Cotidiano

Papo de Domingo: ‘Existe um impacto sim feito pela dragagem’

A bióloga Ana Luíza Fávaro Piedade diz que a dragagem no Porto de Santos, embora seja necessária, afeta o meio ambiente e que o monitoramento de efluentes deve ser constante

Publicado em 17/08/2014 às 10:21

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A dragagem do canal de navegação do Porto de Santos é fundamental para a entrada e saída de navios, principalmente os de maior porte, com calado mais fundo. O maior porto da América Latina concentra diversas indústrias e terminais de produtos diversos que despejam efluentes no estuário que contém substâncias químicas que podem ser tóxicas. Portanto, a retirada dos sedimentos por meio da dragagem de manutenção e de aprofundamento causam impacto ao meio ambiente? A bióloga e diretora técnica da Acqua Consulting, Ana Luíza Fávaro Piedade, afirma que sim.

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Na última quinta-feira, Ana Luíza, por meio de sua empresa, promoveu o 1º Encontro Regional Sobre Controle da Poluição Industrial para representantes de empresas de ramos diversos que atuam no Porto de Santos, com o objetivo de esclarecer sobre as normas 454 e 430 do Conama e conscientizá-los sobre a importância das medições de seus efluentes por análises químicas e de toxicidade.

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Leia a entrevista da bióloga para o ‘Papo de Domingo’:

Diário do Litoral – Como os poluentes se acumulam nos sedimentos, no canal do estuário?

Ana Luíza - Quando falamos de atividade portuária, nós temos ali vários lançamentos de efluentes. A gente tem, por exemplo, uma indústria de fertilizantes. Por mais que o efluente dela seja tratado, a empresa estará lançando um efluente rico em nutrientes. Se tem uma indústria de sucos, bebidas, tem lançamentos de carga orgânica. E o próprio esgoto sanitário das empresas do porto, que gera muitos efluentes sanitários, banheiros, lavagem de pias, restaurantes. Isso tudo também é lançado no mar. Esses contaminantes que são lançados e ficam na coluna d’água, com o tempo se juntam à carga orgânica e sedimenta. Então esse sedimento nada mais é do que um depósito de contaminantes. E ele fica ali estocando aquele material durante anos e anos.

>ANA LUÍZA - “A nossa legislação é mais rígida, mas infelizmente com uma fiscalização muito pobre" (Foto: Luiz Torres/DL)

DL – Os contaminantes que se acumulam nos sedimentos continuam oferecendo risco com o passar dos anos?

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Ana Luíza – Se você quiser saber como era a contaminação há 100 anos no Porto de Santos, há 10 anos, a gente consegue fazer um perfil do solo, do sedimento, e avaliar. Quando a draga tira o material, vários contaminantes voltam para a coluna d’água. Então, você tem o impacto tanto daqueles organismos que vivem no fundo, os bentônicos - caranguejos, moluscos, aplísias, que se alimentam desse sedimento -, quanto os que vivem na coluna d’água como peixes e microalgas.

DL – Então, a dragagem de aprofundamento do canal do estuário pode trazer à superfície ainda mais poluentes do que a dragagem de manutenção?

Ana Luíza – Quanto mais sedimento na superfície, mais contaminante você tem. Então, quanto mais profunda a dragagem, mais impactante. Quando você remove esse sedimento, onde você vai por? É para isso que serve a análise. Para saber se você pode jogar isso num bota-fora que seria uma área mais distante, ou se tem que tratar.

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DL – Como são feitas as análises das amostras dos sedimentos?

Ana Luíza - As análises atendem normas do Conama 454, que foi revisado em 2012. Lá tem um artigo com uma tabela de parâmetros químicos que têm que ser monitorados. Tem nível 1 e nível 2 (tipos de análises). O nível 1 é onde a gente começa a ter potencial de ter efeito na biota aquática (ecossistema), e o 2 é certeza que você vai ter um impacto na biota. Se um ou mais parâmetros ultrapassar o nível 1 daquela legislação (Conama), então já é bem perigoso. Constatados níveis acima dos parâmetros permitidos, a legislação obriga a realizar o teste de toxicidade (nível 2).

DL – Qual a diferença entre as análises de nível 1 e de nível 2?

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Ana Luíza – A análise química nível 1 é para você quantificar quanto tem de cada composto. A análise de toxicidade é a de nível 2, que dá uma resposta muito melhor. Por que? Eu vou pegar o sedimento de diferentes áreas de onde está sendo dragado e expor esse sedimento a organismos vivos, que são os bentônicos (vivem e se alimentam dos sedimentos). E que são organismos que a gente cultiva aqui no laboratório.

DL – Você disse que o teste de nível 2 deveria ser feito antes do nível 1. Por que?

Ana Luíza - Hoje no Brasil, primeiro é feita a análise química (nível 1): ferro, manganês, chumbo, níquel, compostos orgânicos, amônia. Se algum deles ultrapassou o limite, aí sim eu faço o ensaio para saber se está tendo impacto sobre a biota (contaminação do ecossistema). Mas, eu penso que se ao invés de fazer um monte de análises eu fizer uma só e constatar que não impactou o organismo, não tem com o que se preocupar. Agora, se impactou, vamos investigar quem é (fazendo a análise de nível 1). Na lista do Conama tem 30 compostos que são monitorados. É pouco. Não garante que tem algum outro composto ali que é um contaminante que você não vai descobrir. Por exemplo, é um composto organo clorado (contém cloro, substância cancerígena). De onde vem esse organo clorado? De qual indústria? Então, você direciona de onde está vindo o contaminante e facilita o trabalho do órgão ambiental. Vamos atacar essa empresa e fazer ela tratar o efluente.

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DL – A Acqua Consulting monitora o material dragado do Porto de Santos?

Ana Luíza - A Acqua não monitora todas as dragagens que são feitas, mas através de nossos poucos clientes, a gente sabe que a qualidade do sedimento varia muito. Tem época que a gente tem valores (de contaminação) acima do nível 1, em outros momentos, está bem controlado. Depende de uma série de fatores. Se estiver chovendo muito, por exemplo, vai arrastar mais material.

DL – Os resultados das amostras monitoradas são enviadas para quais órgãos ambientais?

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Ana Luíza - A maioria dos monitoramentos são enviados para a Cetesb. É uma pena que não tenha um número suficiente de fiscais, embora a Cetesb tenha equipes preparadas. E, alguns monitoramentos vão para o Ibama.

DL – A dragagem afeta a balneabilidade das praias da região?

Ana Luíza - De vez em quando você vê um pouco mais de espumas escuras (no mar). Quando levanta aquele material (sedimentos) ele acaba vindo para costa.

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DL – Os contaminantes oferecem risco aos banhistas e trabalhadores portuários?

Ana Luíza – Não. Os contaminantes da dragagem afetam mais visualmente e não diretamente os organismos de banhistas e trabalhadores. Por exemplo, o mar fica mais turvo.

DL – Como você avalia a freqüência dos monitoramentos feitos no Brasil?

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Ana Luíza - O Brasil avançou muito nos últimos 20 anos com relação à legislação ambiental, mas o que a gente tem feito aqui de monitoramento é nada perto de países mais desenvolvidos com atividades industriais menores do que a nossa. Então, enquanto a população não tiver consciência do que está acontecendo e exigir que sejam feitos os monitoramentos, exigir que sejam mostrados os resultados, isso não vai mudar. A gente tem que ter consciência de que existe um impacto sim feito pela dragagem, um impacto pelo lançamento de efluentes nos nossos rios e mares, o quanto isso está impactando a nossa vida. A nossa legislação é mais rígida, mas infelizmente com uma fiscalização muito pobre. No Canadá, por exemplo, eles fazem a toxicidade primeiro. E é tudo online. O laboratório envia o resultado online para o órgão ambiental que tem uma semana para dar o aval. Se o resultado for ruim, já emite uma multa pro empreendimento, que tem um prazo para regularizar a situação. Se não conseguir reduzir os poluentes, a empresa é multada. A frequência de monitoramento é mensal. Se houver algum problema nos resultados da toxicidade, são feitas as análises químicas. É uma população mais consciente.

>LABORAT ÓRIO - cultiva seres marinhos que são expostos às amostras de sedimentos nas análises (Foto: Luiz Torres/DL)

Aproximadamente 14 milhões de metros cúbicos de sedimentos foram retirados do Porto de Santos na operação de dragagem de aprofundamento, realizada entre o segundo semestre de 2009 e maio de 2012. O contrato previa o aumento da profundidade, que variava entre 12 e 14 metros, para 15, e o alargamento do canal de passagem dos navios de 150 para 220 metros.

Segundo informou a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), o material dragado não apresentou resultados de análises químicas que ultrapassem as concentrações permitidas na legislação ambiental.

Os sedimentos dragados são despejados em uma área denominada “polígono de disposição oceânica”, localizada a cerca de 12 quilômetros da costa.

Questionada, a Codesp informou que uma empresa especializada coletou amostras do material dragado para análise em atendimento à legislação ambiental. “Faz parte da licença ambiental, o monitoramento de todo o material dragado, inclusive nos polígonos de disposição oceânica. Essas amostras são enviadas para laboratórios de análise, credenciados, cujos resultados constam de relatórios encaminhados aos órgãos de controle ambiental e prefeituras da região”, explicou a empresa, por meio da assessoria.

Perguntada sobre como é feita a análise da amostra, a Codesp esclareceu que: É feita a caracterização da amostra (quantidade e especificação dos elementos encontrados), que é encaminhada para apreciação do Ibama, para que autorize ou não o descarte na área autorizada ou pede o confinamento do material. Não ocorreu, até o momento, negativas de autorização para o material dragado em Santos”.

A empresa informou que as empresas Van Oord Serviços de Operações Marítimas (trechos 2, 3 e 4) e DTA Engenharia (berços de atracação) realizam as operações de dragagem.

De acordo com a Codesp, “a manutenção da profundidade é ininterrupta, por causa do constante assoreamento do estuário, proveniente das quatro marés diárias e dos sedimentos que vêm através dos rios que deságuam no canal de navegação.

>MATE RIA DRAGADO - é depositado em área de 4 km x 10 km denominada polígono de disposição oceânica, a 12 km da costa (Foto: Reprodução)

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