curso precisa ser feito para ser uma doula?

Ellen Infante - Um curso livre de formação de Doulas. Só tem em São Paulo, no GAMA ou na Casa Moara. Qualquer pessoa pode fazer, não é necessário ter nenhum tipo de formação anterior, embora a maioria tenha.

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DL - Qual a função da doula dentro de um parto humanizado?

Ellen - Doula é o nome dado à profissional que conhece e compreende a fisiologia do parto, além de ser capacitada a oferecer suporte físico e emocional (não medicamentoso) na assistência ao parto. Sua atuação abrange várias etapas desse processo: gestação (pré-parto), trabalho de parto e puerpério (pós-parto). Durante a gestação a doula oferece suporte emocional, esclarecendo dúvidas (da gestante e do acompanhante) sobre a gestação, trabalho de parto, puerpério, auxilia também na preparação para o parto através de exercícios físicos e respiratórios além de massagens. Durante o trabalho de parto, a doula estará sempre ao lado da parturiente oferecendo apoio emocional, propondo medidas de conforto (banhos, massagens, orientando à respiração e posições maios confortáveis e favoráveis, entre outros), e também oferecendo apoio ao acompanhante. No hospital, a doula é a única profissional que garante assistência personalizada e contínua à parturiente. No puerpério a doula orienta quanto à amamentação e cuidados com o bebê. Lembrando que a doula não realiza qualquer procedimento médico, portanto, não substitui os profissionais tradicionalmente envolvidos na assistência ao parto e nem tão pouco substitui o acompanhante.

(Foto: Divulgação)

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Cada doula pode ter uma formação específica e somar dentro do trabalho, eu, por exemplo, sou fisioterapeuta e acupunturista, por isso avalio e oriento exercícios perineais, além de realizar acupuntura se assim a gestante desejar.

DL - Desde quando você faz está função?

Ellen - Estou nessa função há três anos, formei como doula em 2011.

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DL - As doulas trabalham só em partos humanizados domiciliares ou também em partos em hospitais?

Ellen - Em partos hospitalares também, embora nem todos permitam nossa entrada. Infelizmente, dependerá do hospital e do médico que atende a gestante, em alguns casos só existe a possibilidade de entrar um acompanhante, daí a parturiente deverá escolher quem entrará com ela.

DL - Você acredita que o número de gestantes adeptas ao parto humanizado irá aumentar na Baixada?

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Ellen - Estamos torcendo e caminhando para isso. O número de gestantes adeptas já está aumentando, mas infelizmente o número de médicos adeptos não é inversamente proporcional.

DL - O que, na sua opinião, ainda precisa ser feito por autoridades, médicos e, até mesmo, gestantes?

Ellen - Precisam primeiramente respeitar e seguir as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), e se algum órgão fiscalizasse de modo a “obrigar” que essas recomendações fossem cumpridas pelos hospitais e médicos, já seria meio caminho andado. Além da criação de mais Casas de Partos. As gestantes precisam se informar, “correr atrás” de informações, estudar, e por conta própria, pois infelizmente ainda são pouquíssimos os médicos que oferecem informações sobre o parto humanizado.

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DL - O que você diria para as mães que ainda estão em dúvida na hora de escolher o tipo de parto?

Ellen - Que o normal, só tem esse nome por ser normal, ser fisiológico. Não tenha medo, seu corpo foi feito para isso, seu corpo sabe como fazer, sabe como permitir um nascimento, mas se informe e trabalhe bem sua cabeça, ela é a única que pode atrapalhar seu corpo nesse processo. Parto só existe um, que é o natural, outra via é cirurgia. Que quando bem indicada salva vidas, o problema é que não tem sido bem indicada.

 

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Driele Alia, obstetriz

DL - Qual curso precisa ser feito para ser uma obstetriz?

Driele Alia - Atualmente, o curso de graduação que forma as obstetrizes é oferecido apenas pela Universidade de São Paulo (USP), no campus da zona leste de SP. O curso tem duração de 5 anos, com aulas teóricas e práticas, e estágio supervisionado obrigatório. O vestibular é organizado pela Fuvest.

DL - Qual a função da obstetriz dentro de um parto humanizado?

Alia - A obstetriz é capacitada para atender as consultas pré-natais, acompanhar o trabalho de parto e o parto normal, identificar e solucionar possíveis emergências pré-parto, intraparto, e pós-parto, prestar assistência pós-parto e acompanhar o bebê no período perinatal e neonatal. Este profissional pode atuar de forma autônoma ou em equipes multiprofissionais integradas.

DL - Desde quando você faz está função?

Alia - Exerço a profissão há dois anos aqui na Baixada Santista.

DL - Qual a importância da função em um parto humanizado?

Alia - Esse profissional representa um importante recurso para prover cuidados de saúde humanizados às mulheres, recém-nascidos e familiares, preservando e resgatando a normalidade no processo do nascimento. Dentro do contexto do parto propriamente dito, cabe à obstetriz mostrar para as mulheres todos os benefícios de um parto natural, fazendo com que possam acreditar que elas têm a capacidade de dar à luz a seu filho de um modo natural, proporcionando um parto que possa representar uma experiência prazerosa. Dentro das instituições de saúde, poderá auxiliar nas mudanças de práticas por preconizar o parto normal, mantendo atitudes que o promovam e o protejam, ajudando a reduzir os custos e os índices de partos operatórios e de intervenções desnecessárias.

DL - Qual a diferença entre uma obstetriz e uma obstetra?

Alia - A formação da obstetriz é deliberada pela graduação do curso de Obstetrícia da Universidade de São Paulo (Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP), este profissional é capacitado para acompanhar gestações e partos de baixo risco. A formação do Obstetra depende da graduação em Medicina e posterior especialização na área de Obstetrícia, este profissional é capacitado para acompanhar gestações e partos de baixo e alto risco.

DL - Tem algum caso especial (em partos) que possa nos contar?

Alia - Todos são inesquecíveis e cada um traz um aprendizado diferente e uma lembrança especial. Quando se trabalha com partos humanizados, abre-se espaço para viver experiências com participação ativa de toda a família, momentos de transformação e superação das mulheres. Isso é maravilhoso. A verdadeira obstetrícia praticada pelos profissionais da área deveria ser como o próprio significado do nome diz: estar ao lado. E apenas isso. Deixar que o parto seja comandado pela mulher, que é a dona desse processo.

(Foto: Divulgação)

DL - Você acredita que o número de gestantes adeptas ao parto humanizado irá aumentar na baixada?

Alia - O número de gestantes adeptas ao parto humanizado tem crescido de uma forma geral, em todos os lugares do mundo. Atualmente, voltamos a adotar hábitos de vida mais simples e naturais, e a busca por partos naturais e humanizados entra nessa linha. Há muito que se mudar na Baixada Santista no que diz respeito a recursos e estruturas das instituições de saúde para oferecer subsídios à prática do parto humanizado. Como solução, muitas gestantes tem buscado parir em hospitais de outras cidades, casas de parto (que ainda não temos por aqui) e partos domiciliares assistidos. Mas sem dúvidas, a tendência é que a procura aumente sim, até porque este tema tem conquistado mais espaço na mídia, e com isso os mitos são derrubados e as informações reais são difundidas.

DL - O que, na sua opinião, ainda precisa ser feito pelas autoridades, médicos e até mesmo as gestantes?

Alia - O Brasil vive um momento de índices altíssimos de cesáreas desnecessárias, violências obstétricas e índices assustadores de morbidade e mortalidade materna e fetal decorrentes do parto. Para mudar este quadro, é necessário mudar muitas coisas, inclusive de cunho cultural, o que torna essa mudança mais difícil. No entanto, é imprescindível melhorar a promoção do parto normal nas instituições de saúde, modificar o preparo dos profissionais durante a faculdade de forma a priorizar o parto natural e humanizado, exercer a Medicina Baseada em Evidências, desenvolver novas políticas públicas relacionadas ao tema, investir na mudança da qualidade do pré-natal bem informado e etc.

DL - O que você diria para as mães que ainda estão em dúvida na hora de escolher o tipo de parto?

Alia - Diria para buscarem o máximo de informações sobre o assunto, inclusive com profissionais humanizados da área e outras mulheres que viveram diferentes experiências. Infelizmente, no Brasil é preciso lutar e estar muito bem informado para conseguir parir com respeito e segurança. É preciso escolher bem onde, como e com quem contar. E diria para que nunca deixem de acreditar em seus corpos e suas capacidades de parir.

Experiências de parto humanizado

O melhor caminho para que a mulher contribua no resgate do seu papel de protagonista no trabalho de parto, parto e pós-parto é a informação. Essa é a aposta do Ministério da Saúde, que deve lançar após o período da Copa a nova Caderneta da Gestante. Com dicas e cuidados a serem observados desde a descoberta da gravidez, a caderneta traz uma série de orientações importantes, de direitos assegurados em lei a serviços oferecidos pela rede do SUS, como testes para identificar HIV e sífilis, até quadro comparativo entre cesárea e parto normal, além de divulgar o número 180 como canal para as denúncias contra a violência obstétrica.

Essa é mais uma iniciativa do governo para estimular a humanização do parto. Em 2011, a Rede Cegonha sistematizou e institucionalizou um modelo de atenção ao parto e ao nascimento, com base em discussões e experiências que se desenvolvem desde a década de 80. O modelo que se almeja, segundo a coordenadora-geral de Saúde da Mulher do MS, Maria Esther Vilela, é o do Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte (MG).

Documentário de aproximadamente uma hora, divulgado pelo ministério, mostra que é possível entrosar médicos e enfermeiras obstetras, doulas comunitárias e agentes de saúde. O Sofia Feldman possui um conselho integrado não só por médicos, enfermeiras e administradores da instituição, como também por representantes da comunidade. Os depoimentos evidenciam que há um controle social dos recursos e dos gastos da instituição, totalmente voltada para a humanização do parto e do nascimento.

De acordo com o modelo preconizado pela Rede Cegonha, o Sofia Feldman possui Centro de Parto Normal (CPN), onde enfermeiras obstétricas (podendo também ser obstetrizes) atendem os partos de baixo risco. Todo o ambiente é projetado para oferecer bem-estar e tranquilidade às gestantes, com recursos para ajudar a aliviar a dor durante o trabalho de parto, como banhos de banheira e chuveiro, massagens e caminhadas. No CPN do Feldman até escalda-pés com plantas medicinais são oferecidos, por sugestão da própria comunidade.

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